Fanfic: Como eu era antes de você - Laliter | Tema: Laliter

Paula Reca precisou me chamar duas vezes até eu olhar. Eu estava anotando em um bloquinho os possíveis lugares e as dúvidas, os prós e os contras, e até esqueci que estava dentro do ônibus. Tentava encontrar um jeito de levar Peter ao teatro. Só que o mais próximo ficava a duas horas de carro e apresentava o musical Oklahoma! Não conseguia imaginar Peter apreciando um personagem cantar Oj what a beautifull morning, mas todas as peças sérias em cartaz estavam em Londres. E chegar a Londres ainda era uma impossibilidade.

Eu agora conseguia tirar Peter de casa, mas já tínhamos feito tudo o que era possível num raio de uma hora de distância e eu não tinha ideia de como convencê-lo a ir mais longe que isso.

Paula: Perdida no seu mundinho, hein, Mariana?

Lali: Ah, olá, Paula. — Cheguei um pouco para o lado para ela poder sentar.

Paula e eu estudamos juntas no colégio, mas nunca fomos tão próximas. Ela trabalhava em uma loja de cortinas e almofadas e já havia se divorciado. Seu rosto era triste e ansioso como se ainda sonhasse com o cavaleiro que viria buscá-la num cavalo branco.

Paula: Não costumo pegar ônibus, mas meu carro está na oficina. Como você está? Sua mãe me contou sobre o seu trabalho. Parece muito interessante.

É isso que dá morar em cidade pequena. Todo mundo sabe da sua vida. Não há segredo: nem o fato de eu, aos quatorze anos, ter sido vista fumando no estacionamento de um supermercado fora da cidade; nem o fato de meu pai ter colocado telhado novo no banheiro de baixo. Os detalhes do cotidiano das pessoas eram tema de conversa de muitas pessoas.

Lali: O trabalho é bom, sim.

Paula: E paga bem.

Lali: É.

Paula: Fiquei muito contente por você, depois de toda aquela história do café. Uma pena terem fechado. A cidade está perdendo os melhores estabelecimentos comerciais.

Lali: Hum. — Vi que ela olhava a minha lista e fechei o bloco. — Bom, pelo menos ainda temos onde comprar cortinas. Como vai a loja?

Paula: Ah, ótima... é. Mas o que tem nesse bloquinho? Alguma coisa de trabalho?

Lali: Só estou pensando em coisas que Peter possa gostar de fazer.

Paula: Peter é o seu deficiente?

Lali: É. Meu patrão.

Paula: Seu patrão. É um jeito simpático de dizer. — Ela me cutucou. — E como a sua irmã está na faculdade?

Lali: Está bem. Thomas também.

Paula: Ela vai acabar mandando no país, mas preciso dizer uma coisa, Mariana, eu pensava que você sairia de casa antes dela. Já que namora a tantos anos com o Benjamin — Dei um sorriso educado. Não sabia o que mais podia fazer. — Mas alguém tem de ficar, não é? E é ótimo para sua mãe que você goste de ficar por perto.

Tive vontade de discordar dela, mas depois lembrei que nada do que fiz nos últimos sete anos sugeria alguma ambição ou vontade minha de ir além do final da rua. Continuei sentada ali, enquanto o velho e cansado motor do ônibus rosnava e engasgava; de repente tive a sensação de ver o tempo passar e de perder grande parte dele nas pequenas idas e vindas pelo mesmo caminho. Contornando o castelo. Olhando Benjamin dar uma volta na pista. As besteiras de sempre. A mesma rotina.

Paula: Ah, vou descer nesse ponto. — Paula se levantou, pendurando no ombro a bolsa de grife. — Mande um beijo para sua irmã. — Olhei para ela, piscando.

Lali: Fiz uma tatuagem. Uma abelha — falei, de repente. Ela hesitou, segurando-se na beira do banco. — No quadril. Uma tatuagem permanente — acrescentei.

Paula olhou para a porta do ônibus. Pareceu meio intrigada, depois me deu o que interpretei como um sorriso complacente.

Paula: Ah, que ótimo, Mariana. Como eu disse, mande um beijo a Euge.

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