“Minha vida é triste, minha vida decerto não é um exemplo a alguém, tampouco é algo na qual devo me orgulhar; exceto por uma luz que irradia força para a mesma – uma luz que deveras vezes a salvou.”
Largou a pena e o pergaminho onde escrevia em cima das pernas, dando um longo suspiro. Sentia a inspiração esvaindo-se por seus dedos, uma vez que constatava novamente o porquê de ter começado daquele jeito: dor. Sabia que há anos não possuía a luz que impulsionava sua vida, mas até mesmo o âmago do seu ser sabia que não poderia deixar a mesma reger sua existência. Fechou os olhos, jogando a cabeça para trás e só tornando a abri-los quando estava completamente voltada para o céu da noite fria.
Ao longe, passos ecoaram. Não havia perfume nenhum no ar, entretanto, sua alma sentiu o aroma daquela que reconhecia como sua metade faltante, que fora arrancada injustamente milênios atrás. Involuntariamente sorriu; algo tão inevitável desde que ela entrara em sua vida.
– Escrevendo? – perguntou a morena ao sentar ao seu lado na pedra.
Xena passou um braço sobre os ombros dela enquanto Gabrielle apoiou o seu na cintura definida.
– Tentando – abaixou a cabeça de volta para seu colo; vestígios do luminoso sorriso de boas-vindas ainda esculpiam seu rosto.
– Qual o problema, barda? Hum? – perguntou, depositando um beijo na cabeça loira.
Ela suspirou.
– A dor me consome, Xena – olhou diretamente nos olhos azuis. – Ela rege minha vida e tudo que nós passamos simplesmente... Ainda pulsa muito vivo na minha mente. Não consigo mais escrever sobre coisas alegres. Não, Xena, não comece a se culpar de novo. Você sabeque não tem culpa, eu fui destinada a seguir seu caminho. Foi algo muito mais forte, você sente esse laço que nos liga como eu sinto, eu sei disso – divagou a barda quando viu aquele olhar condenado na Princesa Guerreira.
Sorriu suavemente, acariciando levemente o rosto da morena.
– Sabe o que eu diria pra você naquele dia que você me encontrou em Potédia, se soubesse tudo que nós passaríamos?
A aflição passou pelos olhos de Xena, prendendo-os na barda.
– O que? – perguntou entre um sussurro rouco.
O sorriso da loira aumentou.
– Você tem que me levar com você e me ensinar tudo que você sabe.
A morena não conseguiu evitar sorrir de volta, para não muito logo o mesmo gesto morrer. Deixou seu braço cair dos ombros da poetisa.
- Mesmo assim, Gabrielle, de uma forma ou de outra eu te infligi muita dor, e a consciência me diz que isso não vai magicamente cessar hoje ou amanhã – disse, fitando aqueles profundos olhos verdes.
Gabrielle suspirou e se levantou, para se ajoelhar à frente da Princesa Guerreira segurando suas mãos.
– Xena... Há muito tempo eu aceitei as conseqüências das nossas vidas juntas. Eu tinha te dito isso antes quando enfrentamos o exército Persa. Eu era jovem, mas não era estúpida, eu sabia que viriam dores e situações difíceis. É verdade que minha ingenuidade infantil não ajudou a imaginar nem em três mil luas que tudo que passamos fosse possível. Pegou-me de surpresa e eu não estava realmente preparada, é verdade... Mas como alguém poderia estar preparado pra tudo que se sucedeu? – riu sem humor. – Mas não é como se eu já não tivesse aceitado antes mesmo de acontecer – beijou suavemente as mãos de sua guerreira, que mantinha a atenção fixa nela.
Xena abaixou os olhos momentaneamente, levantando-os em seguida.
– Ainda assim, Gabrielle, eu não posso evitar ser invadida por um inoportuno sentimento que essa vida, e tudo que se passou nela, não foram os corretos. Porque nós sempre vamos nos encontrar, nossas almas irão se reunir, não importa a vida ou a realidade que possamos ter, isso já foi provado. É verdade que se tivesse seguido meu caminho como Destruidora de Nações eu teria te crucificado, e se não tivesse sido traída por César seria eu pregada na cruz, e nossa vida arruinada do mesmo jeito. Mas aquela vida, Gabrielle... A que eu nunca defendi Amphipolis e Lyceus nunca morreu... Sei que você viveu coisas terríveis como escrava que nem mesmo eu posso imaginar, mas só não consigo achar que tenham sido piores que as que você passou nessa vida. Você tinha perdido sua luz; mas você devolveu a minha aqui, você me ensinou a viver... – disse, acariciando o rosto da barda. – Por que eu não poderia fazer o mesmo por você lá? Nós sempre fomos o complemento e o equilíbrio uma da outra.
Gabrielle riu brevemente, olhando para a mão da guerreira.
– Acho que isso te faria a barda e a ajudante então, já que você tinha me dito que não poderia derramar sangue por decreto das três Destinos, e eu era a sedenta por ele.
Xena sorriu levemente, não conseguindo esconder o desconforto perante a perturbadora imagem de uma Gabrielle como ela era décadas atrás; uma mensageira da morte.
Balançou a cabeça sutilmente, tentando expulsar essas imagens e pensamentos.
– Vou checar Argo – informou a morena enquanto se levantava, empurrando suavemente a barda.
Gabrielle nada falou enquanto a via se afastar.
– Xena... Ela não consegue esconder o quanto a idéia de pessoas que ama envolvidas em suor e sangue, empunhando uma espada, lhe parte a alma – suspirou, balançando a cabeça e se virando para a fogueira no meio do acampamento, ao mesmo em que se sentara recostada na pedra.
Mas a idéia a tomou. Já sabia que não podia negar nem tentar evitar sua nova forma de escrita; deveria entregar-se. E a inspiração que Xena colocara em seu ser naquele momento era insustentável. Era doentio e caótico, e ia contra tudo que a mesma acreditava, entretanto, era um tanto cediça. Era como uma adolescente com um segredo proibido.
Ao longe, ouviu o inconfundível som da Princesa Guerreira se jogando nas águas geladas do rio próximo.
– Maluca... – murmurou para si.
Mas sabia que Xena precisava esfriar a cabeça; conversas como aquela a incomodavam profundamente. Provavelmente meditaria em meio ao gelo.
Porém aquilo lhe dava o que mais queria: tempo. Tinha que escrever o que seu ser gritava, deixar mais um pergaminho e suas metáforas cuspirem as perguntas e respostas do seu interior.
Como tudo teria sido se a vida tivesse seguido aquele curso?
Como ela seria?
Como seria Xena?
Como seria o mundo atual?
E principalmente, como seria a relação das duas?
– Que Xena nunca leia esse pergaminho ou se culpará pelo resto da vida – comentou para si mesma, pegando a pena e o pergaminho, o abrindo sobre as pernas e tão logo começando a escrever.
“O Pergaminho Negro – A história e vida de Gabrielle, a Destruidora de Nações...”
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Xena suspirou. Havia algumas marcas que estava ali ajoelhada ao lado da cama, a espera de sua ama. Sua mente cruel e carrasca escolhia justamente esses momentos para castigar-lhe com retrospectivas do passado.
Após Gabrielle ter matado Mezentius, o ódio e a vontade de se vingar de tudo e todos que a fizeram escrava – inclusive o mundo – chamou a atenção do abutre Deus da Guerra, exatamente da mesma maneira que ela o havia feito em seus tempos de pré-anunciada Destruidora de Nações, na outra vida. Mas aqui ela nada era além de uma aldeã que não podia derramar uma gota de sangue, por conta do trato com as Destino.
Ela aceitou, inclinada a acreditar que podia iluminar o coração de Gabrielle e salvá-la da escuridão da mesma maneira que a barda de outra vida havia feito. Conheciam-se há poucas estações, mas algo gritava dentro de Xena, dizendo-lhe que aquela menina conheceria dores e situações que uma jovem com tamanha alma brilhante jamais deveria descobrir a existência, pelo simples fato de caminhar ao seu lado na estrada. Por isso aceitara tentar essa vida e redimir Gabrielle.
Mas ela havia chegado tarde demais. Ares seduziu aquele espírito manchado com o negro ódio e sede de sangue, com suas velhas propostas de mudar o mundo pela ponta da espada. Despreparada e inebriada pela idéia, pelo sangue dos maus que iria ser derramado por seus dedos vingantes, Gabrielle aceitou, e assim foi treinada e guiada por ele até conquistar e comandar todo o Mundo Conhecido, sob promessas de assim criar um mundo correto por suas leis.
Xena esteve ao lado dela o tempo todo, e a única coisa que impedia a Governadora – como se auto-intitulava a escolhida de Ares – de matar a morena por uma simples T.P.M. ou por diversão era a gratidão por tê-la tirado de sua vida de escravidão. Dizia-lhe que era grata sua vida e sua existência à Princesa Guerreira, para aumentar ainda mais a auto-condenação de Xena, ao ver o reflexo de crueldade da besta que ela fora uma vez, ali nos olhos verdes sem a vida que deveriam possuir – pois o brilho estava ali; o da maldade.
Xena deu-se por vencida anos atrás, quando viu o último vestígio de sua barda literalmente ir ao chão. Por sugestão de Ares, Gabrielle havia cortado os cabelos bem curtos, para deixar morrer a carinha de menininha inofensiva e deixar fluir a imponência da guerreira suprema. E ao voltar de uma campanha, soube pela própria o quanto estava irritada porque havia crucificado uma vila inteira – homens, idosos, mulheres e crianças, devo acrescentar – por castigo, pois não revelaram em qual direção o inimigo havia debandado. Nesse ponto, querendo ter a outra vida de volta, Xena tentou matar o general do exército de Gabrielle, tão estimado pela mesma e por Ares por sua cruel eficiência, e tão odiado por Xena ao tê-lo visto queimar vilarejos com famílias inteiras trancadas dentro das casas.
No último segundo em que a Princesa Guerreira iria enfiar a espada nele e terminar aquela vida, o Chakram ricocheteou na arma que tinha em mãos – um presente de Ares para sua eleita. O choque e a incredulidade cruzaram o corpo da guerreira, dando tempo ao oficial de derrubá-la e apontar a arma em seu pescoço. Foi aí que a morena deu-se conta que Gabrielle não estava se tornando algo parecido com o monstro que Xena fora dez anos atrás; ela o era. Quando o homem ia matá-la, a potente voz da Governadora do Mundo Conhecido soou por todo o pátio de seu palácio em Corinto:
– NÃO! – o homem estacou, olhando assustado para sua superior. – Mate-a e desejará nunca ter nascido – disse ameaçadoramente entre dentes.
O homem engoliu em seco.
– Mas Senhora Governadora, suas leis dizem que aqueles que tentarem o homicídio a sangue frio sem um motivo aparente contra um nobre soldado que serve seu honrado exército, deve morrer pelo fio de sua espada – tão logo proferiu essas palavras e se arrependeu; deveria estar pedindo a visita de Celesta mais cedo ao contestar aquela mulher que reinava absoluta.
Limitou-se a abaixar a cabeça e rezar para o bom humor da Governadora deixar passar essa insolência.
– Nobre? – Gabrielle riu alta e sarcasticamente, fazendo o homem olhá-la. – Acha mesmo que eu não sei dos filhos que você tem com as rameiras de meu palácio, Telonius? Acha que sua mulher ou a corte, ou até mesmo seus filhos gostariam de saber a verdadeira natureza de seu “nobre” pai?
O homem abaixou a cabeça nova e submissamente, tentando segurar o tremor. Soube de antigos oficiais que foram crucificados no meio do pátio do Palácio de Corinto simplesmente por a terem contestado. Também ouviu casos de ordens dessa mulher à crucificação das famílias de soldados como castigo, pois os mesmos eram úteis demais para morrerem. Mas ali soube que ela podia fazer muito pior: poderia destruir sua vida.
– O que deseja fazer com ela, Senhora Governadora? – perguntou subserviente.
– Leve-a para meu quarto. Cuidarei dela pessoalmente mais tarde – ordenou, levantando uma sobrancelha e dando um sorriso sacana.
O homem sorriu maliciosamente, consciente das intenções da líder enquanto puxava a alta morena – que ainda não havia emitido o mínimo som – para levantar-se do chão. Xena também sabia o que a aguardava.
Gabrielle os observou se afastarem de braços cruzados.
Apesar da primeira lei de seu reinado ter sido a abolição da escravidão sob pena de morte, não podia deixar aquela mulher impune. Mas também não podia matá-la nem bani-la porque precisava dela por perto. Algo dentro de si criava um elo, um ímã que não a permitia se afastar da morena. E pelo que sua treinada percepção lhe dizia, tampouco ela. E além, parecia que Xena aceitava e sabia desde o início, desde a época em que era escrava, que estava preparada e que queria isso, se dedicava de alguma maneira a manter esse laço de pé incondicionalmente. Mas além de tudo isso, estava possessivamente apaixonada por aquela mulher, queria possuí-la como em suas mais selvagens fantasias e agora tinha a desculpa perfeita: seria castigada tornando-se sua escrava corporal pessoal. Ninguém no reino seria capaz de contestá-la quanto a essa decisão.
Sabia que poderia ter obrigado Xena a ir para a cama com ela há mais tempo, como fazia com as prostitutas que alugava ou as filhas de camponeses que adorava deflorar. A única razão de não o tê-lo feito era que Xena sabia lutar como ninguém que ela tenha visto além de Ares, talvez tão bem quanto à própria Governadora. E muito embora Xena fosse somente um cordeirinho manso e submisso quando estava perto da loira - devido a essa misteriosa ligação -, preferia não arriscar mexer com aquela imponente mulher e fazê-la se levantar contra si. Ares mesmo ao ver a morena em combate sussurrava em seu ouvido sobre tomar cuidado com ela, que era perigosa e escondia algum segredo. Que deveria matá-la, pois com aquelas habilidades poderia se tornar uma pura ameaça ao trono de Gabrielle. Mas a loira de alguma misteriosa forma acreditava na dedicação incondicional e leal de Xena para com ela.
Algo que também a intrigava era que, por alguma razão misteriosa para a loira, Xena nunca derramou uma gota de sangue todos esses anos. Já havia se metido no campo de combate para salvar a Governadora, mas se recusava a matar. Talvez vivesse sob algum tolo código de honra. Só esperava que não fosse o mesmo desses malditos seguidores de Eli que tanto a irritavam e que mandava crucificar um punhado por dia.
Deu de ombros, se dirigindo para a escadaria do palácio.
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Gabrielle entrou no quarto fechando o trinco, e logo se surpreendeu pela cena que viu. Entrou achando que veria uma imponente mulher de queixo erguido e orgulho e raiva queimando nos olhos. Mas se deparou com Xena de pé no meio do aposento, com mãos atadas atrás das costas e um brilho amoroso de piedade nos olhos. A visão da fraqueza, segundo a concepção de Gabrielle. Qualquer guerreiro com meio cérebro podia se livrar daquelas correntes, e sabia que Xena era melhor que isso. Estava ali porque queria estar, aceitava a punição – o porquê era desconhecido pela loira, bem como aquele estranho brilho no olhar.
Limitou-se a suspirar e a rodear Xena com as mãos para trás.
– Ai, Xena, Xena... O que faço com você? – indagou, observando as costas da cabeça da guerreira.
Xena simplesmente fechou os olhos.
– O que você achar que é correto, Senhora Governadora.
De repente, essas palavras suaves e diretas atingiram Gabrielle de uma forma que a mesma não entendeu. Xena nunca a chamara assim, tratando-a como um ser superior. Sempre a tratara como amiga, e ter essa morena se rebaixando a qualquer um ao se dirigir à Governadora, lhe surtia efeito. Essa mulher à sua frente conseguia atingir seu interior, reaver memórias e sentimentos que não achou que fosse capaz de voltar a presenciar. E isso definitivamente a incomodava – a submissão de alguém que ela sabia em seu íntimo que era mais poderosa que ela –; mas também era extremamente excitante a idéia de algo tão forte obediente ao seu sádico controle.
– Você me colocou numa situação difícil. Como representante legal destas terras eu preciso puni-la. Mas não posso matá-la e tampouco expurgá-la – parou em frente a sua interlocutora, olhando em seus olhos. – Não me pergunte por que, Xena, eu também não sei. Apenas que não gostaria de passar por cima de uma vontade minha por conta de outrem, mesmo que este fosse você. Então me diga, Xena... Como devo puni-la?
A Princesa Guerreira não a olhou, tampouco a respondeu; manteve seu olhar fixo na parede à frente, abstido de emoções. A Governadora não se incomodou.
– Sabe Xena, sempre quis saber... Eu sei que você me protegia porque era sua amiga e que assim me tornei por conseqüência de lembrá-la de sua outra e velha amiga. Você se enfiava no meio de perigosos conflitos nos campos de batalha unicamente para me salvar e me proteger; que é uma poderosa guerreira por debaixo destas vestes camponesas todos sabemos, especialmente você. Você conhece Ares, seus modos e seus pensamentos, isso já me ficou provado – muito embora ele não a conheça e até a tema, sempre me dizendo que você está sob alguma maldição ou feitiço – sorriu ironicamente. – Mas pra mim, de alguma forma, você simplesmente não é dessa vida, desse tempo, desse espaço – começou a gesticular. – Não sei explicar, apenas pressinto isso. Mas de qualquer maneira... – ficou de frente para Xena novamente, encarando-a. – Por que você nunca derramou uma gota de sangue em dez anos, e repentinamente resolveu matar meu general? Não adianta dizer que é porque não teria coragem porque isso não convence nem a si mesma, então não minta para mim. Por que, Xena?
A morena deixou seus olhos tomarem novamente aquele brilho emocionado, mantendo ainda seu olhar fixo na parede à frente, evitando olhar aquela face tão pura e tão cruel que a espetava com o luxurioso poder que exalava e a incomodava.
– Você não entenderia... Ou pelo menos não acreditaria. Só posso dizer, Gabrielle, que se cometesse tal ato seria remetida a uma antiga vida cheia de dor, onde eu teria você manchada por situações que não deveria conhecer – desviou seus olhos para o olhar verde-mar. – E Ares... Sempre foi um cachorro covarde. Ele teme tudo que se apresenta ameaçadoramente mais poderoso que ele e não está sob seu controle.
Gabrielle levantou uma sarcástica sobrancelha.
– Acha então que estou sob o controle dele?
Xena deu um meio sorriso carinhoso direcionado a ela.
– Não, eu sei que não. Mas ele assim o pensa, por você sempre seguir as estratégias e campanhas dele, e ter seu nome nos lábios ao seguir para a vitória, como deus principal.
A Governadora desviou o olhar da morena, franzindo o cenho diante da constatação do óbvio que nunca percebera. Haveria de ter uma conversa séria com o Deus da Guerra mais tarde.
Balançou a cabeça, desviando sua atenção novamente para a Princesa Guerreira. Deu um meio-sorriso malicioso.
– Xena... Sempre tão misteriosa, sempre tão instigante, sempre tão... – a olhou de cima abaixo, mordendo o lábio. – Irresistivelmente deliciosa.
Xena fechou os olhos; como se um oráculo ditasse seu futuro nesse instante. Sabia que Gabrielle a desejava irracionalmente, podia ver o animal que beirava a superfície de seus olhos quando a fitava. E nessa hora, não teve mais dúvidas: estava condenada.
Gabrielle inalou o ar imperativamente.
– Como regente legal dessas terras, eu, Gabrielle de Potédia, mais conhecida como a Governadora, sentencio Xena de Amphipolis a um regime de escravidão sexual pessoal vitalício.
Uma lágrima desceu solitária a face de Xena. Mais do que nunca teve certeza que sua garotinha estava morta – a Gabrielle tagarela, camponesa de Potédia jamais faria isso. E muito embora desejasse tomar e ser tomada pela loira, não pôde evitar que a dor assaltasse seu peito. A Governadora caminha em sua direção como um felino prestes a abocanhar sua presa indefesa.
– Em adição a essa sentença, destaco que a condenada deve ser mantida em meu quarto como seu cativeiro, sem nenhum contato com outras pessoas além de mim ou o mundo exterior além das portas e janelas desse aposento e sua antecâmara. Também declaro a ordem de que seu nome seja apagado dos registros públicos, bem como sua existência e sua vida da boca das pessoas – já próxima da morena, sussurrou sensualmente em seu ouvido. – Gostou de todas as minhas medidas para evitar sua morte, Xena? Todos vão achar que você pegou a sentença máxima, e os poucos que souberem a verdade já não serão homens o suficiente para me enfrentar... E cá entre nós, Xena, você é toda minha agora. Sua alma me pertence, seu corpo e sua existência agora são meros instrumentos de meu poder.
Pegou Xena pelos ombros e deu um forte empurrão, fazendo-a cair na cama com uma suave expressão de temor nos olhos. Montou em cima dela e arrancou com força aquela pequena camisa camponesa típica. Por dentro havia uma blusa de trapos creme que a loira fez questão de rasgar com um vigoroso puxão selvagem. Durante toda a ação olhava intensamente nos olhos de Xena, como se fosse devorá-la literalmente. A morena não conseguia ocultar o misto de excitação e medo que a fazia sentir os ossos gelarem em expectativa. Então Gabrielle começou a dizer enquanto puxava a saia e junto tirava a calcinha da Princesa Guerreira:
– Você não me engana, Xena, vi nos seus olhos desde o primeiro dia a puta que você é. Sei que se reprime pra não deixar solta essa vagabunda que você tem aí dentro, agora faz todo sentido que nunca tenha se envolvido com ninguém em dez anos. Mas eu não vou ter piedade, vou fazer você sentir todo o prazer e toda a dor que gente como você merece...
E levantando o corpo, chegou a boca bem próxima à de Xena, mordendo com força seu lábio inferior até sentir gosto de sangue. A guerreira abafou um gemido de dor e olhou-a assustada pela violência. Antes que conseguisse dizer qualquer coisa ou esboçar reação, Gabrielle desceu até seus seios e sugou violentamente cada um deles, deixando marcas de sangue pisado na pele azeitonada. Xena sentia dor, mas também sentia um prazer enorme; queria mais, queria sentir o beijo da Governadora, o corpo dela no seu, seus dedos dentro dela...
Gabrielle deixava marcas por todo o corpo da morena; dava chupões, arranhava sua bunda, mordia seus seios, a barriga, a parte interna das coxas... Queria muito ver aquela pele morena coberta de marcas vermelhas, lanhos e manchas roxas, sentia um prazer enorme com isso. De repente, levantou e foi em direção a um baú que ficava de frente para a cama. Pegou uma caixa, abriu e de lá tirou algumas cordas, um trapo velho e um pedaço de couro comprido. Veio em sua direção sorrindo sadicamente. Xena já previra o que vinha, tentou inutilmente argumentar:
– Senhora Governadora, por favor... O que a Senhora vai fazer com essas coisas? Eu tenho rec...
Gabrielle não permitiu que ela terminasse a frase; a puxou para o topo da cama e amarrou cada uma das pernas bem torneadas nas pontas respectivas dos pés do móvel. Deixou a mulher bem aberta e o sexo todo à mostra para o deleite da loira. Depois tirou sua própria roupa e ajoelhou por sobre o ventre de Xena; abaixou a cabeça e aspirou o cheiro daquela mulher.
– Hummmm... Gostoso seu cheiro. Assim que me agrada... Uma mulher que se cuida, limpa, cheirosa.
E levou sua boca até o sexo escancarado da Princesa Guerreira. Passou a língua de leve no clitóris já duríssimo e depois a enfiou dentro daquela mulher, que a esta altura já gemia e meneava o quadril de prazer. De repente parou, pegou o trapo e vendou os olhos de Xena. Ela tentou pedir que não fizesse – pois queria poder apreciar tudo –, quando levou um forte tapa no rosto. Sufocou um grito de espanto e dor, e então Gabrielle falou entre dentes:
– Cale-se, sua vadia! Não ouse dizer o que devo fazer! Você está aqui pra me servir, pra dar prazer a mim e não o contrário; se você gostar, vai ser por acaso. O que eu quero é me servir desse corpo e gozar do meu jeito com ele! Você é apenas a piranha que estou usando no momento!
Xena balançava a cabeça tentando se desvencilhar das amarras e da venda. E apesar de estar muito bem atada àquela cama, era fácil para ela escapar dali. Mas não queria; todos os movimentos que fizesse pra tentar fugir só causavam dor e mais marcas no seu corpo – e ela queria isso.
A Governadora continuou sua tortura sexual. Voltou a se ocupar do sexo de Xena – ela lhe excitava brutalmente. E sabia que sua luta era fingida; no íntimo queria sentir tudo o que Gabrielle lhe dava, dor e prazer.
Sentia aquela boca carnuda passear pelo seu corpo, morder em alguns pontos, sugar fortemente em outros, lamber depois para aliviar a queimação que a dor provocava; as mãos faziam outros caminhos, mas não menos exigentes. Apertava sua cintura, a bunda, a lateral do corpo – arranhava suas pernas, braços –; podia sentir a loira em todo o seu corpo e em cada lugar deixar sua marca. Então ela parou e começou a lamber novamente seu sexo; dava lambidas de leve, languidamente para cima e para baixo, às vezes mais intensamente, outras bem devagar, quase sem tocar, no clitóris e na entrada de seu sexo. Sentia a língua invadi-la toda e depois voltar lentamente para fora procurando o clitóris duro, inchado pelo desejo. Sentia suas pernas e bunda encharcadas de tanto líquido que vazava de dentro de si, sem conseguir esconder de Gabrielle o quanto estava gostando daquela situação tão inusitada e duvidosa.
A loira então sugou Xena como adorava fazer com suas fêmeas: penetrando os dedos em sua fenda, que os mastigava fortemente. Então tirou dela um tremor de gozo tão forte que sua boca saía do lugar na qual estava, tendo de voltar e prender forte o sexo encharcado entre seus lábios e dentes. A língua completava o trabalho de deliciosa tortura. A mulher convulsionava o corpo tão violentamente que Gabrielle ficou com medo dela cortar os pulsos com as correntes, o que poderia lhe trazer complicações. Após alguns minutos, ela cessou de tremer e ficou parada. A Governadora só sabia que a morena respirava devido ao arfar rápido de seu peito. Chamou por ela:
– Xena?
– Ahn? O que...? – respirava com dificuldade, porém a loira viu que estava bem.
“Era só o gozo velho que não saía do corpo há muito tempo!” – pensou Gabrielle rindo ironicamente.
Voltou a se ocupar do que chamava de “brincadeiras”: desamarrou as pernas de Xena e a virou de bruços. A morena não tinha forças sequer para protestar, havia tido um gozo tão forte que sentia o coração bater na cabeça. Sabia que continuaria a ser seviciada por aquela louca deliciosa.
De repente passou a sentir chibatadas nas nádegas e nas costas. Gabrielle a surrava com o pedaço de couro, sem dó nem piedade, batendo da maneira em que se deve fazê-lo com escravos preguiçosos. Xingava Xena com palavras chulas e a fazia gemer de dor. Depois parou por um momento, puxou seus cabelos para trás e perguntou com a voz baixa e ofegante, devido ao esforço desprendido no ato:
– Gostou de apanhar, sua cadela de rua? Gostou de sentir a força do meu chicote? Eu sei que gostou e vai ter mais ainda... Vou cuidar desse traseiro lindo com muito jeitinho, você vai ver.
Xena pressentia o que estava por vir. Não tinha coragem de tentar algo contra Gabrielle para sair daquela situação, e em seu íntimo nem queria, por isso suplicou:
– Por favor, Senhora Governadora... Minha pele está ardendo, não me machuque mais...
A loira voltou a colar a boca no ouvido da guerreira, e passando a língua em volta do lóbulo disse:
– Esse corpo vai ficar viciado em duas coisas: sentir dor e prazer comigo. Ele vai gozar muito, mas vai ter que sofrer pelo prazer que vai receber.
Saiu por um minuto e logo voltou com um objeto cilíndrico grosso, no formato de um pênis, lambuzado de uma substância incolor que a guerreira não pôde identificar. Gabrielle vestiu uma cinta de couro, acoplando o pênis de mármore e sem piedade começando a fazer uma selvagem penetração anal na mulher – que gritava e pedia à Governadora piedade. Então a loira diminuiu o ritmo e começou um vai-e-vem bem lento, quase parando, torturante. Levou a mão até o clitóris de Xena e começou a tocá-lo lenta e deliciosamente, dando mordidas vigorosas no seu pescoço, mas sem machucá-la. Parou dentro da morena e ficou só bolinando na frente, tirando a venda de seus olhos nesse ponto, e puxou a cabeça dela pra trás pelos cabelos para dizer junto ao ouvido:
– Empina bem essa bundinha e vem... Quero que você faça os movimentos, eu só vou ficar olhando qual o seu ritmo. Eu não sou tão má assim, também gosto de ver uma fêmea gostosa como você gozando comigo.
Xena olhou para Gabrielle e viu o quanto aquilo a excitava. Sentia arder muito atrás pela violência na qual fora penetrada, mas os dedos da loira na frente lhe proporcionavam um prazer delicioso. Agora ela estava parada, pedindo que a Princesa Guerreira mostrasse o que achava bom. Então ela começou a mexer os quadris bem tímida e lentamente, com medo de mais dor. A Governadora não parava de lamber e sugar seu pescoço e costas; a mão que estava livre fazia um passeio menos agressivo pelos seios, pernas, ventre... A outra não deixava seu sexo, invadindo-o, fustigando aquele pedacinho de carne intumescido, às vezes lentamente de uma maneira que a morena não entendia como alguém podia ser tão violenta e suave ao mesmo tempo. Começou a bambolear o quadril cada vez mais rápido, naturalmente o ritmo ia aumentando à medida que sentia um novo orgasmo se avizinhar. A dor cedeu lugar a um prazer tão intenso que Xena pensou que fosse desfalecer – na verdade, a dor que sentia parecia apenas intensificar aquelas ondas de gozo –, e a guerreira gritou enquanto dançava espetada no pênis postiço de Gabrielle, dizendo palavras desconexas e pedindo pra ser xingada, abusada, violentada...
– Sim, eu sou uma puta! Isso mesmo... Adoro que você me faça sofrer desse jeito! Coma-me e use meu corpo como quiser, Gabrielle! Ele é seu!
A loira sorria de satisfação, só parou sua doce tortura depois de notar que Xena havia gozado tudo o que seu corpo permitia, e estava largada, abandonada na cama completamente à mercê dela. Ela respirava com dificuldade e então a Governadora decidiu retirar as correntes que prendiam seus pulsos. Soltou as mãos da morena, vendo o quanto os punhos haviam ficado marcados pelos puxões que ela dera quando sentia dor ou gozava. Gabrielle virou Xena para si, mas continuou montada em seu quadril. A mulher estava de olhos fechados como que desmaiada. A loira deu leves tapinhas em seu rosto e ela então abriu os olhos, como que acordando de um sono profundo e perturbado. Olhou para Gabrielle e deu um sorriso de prazer. Essa a observou e disse:
– Ainda não acabou. Eu ainda não gozei, meu prazer foi só ver a sua dor e o seu delírio. Agora é a minha vez.
E subindo o corpo pelo tronco de Xena, chegou seu sexo junto ao rosto daquela mulher e completou:
– Será que você sabe o que fazer?
Xena olhou aquela mulher linda ali na sua frente, totalmente à disposição de sua boca. Com as mãos livres pôde finalmente tocar Gabrielle e retribuir todo o prazer que tinha sentido. A loira sentou no rosto daquela fêmea que a abocanhava com gula e vontade, e deixou-se finalmente levar pelos instintos; relaxou e teve um delicioso orgasmo, como há muito precisava.
Após, deitou o corpo ao lado de Xena e olhou para ela dizendo:
– Você é uma boa aprendiza, acho que ficarei mesmo com você me servindo. Só não se atreva a tentar infligir algum tipo de dor a mim, ouviu bem? Esse é um privilégio só meu. Agora se vista e saia da minha cama! Lugar de escravo é no chão, ajoelhado e esperando as ordens de seu amo. Vá embora logo, anda! - falou a Governadora com a mesma rispidez e impaciência na qual se dirigia às escórias que a cercavam.
Xena ficou surpresa, mas não lhe restava nada além de obedecer. Juntou suas roupas e se arrastou para o chão, para vestir-se ali mesmo. Não sabia o que pensar nem o que estava sentindo, só distinguia que havia tido um prazer indescritível com aquela experiência, além de uma constatação terrível: sua Gabrielle jazia morta em sua memória, a mulher que tinha à sua frente era um monstro que precisava ser detido. A questão era: sendo ela proibida de ter contato com qualquer outra pessoa além de Gabrielle, teria coragem de matar a mulher que amava pra recuperar a outra vida? Seu corpo todo doía, estava ardendo e com marcas nos punhos, tornozelos, braços e pernas. A bunda ardia das chibatadas e da penetração violenta. A única coisa que conseguia pensar era em como seria a próxima vez e sua vida daqui em diante.
Gabrielle se esparramou na cama com um sorriso sarcástico estampando seu rosto. Sentia-se mais leve e relaxada. Não havia se enganado, Xena era realmente submissa a ela.
“Ela será um excelente passatempo!”
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Xena balançou a cabeça para livrar-se das memórias quando ouviu a porta do quarto se fechar. Gabrielle regressara de mais uma batalha – e a julgar pelo seu sorriso imponente estampado na face – vitoriosa. Estava coberta de lama e o cabelo melado e desgrenhado. Pendurou a espada num canto do quarto e voltou-se para a morena com um sorriso malicioso. Manteve o Chakram na cintura; planejava usá-lo para torturar sua escrava corporal.
– Vitória certa, como Ares havia dito – comentou enquanto se livrava da armadura e levantava uma sobrancelha. – Luxúria do guerreiro clama pelo meu nome, minha cara Xena. Hora de marcar essa linda pele morena com o meu nome novamente...
Xena fechou os olhos. Há um ano era daquele jeito, aquela besta no corpo da garota que amava a tomando e a subjugando da maneira que achasse melhor. Se fosse apenas isso, a guerreira aceitaria. Mas era obrigada a ouvir da boca da loira quantas vilas inteiras ela havia crucificado, quantas mulheres e crianças estupradas, simplesmente pelo sádico prazer de ver isso torturar Xena.
Culpara-se por não ser capaz de deter aquele monstro, mas um ano é mais do que suficiente para gelar um coração generoso ante tantas barbáries. Hoje, tudo aquilo acabaria. Ajoelhada ao pé da cama, ao ter a Governadora suficientemente perto, a poderosa guerreira forjada no fogo libertou sua leoa interna e, numa fração de segundos, retirou o Chakram da cintura daquele brutal monstro, dando-lhe uma cotovelada nas costas. A loira maligna, pega de surpresa por não esperar tal atitude vinda de uma escrava, caiu de bruços no chão. Xena girou seu corpo, rodando a arma para dar o golpe final, para eliminar seu último resquício de humanidade juntamente com a última gota de seu amor. Não saberia como encararia Gabrielle na outra vida, mas precisava...
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– Gabrielle? Ei, Gabrielle, eu estou falando com você!
– AHN? O que?! – espantou-se a jovem barda, sendo bruscamente retirada de sua veia criativa pela estúpida Princesa Guerreira e fazendo pergaminho e pena voarem. – Você me assustou, Xena. Eu estava concentrada – franziu o cenho, emburrada.
Xena sorriu levemente.
– Eu bem percebi. Não quis incomodar, mas preciso saber se vai querer que coloque mais lenha na fogueira para essa noite. A propósito, o que escrevia? – perguntou, inclinando seu corpo para o lado tentando ler o conteúdo do pergaminho.
Gabrielle rapidamente o enrolou.
– Nada, nada não, deixe de ser curiosa, isso aqui... – de repente, caiu em si do que tinha escrito.
Sentiu-se um monstro, entregue ao comum julgamento popular da sádica diversão de sangue, sofrimento e morte. Sentiu-se imunda, mas ao mesmo tempo purificada. Xena sentou ao seu lado enquanto ela jogava o pergaminho na fogueira com a expressão petrificada.
– Algum problema? – a face da barda se suavizou.
– Um problema resolvido – respondeu sorrindo serenamente. – Uma parte de mim que precisava sair e ser exorcizada, um pedaço que acumulou para si todas as dores do que passamos. Sinto-me muito melhor agora.
Xena sorriu, passando um braço pelo ombro da barda e a puxando para si para beijar a cabeça loira em tão costumeiro ato. Sentia um calor irradiar de Gabrielle – sua luz retornara.
FIM