Fanfic: Como eu era antes de você - Laliter | Tema: Laliter

Existem horas normais e horas inúteis, nas quais o tempo para e escorre e a vida — a vida real — parece distante. Vi um pouco de TV, jantei, arrumei a cozinha e andei pelo anexo em silêncio. Por fim, voltei ao quarto de Peter. Ele se mexeu quando fechei a porta e levantou um pouco a cabeça.

Peter: Que horas são, Esposito? — Sua voz estava meio abafada pelo travesseiro.

Lali: Oito e quinze. — Ele deixou a cabeça cair no travesseiro e pensou a respeito.

Peter: Posso beber alguma coisa?

Sua voz não estava agressiva ou ríspida. Foi como se, ao adoecer, ele finalmente se tornasse vulnerável. Dei um suco a ele e acendi a luz da cabeceira. Inclinei-me ao lado da cama e toquei sua testa como minha mãe fazia quando eu era criança. Ainda estava um pouco quente, mas não como antes.

Peter: Mãos frias.

Lali: Você já reclamou delas mais cedo.

Peter: Foi? — Ele parecia realmente surpreso.

Lali: Quer uma sopa?

Peter: Não.

Lali: Está confortável? — Eu nunca sabia o quanto ele estava desconfortável, mas suspeitava que devia ser mais do que demonstrava.

Peter: Seria bom virar para o outro lado. Basta rolar meu corpo. Não precisa me fazer sentar. — Subi na cama e rolei-o, o mais delicadamente possível. Ele não irradiava mais um calor sinistro, só o calor usual de um corpo que ficou muito tempo embaixo do edredom.

Lali: Posso fazer mais alguma coisa?

Peter: Você não devia ir para casa?

Lali: Não se preocupe, vou passar a noite aqui.

Lá fora, a última luz do dia já tinha sumido há algum tempo. Ainda nevava. Ficamos sentados ali num silêncio pacífico, olhando hipnotizados a neve cair.

Lali: Posso perguntar uma coisa? — falei, por fim. Vi as mãos dele sobre o lençol. Era estranho que parecessem tão normais e tão fortes, mas não servissem para nada.

Peter: Imagino que vá perguntar de qualquer jeito.

Lali: O que houve? — Eu não parava de pensar nas cicatrizes nos pulsos dele. Essa era a única pergunta que eu não podia fazer diretamente. Ele abriu um olho.

Peter: Quer saber como fiquei assim? — Concordei com a cabeça e ele fechou os olhos outra vez.

Peter: Acidente de moto. Não por culpa minha, eu era um inocente pedestre.

Lali: Pensei que tivesse sido esquiando, ou fazendo bungee jumping, ou algo assim.

Peter: Todo mundo pensa. Foi uma piadinha de Deus. Eu estava atravessando a rua em frente à minha casa. Não aqui, em frente à minha casa em Londres.

Olhei os livros na estante. Entre os livros de bolso bastante manuseados da Penguin, havia títulos da área de negócios: Direito Corporativo, Administração, anuários sobre assuntos que eu ignorava.

Lali: E você não podia continuar no trabalho?

Peter: Não. Nem com o apartamento, as férias, a vida… acho que você conheceu minha ex-namorada. — A mudança na voz não disfarçou a amargura. — Mas aparentemente eu devia ser grato, pois chegaram a pensar que eu fosse morrer.

Lali: Você detesta isso? Morar aqui, quero dizer?

Peter: Detesto.

Lali: Não tem como voltar a morar em Londres?

Peter: Desse jeito, não.

Lali: Mas você pode melhorar. Gaston disse que há muitos avanços no tratamento desse tipo de lesão.

Peter fechou os olhos de novo. Aguardei, e então arrumei o travesseiro atrás da sua cabeça e estiquei o edredom sobre ele.

Lali:— Desculpe se faço muitas perguntas — pedi, sentando reta na cama. — Quer que eu saia?

Peter: Não, fique um pouco. Converse comigo. — Engoliu em seco. Seus olhos se abriram outra vez e seu olhar encontrou o meu. Parecia insuportavelmente cansado. — Conte uma coisa boa.

Hesitei por um instante, depois recostei-me nos travesseiros ao lado dele. Ficamos ali no lusco-fusco, olhando os flocos de neve mal iluminados desaparecerem na escuridão da noite.

Lali: Sabe… eu costumava pedir isso ao meu pai — disse, por fim. — Mas se eu lhe contar a resposta que ele me dava, você vai achar que sou louca.

Peter: Mais Louca do que já acho?

Lali: Quando eu tinha um pesadelo, estava triste ou assustada por algum motivo, ele cantava para mim … — Comecei a rir. — Ah… não posso contar.

Peter: Continue.

Lali: Ele cantava para mim a Canção Molahonkey.

Peter: Canção o quê?

Lali: Canção Molahonkey. Eu achava que todo mundo conhecia.

Peter: Garanto a você, Esposito, que sou virgem em matéria de Molahonkey. — murmurou Peter.

Respirei fundo, fechei os olhos e comecei a cantar.

Lali:Gostaria de ir a Molahooooonkey. A teeeeerra oooooonde naaaaaasci. Para então tocaaaaar meu veeeeeelho baaaanjo. Meu velho banjo que estragoooou.

Peter: Meu Deus. — Respirei fundo outra vez.

Lali: Eu fui à loooooooja de consertooooos. Ver o que eles poderiiiiiiiam fazeeeeer. Eles disseeeeeeram que as cooooordas estragaaaram. Não daaaaava mais para consertaaaar. — Fez-se um curto silêncio.

Peter: Você é Louca. A sua família inteira é.

Lali: Mas a canção fazia efeito.

Peter: E você canta mal à beça. Espero que seu pai fosse melhor.

Lali: Acho que o que você quis dizer foi “obrigado, Srta. Esposito, por tentar me distrair.”

Peter: Acho que isso funcionou tanto quanto quase todo o apoio psicológico que tive. Certo, Esposito. Faça outra coisa. Que não seja cantar.

***