Fanfic: Como eu era antes de você - Laliter | Tema: Laliter

O almoço foi servido às quatro. Achei uma hora estranha para almoçar, mas, como observou Peter, era um casamento. O tempo parecia ter se esticado e perdido o sentido. De qualquer jeito, foi preenchido por inúmeros drinques e conversas passageiras. Não sei se foi o calor, ou o ambiente, mas quando chegamos à nossa mesa, eu estava quase bêbada. Só ao me ver falando sem parar com o idoso à minha esquerda que percebi que devia estar mesmo bêbada.

Lali: Tem álcool nesse coquetel de frutas? — perguntei a Peter, depois de derramar o saleiro no colo.

Peter: O mesmo teor de uma garrafa de vinho. Cada um. — Olhei para ele, apavorada. Olhei para os dois, na verdade.

Lali: Está brincando! O coquetel era de frutas! Por isso, achei que não tinha álcool. Como vou dirigir de volta para casa?

Peter: Bela cuidadora você é — disse ele. Levantou uma sobrancelha. — O que eu ganho em troca se não contar para minha mãe?

Fiquei pasma com a reação de Peter durante todo aquele dia. Pensei que eu fosse ter o Peter Mal humorado e Sarcástico. No mínimo, o Peter Silencioso. Mas ele foi simpático com todo mundo. Nem reclamou de servirem sopa no almoço. Perguntou apenas, educadamente, se alguém aceitava trocar a sopa pelo pão e as duas garotas na ponta da mesa — que declararam ter “intolerância a trigo” — quase atiraram os pães nele.

Quanto mais eu me preocupava em ficar sóbria, mais animado e despreocupado Peter parecia. A idosa à direita dele era ex-integrante do Parlamento e tinha feito campanha pelos direitos dos deficientes físicos. Foi uma das únicas pessoas que vi conversar totalmente à vontade com Peter; à certa altura, deu para ele uma fatia de rocambole. No instante em que ela se levantou da mesa, ele comentou baixinho que ela havia escalado o Kilimanjaro.

Peter: Gosto de velhinhas assim — acrescentou. — Posso imaginá-la montada numa mula, montanha acima, levando sanduíches embalados. Elas são resistentes como aquela velha bota que todo mundo tem no armário.

Tive menos sorte com o homem à minha esquerda. Ele precisou de uns quatro minutos — nos quais ficou me perguntando quem eu era, onde morava e quem eu conhecia no casamento — para concluir que eu não tinha nada a dizer que pudesse despertar seu interesse. Virou-se para a mulher à sua esquerda e me deixou ali, calada, brincando com a sobra do meu almoço. À certa altura, quando comecei a me sentir bem esquisita, Peter tirou a mão da cadeira e apoiou-a no meu braço. Olhei para o que estava fazendo e ele piscou. Segurei a sua mão e apertei-a, satisfeita por ele ter notado o que houve entre mim e o homem ao meu lado. Ele então afastou a cadeira da mesa alguns centímetros para que eu pudesse participar da conversa com Daniela Aita.

Daniela: Peter me contou que você é a cuidadora dele — disse. Daniela tinha penetrantes olhos azuis e cabelos loiros.

Lali: Tento ser — falei, olhando para ele.

Daniela: Sempre trabalhou nessa área?

Lali: Não. Eu... trabalhava num café. — Eu não pretendia contar isso para mais ninguém naquele casamento, mas Daniela Aita concordou com a cabeça, como se aprovasse.

Daniela: Sempre achei interessante ser garçonete. Para quem gosta de lidar com pessoas e é meio intrometida como eu. — Ela sorriu. Peter colocou a mão de volta na cadeira e disse:

Peter: Estou tentando convencer Mariana a fazer outra coisa, a ampliar os horizontes.

Daniela: O que você pretende fazer? — ela me perguntou.

Peter: Ela não sabe — respondeu Peter. — Mariana é das pessoas mais inteligentes que conheço, mas não consigo mostrar a ela o potencial que tem. — Daniela Aita lançou um olhar penetrante para ele.

Daniela: Não seja paternalista, meu caro. Ela consegue responder por conta própria. — Pisquei. — Você é que deve decidir — ela acrescentou para mim. Peter parecia prestes a dizer algo, mas calou-se. Olhou para a mesa e balançou de leve a cabeça, mas estava sorrindo.

Daniela: Bom, Mariana, imagino que o seu trabalho atual exija muita energia mental. E não creio que este jovem seja o paciente mais fácil.

Lali: Com toda a certeza não é.

Daniela: Mas Peter tem razão ao enxergar outras possibilidades para você. Fique com o meu cartão de visitas. Faço parte de uma organização de caridade que incentiva a requalificação educacional. Quem sabe no futuro você considere fazer outra coisa?

Lali: Estou muito feliz trabalhando com Peter, obrigada. — Mesmo assim, ela me entregou o cartão e aceitei, um pouco surpresa por aquela mulher se interessar pela minha vida. Por mais que tenha aceitado seu cartão, me senti uma impostora. Não havia a menor possibilidade de parar de trabalhar, mesmo se eu quisesse estudar. Não tinha certeza se eu podia fazer uma requalificação. E, além disso, a minha prioridade era manter Peter vivo. Fiquei tão perdida nos meus pensamentos que parei de ouvir a conversa dos dois ao meu lado.

Daniela: ...ainda bem que você conseguiu superar, digamos assim. Imagino o quanto deve ser difícil reajustar sua vida de maneira tão radical a novas expectativas. — Nunca tinha ouvido ninguém falar com Peter daquele jeito. Ele olhou para a mesa, franzindo o cenho, depois virou-se para ela.

Peter: Não tenho certeza se superei — murmurou. Ela encarou-o por um instante, depois olhou para mim.

Daniela: Tudo leva tempo, Peter — disse ela, tocando de leve no braço dele. — Principalmente um jovem bem-sucedido como você. Mas isso leva tempo.

Peter: Daniela, não tenho esperança de me recuperar.

Daniela: Não me refiro à recuperação física — disse ela. — Refiro-me a aceitar uma nova maneira de viver.

Então, enquanto eu esperava a resposta de Peter, alguém sinalizou batendo um talher numa taça e todos fizeram silêncio para ouvir os discursos. Mal ouvi o que disseram. Tenho a impressão que um homem de smoking atrás do outro citou pessoas e lugares que eu ignorava, provocando risadas educadas. De vez em quando, Daniela Aita se inclinava sobre ele, cochichava alguma coisa e ele concordava com a cabeça.

Quando, finalmente, os discursos terminaram, um exército de empregados surgiu e começou a retirar as mesas e cadeiras para o baile. Peter se inclinou para mim e disse:

Peter: Daniela me disse que há um hotel muito bom na estrada. Ligue para eles e veja se podemos ficar lá.

Lali: O quê? — Daniela me entregou um guardanapo com um nome e um telefone rabiscados.

Peter: Sem problema, Esposito — disse ele, baixinho, para Daniela não ouvir. — Eu pago. Ande, assim não precisa continuar se preocupando por ter bebido. Pegue o meu cartão de crédito na bolsa. Eles provavelmente vão pedir o número. — Peguei o cartão e meu celular e fui para o fundo do jardim. O hotel tinha dois quartos disponíveis: um para solteiro e um para casal no térreo. Sim, era adaptado para deficientes.

Lali: Ótimo — concordei e tive de conter uma exclamação quando informaram o preço. Passei o número do cartão de Peter, sentindo um leve enjoo ao ler os números.

Peter: E aí? — perguntou ele, quando voltei.

Lali: Reservei, mas... — informei o preço dos dois quartos.

Peter: Tudo bem — disse ele. — Agora ligue para o bobo daquele seu namorado, diga que vai dormir fora e tome mais um drinque. Aliás, tome seis. Eu gostaria muito que você se embebedasse às custas do pai de Maria.

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