Fanfic: Áureas
Ela estava sentada na grama, com suas costas apoiadas na antiga árvore. Seus longos cabelos pretos estavam mais desarrumados que o normal, mas a garota não se importava. Os fones em seu ouvido tocavam uma música lenta, enquanto seus negros olhos admiravam o escuro céu a sua frente. Ela, sem dúvida, gostava daquele lugar. Gostava de sentir as folhas do velho carvalho caindo sobre sua cabeça, gostava ficar sozinha com seus pensamentos e, ainda mais, do anoitecer, quando as luzes da cidade se misturavam ao amarelo reluzente das estrelas.
Os dedos frios tocaram seu ombro, fazendo com que ela despertasse de seu transe. Não era normal pessoa passarem por ali, ainda mais àquela hora da noite. Virou-se de repente, num movimento brusco, e deu de cara com aquele garoto pálido a olhava com um sorriso simpático no rosto.
– Não acha que já deveria ter ido pra casa, Tae? Está meio tarde sabe, e andar por ai sozinho, ainda mais uma garota indefesa como você, não sei, parece meio perigoso – Enquanto ele falava a adolescente se levantou e amarrou o cabelo.
– Tudo bem, mas não ache que estou indo só por causa da sua preocupação.
– Você sabe que eu nunca pensaria isso – Ela o olhou como se zombasse daquilo que ele havia dito.
– Aodh, você não pode nos levar pra casa voando ou, sei lá, de outro jeito, afinal, você é uma fada... Ou um fado? – A gargalhada do garoto preencheu o ar, mas ela não esboçou reação, apenas o olhou.
– Deveria mudar a piada, essa ai já ficou repetitiva. E você sabe, já discutimos isso, não sou um ser mitológico, apenas uma projeção daquilo que você é.
Ele estava certo, e já havia lhe explicado isso diversas vezes, o que não diminuía suas dúvidas. Passaram-se três meses desde a aparição daquele garoto de olhos brancos e cabelo preto havia aparecido em seu quarto na madrugada e ela não lhe explicara muita coisa, apenas a mesma frase que dizia agora. Ainda lembrava-se daquele momento como se o vivesse toda noite, em seus sonhos.
Ela levantou-se da cama na madrugada. Havia dormido demais naquela tarde e agora já não tinha mais sono. Tateou no escuro atrás de seus óculos. Desistiu de procurar e foi andando até o interruptor, conhecia o quarto e não via a menor chance de tropeçar em algo. Acendeu a luz. A claridade tomou conta do luar e ela o viu dormindo na cadeira em frente ao computador. Não sabia dizer sua idade, mas o rapaz aparentava ter 15 anos. Tae deu gritou, usando as mãos para tapar a boca logo em seguida. O garoto se mexeu, abrindo os olhos e se virando pra ela.
– Ah, finalmente você acordou. Sabia que eu fiquei te esperando? – O espanto era visível em seus olhos. – Calma, eu não vou te fazer nada... Compreendo a sua reação, eu também ficaria assim no seu lugar, mas, antes de qualquer coisa, deixe-me explicar.
Depois daquilo, ela ficou horas pensando, perguntando-se se estava ficando louca. Até resolveu chamar seu irmão para ver o que acontecia, mas, quando ele chegou a seu quarto, não havia nada, pelo menos, nada que ele pudesse enxergar. O Garoto estava lá, sentado de mau jeito na mesma poltrona em que ela o tinha vista, mas mesmo assim, o mais velho não conseguia vê-lo.
Agora, os dois caminhavam juntos para casa, enquanto Tae se perguntava por qual motivo ele estava ali, e ainda não havia lhe dito nada. Sim, aquilo lhe incomodava bastante, mas já havia se acostumado, e espera que, um dia, ele lhe dissesse tudo o que havia para ser dito.
Um garoto vinha andando na direção deles. Tinha cabelos pretos longos, pele clara e usava roupas largas. Tae o olhou rapidamente, e uma ideia surgiu em sua cabeça.
– Sabe, você poderia materializar um garoto, assim eu podia ver vocês dois se beijando – Ela o olhou com uma expressão divertida no rosto.
–Isso não seria difícil... SE eu conseguisse materializar pessoas. E você nunca me contou por que gosta de ver garotos se beijando.
– Não sei. Talvez eu só ache divertido. Mas, de qualquer jeito, a imaginação é minha, só eu sei o que se passa nela e, por isso, não preciso ficar presa ao preconceito da sociedade, nem aos limites do mundo físico, não acha? – Ele não respondeu, apenas sorriu.
Levaram trinta minutos caminhando até chegar à esquina da sua rua, o céu agora estava nublado, as estrelas já não podiam ser vistas e a única fonte de iluminação eram as luzes dos postes que se estendiam ao lado da calçada. Aodh parou de repente, olhando para o outro lado. Tae continuou caminhando até perceber que seu amigo não estava ao seu lado. Virou-se e viu-o congelado. Acompanhou seus olhos, para ver o que tinha chamado sua atenção. Uma garotinha que aparentava ter por volta de cinco anos de idade estava do outro lado, encarando-os. Levava uma boneca em sua mão direita. Uma franja de cabelos pretos cobria parte de seu roto e o olho esquerdo e, junto de seu vestido preto, que ia até seus pés e possuía bordados no fim, criavam um clima pesado ao redor da criança.
– Aodh, vamos logo – Ela chamou, sentindo um arrepio percorrer seu corpo. Ele começou a andar de novo, mas agora possuía um ar preocupado.
Ela girou a maçaneta e abriu a porta. Sua mãe havia viajado a trabalho e só voltaria no mês que vem. Subiu para o seu quarto com sua sombra, como costumava chama-lo, sempre atrás dela. Entrou no quarto e ligou o computador com um chute no botão de ligar. Olhou para o relógio, já passava das 23 horas da noite. Prometeu para si mesma que ia apenas ler um mangá yaoi que tanto gostava e iria dormir.
A vontade que tinha de levantar da cama era nula. Mesmo depois de dormir mais do que deveria, ainda possuía uma enorme vontade de continuar deitada. Pensou em matar aula e dar uma volta no parque, mas desistiu. Já havia faltado muito naquele semestre e não queria perder mais aulas. Ainda sem disposição, ela foi da cama para o banheiro. Arrumou-se e estava descendo as escadas para sair quando deu de cara com aquela figura enigmática entre as sombras. A mesma garota do dia anterior... Pensou. A menina estava parada, próxima a janela. A escuridão cobria seu rosto, mas era possível ver a silhueta e os bordados em seu vestido. O corpo de Tae se arrepiou quando ela a viu andar em sua direção com a cabeça baixa. Pensou em voltar para o quarto, mas suas pernas não se mexiam.
– Q-quem e você? – A voz de Tae estava trêmula e ela gaguejava. A menina agora estava na sua frente, imóvel, com a boneca ainda encostando-se ao chão. Ela levantou a cabeça vagarosamente. Seu cabelo não cobria mais a parte esquerda de sua face e Tae, agora, conseguia ver seu olho esquerdo. De um vermelho vivo, cor de sengue, ele a assustou. Parecia independente do resto do corpo, e fica ali, encarando-a. Ele parecia chama-la. Um sussurro tomou conta de seus ouvidos. “A hora está chegando” foi tudo o que a garota disse. De repente, um sorriso surgiu entre seus lábios, e, um instante depois, a janela quebrou-se e uma legião de corvos adentrou a casa e envolveu a menina em uma nuvem negra. Um instante depois, ela havia desaparecido, como se nunca tivesse estado ali.
Aodh descia as escadas quando a viu imóvel na escada. Ele se aproximou lentamente, dando um passo de cada vez e, quando estava perto o suficiente, estendeu o braço e tocou seu ombro. Nenhuma reação. Resolveu chamar pelo seu nome.
– Tae? – Foi como acordá-la de um sonho. Ela baixou a cabeça e, lentamente, virou-se para ele, que pôde ver o medo em sua face. Ainda não sabia o que havia acontecido, mas aquele olhar o deixou preocupado. – Ela apareceu pra você? – Disse, com um tom pesaroso na voz, já prevendo o que teria acontecido
– Sim... – Ele percebeu que a garota ainda não tinha compreendido o que havia ocorrido naquela sala.
– Então está na hora...
– Na hora de que? – A dúvida agora se misturava com o medo em seu rosto.
– É melhor irmos para o seu quarto. Anda – Ela o acompanhou. Quando chegaram, ele sentou-se na poltrona, e apontou a cama para ela.
– Pronto agora você pode me explicar o que foi aquilo lá embaixo e como aquela... coisa, entrou aqui?
– Ela é um dos 11 Espectros da Guarda. Eles fazem a proteção da Rainha. Quando um dos 11 morre, os outros dez são chamados e, cada um, convoca um possuidor de áurea para lutar no torneio que irá eleger o novo integrante. Mas... – Ele fez uma pausa e olhou para baixo. Parecia procurar palavras para dizer o que precisava. – A verdade é que eu não esperava que você fosse escolhida – Ele levantou o rosto na direção dela. Tae estava parada. Não entendeu o que ele quis dizer, ou não acreditou. Havia muitas coisas na sua cabeça agora e não conseguia raciocinar direito. Ele continuou. – O torneio é classificatório. A cada vitória, você avança uma fase, até a disputa final, onde os 3 finalistas entram juntos na arena para decidir o vencedor. A Rainha observa todas as etapas e disputas do trono, à direita de onde ocorre o combate, e os dez representantes da guarda posicionam-se ao redor da arena. O único problema é: para ser declarado vencedor e avançar para a próxima fase, você tem que matar seu oponente – Os olhos dela o miraram. O sol iluminava o claro dia lá fora, mas, dentro de seu quarto, a vida daquela garota possuía, agora, um estranho tom negro de medo e desespero. – Eu quero que você fique calma, ainda tem mais algumas coisas que preciso te contar. Mas, antes de continuarmos, quero que saiba que é impossível desistir, ou se negar a duelar. Aquela garota viria atrás de você e terminaria com sua vida em um piscar de olhos.
– Afinal, como uma garotinha daquele tamanho pode ser um protetor dessa tal Rainha? E como você não me avisou que eu estaria entrando em um combate onde minha vida estaria em jogo?
– Eu já te disse, não achei que fosse ser escolhida e, até um Protetor entrar em contato, não posso dizer nada. E a resposta pra sua pergunta é simples: Ela ganhou o torneio, em sua época, e substituiu o 11º, que ganha uma posição na hierarquia. Mas não se engane, quando você se torna um dos 11, seu corpo e juventude é preservado, mesmo que continue suscetível a doenças. Aquela garota, ela deve ter séculos de vida. É impossível saber com certeza – Ele fez uma pausa para pensar no que deveria dizer a seguir. – Agora, a Rainha. É o ser mais influente e governa e administra boa parte do território das áureas, mas, é melhor você ficar ciente, ela não é a única.
– Quer dizer que, neste mundo de “áureas”, pessoas como eu são comuns?
– Não, nem lá você é “normal”. Humanos que conseguem projetar sua áurea, assim como você faz comigo, inconscientemente, mas faz, são extremamente raros, por isso são escolhidos para a Guarda. A cada geração, provavelmente, umas 100 pessoas no mundo são capazes de fazer isso, cada um com uma criatura que corresponda à sua personalidade. Mas, agora, devemos nos preocupar com seu treinamento. Você não deve ter mais de um mês para se preparar. Amanhã, naquele lugar que você vai sempre, começaremos a praticar.
– Praticar o quê?
– Temos que nos preparar para o torneio. Ajudarei você a desenvolver seu potencial, e também lhe ensinarei sobre armas.
– Mas, e a minha vida aqui? E a minha mãe? Eu não posso simplesmente desaparecer.
– Não vai. Para sua mãe e seus amigos, será como se você nunca tiver existido. Quando visitar a dimensão das áureas, todos que conheceu irão se esquecer de você, e, todas as suas coisas, irão sumir. Agora, vou descer e preparar alguma coisa para comermos. Fique aqui e pense no que aconteceu, o resto de sua vida irá se resumir a isso.
– Como assim¿ Não posso deixar isso acontecer. Se eu ganhar o torneio e abdicar da vitória, não posso voltar?
– Os outros membros da guarda lhe caçariam e te matariam isso, claro, depois de matar cada uma das pessoas que teve contato com você. Agora, estou descendo – Ele virou para ela, abriu a porta do quarto se saiu andando pelo corredor. Ela, por sua vez, continuava sentada na cama, incrédula, pensando na bagunça tenebrosa que havia se transformado sua vida. E, então, a ficha finalmente caiu e as lágrimas de medo escorreram por seu rosto.
Autor(a): krausen
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