Fanfic: Como eu era antes de você - Laliter | Tema: Laliter

Nessas duas primeiras semanas, fiquei bastante boa em manter uma expressão totalmente neutra, em dar as costas e me retirar para outro cômodo e em falar com ele o mínimo necessário. Comecei a odiá-lo, e tenho certeza de que ele sabia disso. Eu não imaginava que fosse possível sentir ainda mais falta do meu antigo emprego. Sentia saudades de Vico e de como ele realmente parecia satisfeito ao me ver quando eu chegava pela manhã. Sentia falta dos clientes, da companhia deles, das conversas fáceis. Aquela casa linda e elegante era vazia e silenciosa como um necrotério. Seis meses, eu repetia mentalmente quando tudo parecia insuportável. Seis meses.

Então, numa quinta-feira, quando eu estava preparando a bebida hipercalórica que Peter tomava no meio da manhã, ouvi a voz da Sra. Lanzani no corredor. Só que, dessa vez, havia outras vozes também. Parei, ainda com o garfo na mão. Identifiquei apenas uma voz feminina, jovem e clara, e outra, masculina.

A Sra. Lanzani surgiu na porta da cozinha e tentei parecer ocupada, batendo rápido o suco no copo especial de Peter.

Emilia: Misturou na proporção de seis partes de água para quatro de leite? — ela perguntou, observando atentamente a bebida.

Lali: Sim. É o de morango.

Emilia: Os amigos de Peter vieram visitá-lo. Seria melhor se você…

Lali: Tenho várias coisas para fazer aqui — falei.

Na verdade, estava um tanto aliviada por ter sido dispensada de sua companhia durante mais ou menos uma hora. Rosqueei a tampa do copo.

Lali: As visitas gostariam de um chá ou café? — Ela ficou quase surpresa.

Emilia: Sim, seria muito simpático. Café. Acho que vou…— Ela parecia ainda mais tensa que o normal, seu olhar disparando em direção ao corredor, de onde podíamos escutar o murmúrio de vozes. Supus que Peter não recebia muitas visitas. — Eu acho… vou deixá-los conversar. — Deu uma olhadela para o corredor, seus pensamentos pareciam estar longe  — Pablo. É Pablo, um velho amigo do trabalho — disse ela, virando-se de súbito para mim.

Tive o pressentimento de que aquele era de certa forma um momento significativo e que ela queria dividir a notícia com alguém, mesmo que fosse comigo.

Emilia: E Maria. Peter e ela foram… muitos próximos… por algum tempo. Café seria adorável. Obrigada, Srta. Esposito.

Hesitei por um instante antes de abrir a porta, empurrando-a com o quadril de modo a conseguir equilibrar a bandeja que estava em minhas mãos.

Lali: A Sra. Lanzani disse que gostariam de um café — falei ao entrar, colocando a bandeja na mesa de centro. Quando pus o copo especial de Peter no suporte de sua cadeira, virando o canudinho de modo que ele apenas precisasse ajustar a cabeça para alcançá-lo, olhei furtivamente para as visitas.

Vi primeiro a mulher. Tinha pernas longas e cabelos loiros, com a pele num tom levemente dourado. O tipo de mulher que me faz duvidar de que todos os humanos pertençam à mesma espécie. Parecia um puro-sangue. Eu já tinha visto mulheres como aquela algumas vezes, costumavam subir a colina do castelo carregando crianças pequenas que pareciam ter saído de um catálogo de moda e, quando entravam no café, suas vozes eram claras como cristal. Tudo nela exalava dinheiro, privilégios e uma vida que parecia sair das páginas de uma revista chique.

Então olhei a moça mais de perto e concluí que ela  a) era a mulher na fotografa de esqui de Peter e  b) parecia muito, muito desconfortável. Ela beijou Peter no rosto e depois recuou, sorrindo desajeitadamente. Usava um colete marrom de pele de carneiro, o tipo de coisa que faria com que eu parecesse o Abominável Homem das Neves, e, em volta do pescoço, uma echarpe de cashmere cinza-clara, na qual começou a mexer nervosamente, como se não conseguisse decidir se tiraria ou não.

Maria: Você parece bem — disse a mulher para ele. — Realmente. Você… deixou o cabelo crescer um pouco.

Peter não falou nada. Ficou só olhando para ela, sua expressão mais indecifrável do que nunca. Senti-me ligeiramente grata por não ser eu a pessoa que era olhada daquele jeito.

Pablo: Cadeira nova, hein? — O homem deu um tapinha nas costas da cadeira de Peter, o queixo contraído e a boca voltada para baixo, em sinal de aprovação, como se admirasse um carro esporte de última linha. — É… bem bacana. Muito… high tech. — Fiquei sem saber o que fazer. Permaneci ali por um momento, trocando o peso do corpo de um pé para outro, até a voz de Peter romper o silêncio.

Peter: Mariana, pode colocar um pouco mais de lenha na lareira? Acho que é preciso aumentar um pouco o fogo. — Foi a primeira vez que ele pronunciou meu nome de batismo.

Lali: Claro — concordei. — Ocupei-me em atiçar o fogo e vasculhei o cesto em busca de toras do tamanho certo.

Maria: Meu Deus, lá fora está muito frio — disse a mulher. — É ótimo ter uma boa lareira acesa. Aqui está uns bons graus mais frio do que em Londres.

Pablo: É, com certeza — concordou o homem.

Maria: Estou querendo comprar um queimador desse tipo para a minha casa. Parece que é mais eficiente do que uma lareira comum. — Maria inclinou-se um pouco para examinar o queimador, como se nunca tivesse visto um antes.

Pablo: É, ouvi dizer — disse o homem.

Maria: Preciso ver isso. É uma dessas coisas que você quer fazer e depois… — calou-se. — O café está delicioso — acrescentou ela, após uma pausa.

Pablo: Então… o que tem feito, Peter? — A voz do homem tinha uma espécie de alegria forçada.

Peter: Pouca coisa, por incrível que pareça.

Pablo: Mas a fisioterapia e tal. Está indo bem? Alguma… melhora?

Peter: Pablo, não acredito que eu volte a esquiar tão cedo — disse Peter, com a voz transbordando de sarcasmo.

Quase sorri para mim mesma. Esse era o Peter que eu conhecia. Comecei a passar a escova para retirar as cinzas do meio do aquecedor. Tive a impressão de que todos me olhavam. O silêncio pareceu carregado. Ponderei por um instante se a etiqueta de minha blusa de tricô estava para fora e lutei contra a urgência de conferir.

Peter: Então… — disse ele, enfim. — A que devo o prazer desta visita? Depois de… oito meses?

Maria: Ah, eu sei. Desculpe. Andei… andei terrivelmente ocupada. Tenho um novo emprego em Chelsea. Sou gerente da loja de Gimena Accardi. Lembra-se dela? Tenho trabalhado muito nos fins de semana também. A loja fica lotada aos sábados. É muito difícil arrumar tempo livre. — A voz de Maria tinha ficado frágil. — Liguei umas vezes. Sua mãe lhe disse?

Pablo: As coisas têm estado um pouco complicadas nos Lewins. Você… você sabe como é, Peter. Temos um novo sócio. Um camarada de Nova York. Bains. Dan Bains. Chegou a conhecê-lo?

Peter: Não.

Pablo: O maldito homem parece trabalhar vinte e quatro horas por dia e espera que todo mundo faça o mesmo. — Dava para escutar o alívio do homem por achar um assunto a respeito do qual ele estava confortável. — Você conhece a velha ética de trabalho ianque: nada mais de almoços demorados, nada de piadas sujas… Peter, vou lhe contar. Até a atmosfera do lugar mudou.

Peter: É mesmo?

Pablo: Oh, céus, é. Às vezes, eu sinto que nem posso me levantar da cadeira.

Todo o ar da sala pareceu ter sido sugado de repente. Alguém tossiu. Levantei-me e limpei as mãos na calça jeans.

Lali: Eu vou… estou indo pegar mais lenha — murmurei, na direção de Peter. Peguei o cesto e escapuli.

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