Fanfic: De Fé e de Justiça(Mini-Fanfic) | Tema: As Cronicas de Narnia
Segredos trancados num guarda roupas
Ele acordou procurando por ela ao seu lado da cama. Era um hábito insistente, mas ela já havia tentado fugir antes e o que ele mais temia é que um dia ela conseguisse de fato. Edmund ficou feliz ao sentir a textura da pele exposta dela contra seus dedos. Enlaçou-a pela cintura e puxou para si, enquanto fundava o nariz na curva do pescoço dela. Lucy resmungou.
- Eu estava tentando dormir. – ela resmungou, enquanto Edmund ria um riso gutural.
- Me desculpe por isso. – ele disse acariciando o rosto dela – Se você não tentasse fugir, ou sumisse de uma hora pra outra, eu não faria esse tipo de coisa.
- Você sabe ser chato e inconveniente quando quer. – ela resmungou enquanto se aconchegava no peito dele e fechava os olhos outra vez – Posso voltar a dormir, ou você quer me amarrar antes só pra ter certeza de que vou continuar aqui.
- A idéia é tentadora. – ele roubou um beijo rápido dela – Mas vou deixar como está. – ele beijou a bochecha dela desta vez – Me diga que você desistiu de fugir, pela Juba do Leão.
- E existe alguma possibilidade de fugir de você? – Lucy perguntou impaciente – Eu estou desistindo, oficialmente, de tentar fazer algo que eu nunca quis de verdade.
- Posso ter esperanças de que você sente alguma coisa por mim? – ele pareceu inseguro da resposta.
- Eu me condenei por pensar em você e desejar você como uma mulher deseja um homem. Eu tentei negar que o que eu sentia era mais do que amor fraternal e você não facilitou em nada. – ela sorriu um sorriso bobo – Acho que eu amo meu noivo no fim das contas.
Aquele foi o primeiro dia de uma felicidade sufocante e plena, que consumia a ambos numa única chama. Edmund e Lucy se casaram uma semana depois, diante de toda corte. Peter e Susan também trocaram votos e alianças no mesmo dia e os festejos duraram semanas a fio.
Peter havia encomendado ao pintor real dois retratos de casamento, que mais tarde se tornaram as duas peças mais importantes da galeria do palácio, ao lado do quadro da coroação.
Susan passou a usar os títulos de Grande Rainha Consorte, Imperatriz Consorte das Ilhas Solitárias e Senhora de Cair Paravel. Seu trono passou para o lado direito, junto ao trono do Grande Rei, onde permaneceu por muitos anos.
Lucy, por sua vez, passou a usar o título de Rainha Consorte de Nárnia, Duquesa do Ermo do Lampião e Condessa dos Mares Ocidentais. Seu trono foi mudado para o lado esquerdo ao trono de Edmund, de onde eles governaram de mãos dadas por muito tempo.
Dois meses após o casamento, Susan começou a demonstrar os primeiros sinais da gravidez e tanto ela, quanto Peter, ficaram radiantes com a idéia. O povo comemorou a perspectiva de um herdeiro quase tanto quanto a chegada do mesmo. O Grande Príncipe, que parecia desaparecer entre as mãos do pai, de tão pequeno, foi batizado com o nome de Henry e nunca uma criança foi tão amada quando aquele pequeno.
Lucy adorava o sobrinho e até mesmo Edmund se aventurava nas tentativas de segurá-lo no colo, sem a menor habilidade para isso. Entretanto, por mais que estivesse feliz pelos irmãos, Lucy não podia deixar de se perguntar por que ela ainda não tinha dado nenhum sinal de gravidez.
O que começou como uma questão incomoda, se tornou uma culpa. Ela queria um filho também e sabia que Edmund desejava mais do que tudo ter seus próprios herdeiros. O povo exigia isso de seus soberanos, mas não importava o que fizessem, nada demonstrou resultados. Lucy nunca apresentou nenhum sinal, nenhuma suspeita.
Edmund não tocava no assunto, procurava não preocupá-la com isso e estava convicto de que os filhos viriam quando fosse a hora certa. Ele evitava a todo custo pensar na hipótese de esterilidade. Tanto ele quanto Lucy eram jovens e extremamente saudáveis, não havia porque levantar uma suspeita tão absurda.
Ele a amava independente de qualquer coisa. Ainda que não tivessem filhos, ainda que nunca pudessem criar suas próprias crianças, ele continuaria amando sua esposa e irmã mais do que qualquer coisa. Era por causa de Lucy que ele era um homem melhor, mais justo, mais seguro, mais companheiro.
Foram anos muito felizes, em que dividiram a cama e o comando do reino. Lucy tinha um talento invejável para a diplomacia, com seu jeito cativante, enquanto Edmund mantinha sua mente focada nas leis e nas estratégias de batalha. Peter e Susan se dividiam entre o governo e a troca de fraldas de uma criança hiperativa, que ocupava maior parte do tempo de toda criadagem do palácio.
Foram tempos de paz e prosperidade. O príncipe Henry já tinha quase quatro anos quando Susan começou a demonstrar os sinais novamente. Foi quando Lucy e Edmund tiveram sua primeira grande crise após o casamento, mas ele só se deu conta da gravidade da situação quando a encontrou chorando sozinha enquanto alisava sua barriga plana.
Ele não tocou no assunto, nem ela. Era algo desnecessário. Entretanto, Edmund se sentia angustiado e de mãos atadas diante da situação. Queria que ela acreditasse que não havia qualquer importância, queria que ela entendesse que ele jamais a amaria menos por uma questão como aquela, queria ser capaz de dar a ela um filho.
Peter não estava habituado a ver Edmund tão sério e introspectivo como naqueles dias. Ainda que o Rei Justo fosse o mais reservado entre eles, sua atitude monossilábica estava se tornando preocupante e perturbadora. Lucy também não parecia tão radiante como sempre foi e demonstrava um semblante abatido, por mais que disfarçasse.
O Grande Rei encontrou com o irmão mais jovem na biblioteca. Edmund encarava com olhos preocupados os novos projetos de lei. Peter não fez barulho, tentou não perturbar o Rei Justo, mas foi impossível ficar calado quando viu que seu irmão caçula chorava em silêncio.
- Pela Juba do Leão! O que aconteceu, Ed? – Peter perguntou subitamente e Edmund tentou secar os olhos antes que seu estado fosse denunciado, mas foi em vão.
- Não é nada. – ele disse rapidamente.
- Como nada? – Peter retrucou – Nunca te vi neste estado, então por tudo que é sagrado, diga o que está acontecendo com você! – ele falou enérgico – Algum problema com Lucy?
- Eu não agüento mais. – Edmund sussurrou – Eu não sei mais o que fazer para animá-la! É uma tortura ter de encará-la todos os dias, saber o que ela espera de mim e não conseguir atender ao mais simples dos desejos.
- Do que estamos falando exatamente? – Peter perguntou preocupado.
- Lucy quer filhos, assim como os seus e de Susan. – Edmund disse, fazendo força para controlar uma nova crise de choro – Quatro anos de casamento, Peter! Quatro anos dividindo a cama, vivendo como marido e mulher em todo sentido da expressão e nada! Nem mesmo uma suspeita. – ele disse angustiado – Para mim não faz diferença, eu já tenho tudo o que poderia desejar da vida, mesmo que a idéia de ter filhos seja agradável. Mas para ela é diferente. Ela deseja desesperadamente poder segurar uma criança nos braços e poder chamá-la de sua.
- Lucy acha que estamos cobrando algo dela? – Peter pareceu perturbado com aquilo – Ed, isso tudo é desnecessário. Enquanto ela ficar se preocupando deste jeito não vai conseguir.
- Eu tentei dizer a ela, mas ela não quer ouvir nada sobre o assunto! E eu jamais a cobrei neste sentido! Acho que ela dá ouvidos de mais aos súditos. – Edmund disse desesperado – Ela pensa que é estéril, sei que pensa, mas não consigo evitar a idéia de que talvez o problema seja comigo.
- Bobagem! – Peter disse definitivo – Estão se preocupando com um assunto que não faz o menor sentido! Você e Lucy são jovens e tem muito tempo! Por que não viajam um pouco? Peguem um navio e façam um cruzeiro pelas Ilhas Solitárias, usem a desculpa de uma viagem diplomática e faça uma lua de mel! – Peter disse entusiasmado – Lucy vai esquecer essa bobagem e aposto como não demorará mais que três meses para que ela não agüente mais o balanço do navio de tanto enjôo!
- Acho que pode dar certo. – Edmund murmurou – Podemos ir até Galmar, podemos visitar as Ilhas. Faz tempo que ela não deixa a corte.
- Susan me disse uma vez que uma mulher só concebe quando não se sente na obrigação. Longe daqui ela não verá Susan aumentar de tamanho a cada dia, nem ouvirá comentários impróprios. Aposto como as duas podem ter filhos quase que na mesma época. – Peter disse empolgado – Além do mais, tenho boas notícias que podem ajudar.
- Quais? – Edmund o encarou esperançoso.
- Avistaram um cervo branco correndo pelos bosques. – Peter abriu um sorriso – Lembra-se da lenda?
- Quem consegue caçar um cervo branco tem qualquer desejo atendido. – Edmund murmurou – Preparem os cães e os cavalos. Vamos sair para caçar logo pela manhã! – o Rei Justo disse enquanto se levantava de uma vez.
- É assim que se fala! Caçaremos pelo parto tranqüilo, pela saúde dos meus filhos e para que você tenha os seus. Depois disso você e Lucy saem em lua de mel. Não tem como dar errado.
Todos os servos foram avisados da grande caçada. Edmund correu para avisar Lucy a respeito do cervo branco e convidá-la para uma viagem às Ilhas Solitárias. As noticias pareceram animá-la e o jovem rei teve esperanças de que seus problemas se resolvessem.
Na manhã seguinte os reis esperavam por suas rainhas em frente aos portões. Susan se atrasou em virtude dos enjôos matinais, mas logo ela e Lucy surgiram, vestindo trajes de caça, com golas e punhos de pele, e bonés. Edmund não pode deixar de contemplar a própria esposa por um momento. Ela nunca pareceu tão bonita, ou tão serena. Uma sensação estranha brotou em seu peito e ele teve que afastar o pensamento de que nunca mais a veria de forma tão perfeita.
Eles montaram seus cavalos e partiram em disparada, em busca do lendário cervo branco.
Estavam cansados após a longa jornada, mas conseguiram avistar o animal e persegui-los até a parte mais densa da floresta. O lugar tomado por pinheiro tornava a cavalgada impossível e eles tiveram de seguir a pé.
Peter insistiu para que Susan esperasse com o restante da corte, mas a rainha se recusou terminantemente. Edmund e Lucy seguiram firmes, de mãos dadas, até que a rainha avistou algo peculiar em meio aos pinheiros e correu para ver do que se tratava.
Lucy parou diante de um lampião que parecia solitário no meio de um lugar tão improvável. Ela o encarou curiosa, tocou o metal frio e então olhou para o marido e os irmãos. Todos olhavam para o ponto fraco de luz, com semblantes que denotavam vago reconhecimento, como uma estranha sensação de já ter vivenciado aquilo antes.
- É como estar no sonho dentro de um sonho. – Lucy murmurou, antes de avançar até o lugar onde os pinheiros eram ainda mais densos, logo atrás do lampião.
- Espere, Lu! – Edmund tentou agarrá-la pela mão antes que se metesse em meio as arvores, mas Lucy já estava muito longe. O Rei Justo, seguido dos irmãos, correram atrás da jovem.
A caminhada difícil entre os galhos e folhas, logo se tornou mais suave, como se fossem atingidos por camadas e camadas de pele, até que os movimentos se tornaram limitados e que os quatro dessem de cara com uma placa de madeira.
Num empurrão, a placa cedeu e eles caíram no chão duro de tábuas do quarto vazio na casa do professor. Edmund buscou imediatamente o rosto de Lucy para se assegurar de que tudo não passava de um pesadelo. Ele a encontrou. Cabelos curtos, grandes olhos brilhantes e ingênuos, bochechas rechonchudas, mãos pequenas, pés pequenos...O corpo de uma criança.
Ela chorava com uma expressão de pânico no rosto. Ele nem tentou olhar para o próprio corpo. Sabia exatamente como estava e com quantos anos, fisicamente. Ele se arrastou até ela e a abraçou forte, enquanto ela soluçava apavorada.
- Crianças... – ela sussurrou apavorada.
- Calma, Lu. – ele disse afagando os cabelos dela – Vai ficar tudo bem. Mantenha a calma. – ele sussurrou – Não importa. Ainda te amo. Te amo.
Ela o agarrou mais forte. Nem se lembravam dos irmãos até um grito de dor rasgar o silencio do quarto. Eles se viraram para ver a origem do som e encontraram Susan contorcida no chão.
Sangue rubro escorria pelas pernas da garota, manchando as meias brancas que ela usava. Peter correu até ela, abraçando-a sem saber o que fazer. O Grande Rei, que agora não era nada além de um garoto, estava em pânico e tudo o que conseguiu fazer foi encara o irmão mais novo.
- VÁ BUSCAR AJUDA! RÁPIDO! – ele ordenou, enquanto abraçava Susan com mais força – Su, agüente firme! Agüente!
Não demorou para que o professor viesse correndo. Daí pra frente foi tudo muito rápido e frenético. Susan foi levada às pressas para o hospital. O lugar estava apinhado de gente, por causa da falta de recursos que a guerra causava. Peter a acompanhou por boa parte do caminho, enquanto contava ao professor o que havia acontecido. É claro que ele teve de omitir a parte em que ele e Susan eram casados e que o filho que ela acabara de perder era dele.
A versão oficial era vergonhosa, mas preferível. Susan foi vitima de um estupro, no caminho até o campo e o aborto poderia ser considerado como uma benção à menina, que ainda não tinha estrutura para dar a luz a uma criança.
Edmund e Lucy ficaram na mansão, fingindo não saber o que estava acontecendo e afirmando um ao outro que logo Susan estaria bem.
Edmund olhou mais uma vez para Lucy, esperando enxergar nela algum sinal da mulher linda, que usava roupas com gola de pele e sorria para ele. De lembrança apenas aqueles olhos doces. Eles se abraçaram em silêncio. O corpo dele não reagiu como de costume.
Ele não se sentia quente, nem sentia a urgência de descobrir a pele por debaixo das camadas de roupa. Eles não sentiam nada além de um amor casto e profundo. Nunca deixariam de amar um ao outro, ainda que o desejo não existisse, em virtude dos corpos não estarem prontos para isso.
Edmund beijou o rosto dela e permitiu que Lucy recostasse a cabeça em seu peito.
- O que faremos agora? – Lucy perguntou baixo – Se descobrirem...
- Não vão descobrir. – ele afirmou convicto – Seremos cuidadosos e não há como comprovarem que somos casados.
- Você ainda me deseja? – ela perguntou com medo.
- Eu te amo. Desejo não é tudo e tenho certeza de que voltará com o tempo. – ele disse num tom calmo – Eu não vou deixar de sentir o que sinto por você, nem vou te abandonar. Você continua sendo minha esposa, não importa como ou o que aconteça. Entendeu?
- Eu queria filhos, mas... – ela mordeu o lábio inferior – Agora me sinto aliviada por não termos tido nenhum. Eu não agüentaria. Pobre Susan! Pobre Peter.
- Pobre Henry. – Edmund completou – Ele é o Grande Rei agora. Com apenas quatro anos e sozinho.
- Acha que o veremos novamente? – ela perguntou enquanto uma lágrima insistente caia.
- Acho que voltaremos um dia, mas não acho que o encontraremos. O tempo é muito diferente... Pode ser que ele já esteja...
- Eu sei. – ela disse pondo fim ao assunto – O tempo. Olhe para nós. Como foi que isso aconteceu?
- Eu não sei, Lu. – ele disse conformado – Aslam tem seus próprios caminhos, mas para mim não importa. Não foi ele ou Nárnia que me fizeram amar você. Eu não me importo se somos crianças, ou se você ainda não tem seios. – ele riu – Eu vou esperar e vou continuar te amando. Quem sabe, se voltarmos um dia e nos for permitido ficar, então poderemos ter nossos filhos e vivermos como marido e mulher se ter medo disso. E mesmo que não aconteça, eu continuarei aqui.
- Eu te amo, Ed. – ela o abraçou ainda mais forte – Mas por enquanto, este é um segredo que deve ticar dentro do guarda-roupas.
Autor(a): duda_esposito
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