Fanfic: Jogo da Amizade
Ao som de um reggae particularmente estranho, o jipe estacionara frente à casa da carioca, arrastando o pneu na sarjeta da calçada, causando diferentes reações aos passageiros; Elvis soltou um “Aaaaaai” acompanhado de uma careta gozadora na direção do amigo, como se quisesse dizer “seu barbeiro”; Kyara deixou escapar um “opa” meio tímido, pois não sabia se aquilo seria muito destrutivo para o veículo, e não queria fazer Fernando sentir vergonha perto dela. Kyara sabia lhe dar com os homens, ela entendia o quão importante o ego masculino era, e o fato de ser alguns anos mais velha poderia ferir o orgulho do amigo se ela exagerasse agora. Pra compensar, Fernando fez uma cara de “Essas coisas só acontecem quando não devem” e olhou o retrovisor para disfarçar.
– Seu ruim.
– Vem dirigir.
– Posso mesmo?
– Nem fodendo! – respondeu animadamente Nando.
Kyara desceu primeiro, pois em determinado ponto do caminho, Nando decidiu que as damas tinham o assento da frente, sem exceção. Elvis ficou com Thor no banco traseiro tentando fazer o cachorro se aquietar.
– Bem vindos ao meu lar-doce-lar – disse a amiga simpaticamente.
Era uma construção de dois andares, de tom marfim, um portão enfeitado com uma plaquinha rosa em forma de cachorro indicando o número da casa.
– Que fofo – riu Elvis.
Kyara já havia explicado aos amigos: no térreo do pequeno prédio moravam seus sogros. O primeiro andar estava atualmente acomodando familiares que vieram de fora para o casamento. Kyara ocupava o segundo andar com o noivo, David.
– Churrasco? – perguntou Fernando, vendo uma fumaça saindo pela chaminé do último andar.
– Com certeza. Vamos subir?
Thor seguiu a dona nos calcanhares, seguido pelos dois paulistas.
Meio acanhados, os dois subiram os andares até chegar à imensa varanda no térreo. Fernando fez uma vaga careta ao ouvir o pagode rolando solta das caixas de som provisoriamente instaladas em uma cadeira. Era tudo bastante informal, não havia requintes, nem frescuras de etiqueta e comportamento. Todo mundo era muito acalorado e receptivo.
– Oh, meus deus, vocês são os garotos de São Paulo – dizia dona Joana, sogra de Kyara, abraçando demoradamente cada um dos meninos e os chacoalhando pra todo lado enquanto dava as boas vindas. Elvis conseguiu ver um olhar divertido da amiga enquanto era abraçado pela senhora segurando uma colher de pau.
Outros parentes os cumprimentaram, alguns com um aceno alegre, outros mais alterados pela cerveja, os puxavam para outro abraço. E teve um senhor que queria inventar um toque um tanto acima de sua capacidade motora. Elvis teve que dar uma ‘bundada’ na poupança do idoso para o deixar satisfeito. Fernando saiu de fininho enquanto ainda podia se safar dessa.
Ele chegou perto do parapeito da varanda, onde a luz era mais escassa, e não teria ninguém querendo bater de bundas com ele.
A vista era impressionante. Além de dezenas de altos prédios ao longe, que dava um charme particular à paisagem, havia um nada além de tudo isso. Um vasto azul escuro se posicionava atrás de morros e construções iluminadas de diversas cores. O cansaço o atingira agora, depois de um dia inteiro dirigindo não havia percebido o quanto seu corpo necessitava de um descanso urgente. A cabeça latejava levemente, as pernas doíam de tanto ficarem paradas, o nariz coçava e os olhos ardiam. Será que Elvis estaria tão quebrado assim também, pensou ele.
Enquanto viajava em seus pensamentos, Fernando sentiu certo incômodo em suas narinas e, sem se dar conta de suas ações, meteu o dedo para desenroscar o que quer que o incomodava ali dentro. Não era um gesto tão feio de se ver, já que não o fizera como bárbaros que cutucam como se suas vidas dependessem disso. Infelizmente para ele, Kyara o chamou às suas costas e ele se virou do jeito que estava: com o dedinho no nariz.
O rapaz, ligeiramente, fez um aceno com a mão para tentar disfarçar a ação, mas notou tarde demais que havia uma ‘caquinha’ de nariz pendurada no mindinho, balançando como um sino de igreja.
– Porra – murmurou ele escondendo a mão em milésimos de segundos, enquanto Kyara respondia seu aceno convidando-o para se aproximar.
– Nando – ela começou, mas parou quando notou que o amigo estava perdido em algum pensamento – você está bem? Quero que conheça minha prima, Paty.
Uma garota atraente se aproximou dos dois sob os gestos de Kyara. Ela era da altura do garoto e tinha o cabelo longo da mesma tonalidade clara que ele. Um sorriso deslumbrante se instalara entre suas bochechas perfeitamente moldadas, acompanhadas por grandes olhos cor de mel, olhando distraída para Fernando enquanto chegava mais perto dos dois.
– Prima, esse é o Nando. O que viria de São Paulo.
Uma coisa que Fernando ainda não havia denotado, era o sotaque bastante puxado de todo mundo à sua volta. Eles sempre zombaram da amiga em vídeo conferência pela forma que ela arrastava o ‘erre’.
– Nando – chamou Kyara, e ele caiu de volta à realidade. Agora percebera que estava olhando fixamente para a garota que estava diante dele.
– Ãn, prazer – ele conseguiu dizer, mas se sentiu um idiota.
Paty o cumprimentou com um beijinho no rosto e se virou de costas, saindo em seguida.
– Kyara... ãn, quem era – ele disse olhando fixamente para a nova conhecida – aquela beldade ali?
– Seja quem for, tem namorado, e você não deu uma boa primeira impressão – disse ela dando-lhe um tapinha no braço.
Ele torceu a boca, insatisfeito e colocou a mão no bolso à procura do celular para verificar a hora.
– KYARA! – berrou alguém do outro lado da varanda – ACABOU A CERVEJA, PÔ!
Outras vozes foram ouvidas com a mesma entonação, ao mesmo tempo em que um empurrava para o outro a missão de comprar mais bebida.
– Eu vou – Fernando disse, e ainda repetiu mais alto – Eu posso ir se quiser, se me mostrar onde posso comprar – ele falava meio incerto, vendo o que o pessoal achava.
Para sua alegria, a ideia foi mais que bem aceita, pois ninguém estava à disposição de cumprir a tarefa. Na verdade poucos ali estariam em perfeito estado para pegar o volante.
– Vamos, a gente vai junto. Cadê o Elvu?
– Tô aqui! Pra onde a gente vai? – disse ele, mais animado que o normal.
– Você bebeu? – perguntou Fernando, surpreso.
– Só um cadinho. Pra onde a gente vai?
– Mercado – respondeu Kyky já indo em direção à porta – Sigam-me os fortes.
[...]
– Pode seguir a avenida, Nando.
– Ei – disse Elvis do banco de trás –, a gente precisa descarregar isso logo, está impossível ficar aqui por mais que cinco minutos.
– Ainda tem que caber as cervejas – disse a amiga, rindo do amigo.
– Não vi o David, Ky. Onde ele está? – perguntou Fernando a respeito do noivo dela.
– Está de plantão hoje à noite. Só volta amanhã cedinho.
Houve um momento de silêncio mútuo, mas não era mais um silêncio constrangedor, nem tampouco os deixava sem jeito, era um silêncio companheiro, onde um estava curtindo o momento com o outro, como uma partilha de pão, em que todos ficam satisfeitos. Neste momento, Fernando percebeu que, quando o silêncio não incomoda mais, aí sim eles podem dizer que uma relação à vontade se firmara ali.
– Por que você está dando risada? – perguntou Kyara a ele.
– Não estou dando risada – disse ele enquanto Elvis se jogou para frente para encarar o amigo – O que foi? Não estou dando risada, só estou sorrindo.
Então ele diminuiu a velocidade até parar, diante do sinal vermelho à frente.
– Hum... E porque está sorrindo, moço bonito?
Agora ele abriu todo o sorriso face à pergunta seguida do elogio, que ele sabia que era mais para parecer como se estivessem se falando via internet.
– Não posso mais sorrir, não? Ora, dizem que um dia sem sorrisos é um dia perdido.
– Ele está feliz por ter a gente aqui – corrigiu Elvis, satisfeito em desmascarar o amigo.
– É isso? – indagou a loira ao seu lado.
– Mais ou menos, pô. Vocês vão mesmo ficar falando de sentimentos?
– É isso ou não é? – disse Kyara, dando um cutucão em suas costelas, fazendo-o dar um pulo de cócegas.
– NÃO!
– Não?
– Não faça isso novamente. AI! – ela já estava o atacando com suas unhas perfeitas para cócegas.
– Pare! Não... está ceeeerto... eu confesso... EU CONFESSO! Chega! Pare com isso – ele gritava por cima das gargalhadas – Eu estou sorrindo, sim, por ter vocês aqui. SATISFEITOS?
Elvis e Kyara fizeram um coro de “Aaaaaah” e fizeram um toque de ‘yes!’ com as mãos mediante a missão cumprida.
– Ele odeia falar de sentimentos.
– Vocês que falam demais... E isso foi covardia – dizia ele segurando em volta da barriga.
– Sinal abriu – avisou Elvis.
– Eu vi, seu traíra de São José.
– Também estou super feliz por vocês estarem aqui no Rio, tá, só pra constar – simpatizou a garota, esbanjando harmonia.
– ‘Ooooooownt’, a gente também te ama, Garota Lubrificante!
Ela bateu no amigo ao seu lado e Elvis perguntou:
– Por que Garota Lubrificante?
– K.Y. – respondeu simplesmente Nando – Marca de lubrificante sexual – ele completou zombando da amiga, levando outro tabefe no peito. Elvis gargalhou intensamente.
– Fique na sua aí, garoto do interior.
– Eeeei, o Nando é mais do interior que eu, esse ranho!
– Presidente Prudente tem duzentos e trinta e oito mil habitantes, TÁ! – contestou ele.
– Opa! Dá licença que aqui sou eu quem tem o posto de Miss Metrópole, viu – disse ela fazendo graça para os rapazes.
Os dois se calaram amistosamente diante da declaração. Nando dirigiu pra dentro do estacionamento do super mercado, parou perto da porta de entrada, eles desceram a entraram.
– Se alguém aqui nunca desceu de escada rolante, hoje é o dia – disse a garota sorridente.
– Ela está se achando a garota de Beverly Hills – comentou Elvis.
Kyara pegou um carrinho de compras e Fernando pegou outro, um com uma miniatura de bugue para crianças na frente. Ela olhou para ele fazendo uma expressão de pergunta, mas ele só lhe deu um sorriso como resposta.
A não ser pela corrida de carrinhos que Elvis travou contra um garotinho de onze anos de idade, não houve muitos incidentes no mercado.
– Você ainda teve a capacidade de perder pra ele! – zombou Nando.
Ele também perguntou para Kyara se ela queria ir dirigindo, apenas para sair da rotina. Elvis ficou amargamente ofendido por Nando oferecer o volante de bom grado para a amiga e nunca sequer ter deixado-o sentar no banco do motorista. Mas ela decidiu não aceitar dirigir.
– Sabem – disse a garota loira, olhando para o lado de fora do para-brisa – Acho que a gente poderia aproveitar mais um pouco esta noite.
– O que quer dizer? – perguntou Elvis, vendo o olhar sonhador da jovem.
– Com certeza tem um algum luau acontecendo hoje. É só a gente percorrer a praia – afirmou ela sorridente, como sempre.
– E o David?
– E eu? Faz tempo que não faço algo do tipo. Estamos tão focados no dia-a-dia ultimamente que a diversão acabou ficando de lado.
Os rapazes se entreolharam incertos, mas sem a menor intenção de se opor. Afinal, uma oportunidade como essas não se tem todo dia.
– Eu topo!
– To dentro!
– Ótimo. Deixaremos as bebidas em casa e caímos na noite.
Assim que entregaram a bebida para alguém ainda no térreo, os três formaram uma cooperativa que retirou toda a bagagem do carro e despejaram na garagem. A intenção era deixar ali até que voltassem. Ainda na mesma cooperativa amistosa e animada, a capota do Troller foi retirada e guardada também na garagem, fazendo Fernando quase cair de costas de tanta emoção. O jipe estava incrível, do jeito que ele imaginara; era exatamente para isso que ele o comprou, para um momento especial como este.
Com quase tudo pronto para partida, Elvis já tinha subido pela lateral e aguardava em pé, quando outro carro de cor prata parou logo atrás do jipe. David saiu do assento do motorista sorridente e se aproximou de Kyara, que estava na calçada formando surpresa em suas expressões.
– Oi, amor. Pedi dispensa do plantão de hoje, queria aproveitar o churrasco contigo – disse o noivo explicativamente – O que está fazendo? – perguntou ele olhando para as malas na garagem.
David era mais alto que sua noiva. Era corpulento também, com um braço que daria dois de qualquer um dos garotos. Tinha uma voz grave que transpassava confiança e amedrontava a quem o enfrentasse.
– Eu estava... – começou a moça, olhando de soslaio para os dois amigos – Ajudando os garotos a descarregar as malas aqui na garagem... Porque eles queriam dar uma volta... Pela cidade. E... Por isso eu dei uma mãozinha. Pra eles não precisarem sair com toda essa bagagem – terminou ela, olhando tristemente para o carro.
Ela não poderia simplesmente deixar o noivo em casa e ir para uma festa com dois rapazes que David nunca vira na vida. Os amigos entendiam a posição da amiga e, já estavam aceitando a ideia de sair somente os dois.
Porém, nesta mesma hora, a prima de Kyara surge de dentro da casa olhando para o jipe, animada.
– Ouvi falar em saidinha? – disse ela chegando perto de Fernando e, olhando para a prima ainda continuou: - Posso ir? Cansei do tio dançando ‘boquinha da garrafa’.
Kyara se mexeu incomodada, mas David já tinha encorajado a garota antes de qualquer coisa. Paty olhou para os garotos formando uma questão no ar, que foi respondida com Elvis dizendo “Sobe aí”.
A única opção era seguir o rumo da coisa: Fernando subiu no jipe, Elvis quase em pé atrás e Paty sentada no banco da frente, aumentando o som em uma boa altura.
A última visão que Kyara teve foi dos dois amigos partindo sem ela, com sua prima ocupando seu lugar.
Autor(a): diegoryder
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
O quarto estava claro, um pouco bagunçado, mas as cortinas e tapete brancos davam um ar de limpeza ao extremo. Fernando se remexeu quando a luz do sol atingiu seu rosto suado e vermelho. De cara inchada, ele se sentou sobre a cama de lençol também branco e olhou á sua esquerda, vagarosamente, ainda sonâmbulo. A cama era enorme, por sinal. Um ...
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