Fanfic: Como eu era antes de você - Laliter | Tema: Laliter

O pior de se trabalhar como cuidadora não é o que as pessoas pensam. Não é carregar e limpar a pessoa, os remédios e os lenços de limpeza e o distante, mas de algum modo sempre perceptível, cheiro de desinfetante. Não é nem o fato de quase todo mundo achar que você faz isso porque não tem inteligência suficiente para fazer qualquer outra coisa. O pior é o fato de que, quando se passa o dia inteiro num estado de real proximidade com outra pessoa, não há como escapar do estado de humor dela. E nem do seu próprio.

Peter ficou distante a manhã toda, desde que contei dos meus planos. Nada que uma pessoa de fora pudesse detectar, mas houve menos piadas, talvez a conversa tenha sido menos casual. Ele não perguntou nada a respeito das notícias dos jornais naquele dia.

Peter: É isso... que você quer fazer? — Os olhos se agitavam, mas o rosto não demonstrava nada. Dei de ombros. Depois, fiz que sim com a cabeça de maneira bem enfática. Achei que minha resposta tinha algo de descaso infantil.

Lali: Realmente, está na hora. Quer dizer, eu tenho vinte e sete anos — falei. Ele observou meu rosto. Algo se retesou em seu maxilar. De repente, eu me senti insuportavelmente cansada. Tive aquela sensação peculiar de precisar me desculpar, mas sem saber bem por quê. Peter fez um pequeno aceno com a cabeça, sorriu.

Peter: Fico feliz que você tenha resolvido isso — disse ele, e levou a cadeira para a cozinha.

Comecei a ficar bem chateada com ele. Nunca havia me sentido tão julgada quanto me senti, naquele momento, por Peter. Foi como se eu ficasse menos interessante para ele por ter decidido ir morar com o meu namorado. Como se eu não pudesse mais ser o projeto preferido de Peter. Eu não podia dizer nada disso para ele, é claro, mas agi tão friamente com ele quanto ele comigo. E isso foi, sinceramente, exaustivo.

À tarde, bateram à porta dos fundos do anexo. Segui rápido pelo corredor, as mãos ainda molhadas de lavar louça, abri a porta e vi um homem de terno escuro e uma maleta na mão.

Lali: Ah, não. Nós somos budistas — disse firmemente, fechando a porta quando o homem começou a protestar. Duas semanas antes, duas Testemunhas de Jeová tinham alugado Peter na porta dos fundos por quase quinze minutos, enquanto ele tentava dar marcha a ré na cadeira por cima do capacho, que estava fora do lugar. Quando finalmente fechei a porta, eles abriram a caixa do correio e berraram que “ele, mais do que ninguém”, deveria entender o que o estava esperando depois da morte.

— Hum... estou aqui para falar com o Sr. Lanzani — disse o homem, e eu abri a porta com cautela. Durante todo o tempo em que trabalhei na Mansão Lanzani, ninguém procurou por Peter pela porta dos fundos.

Peter: Deixe-o entrar — disse Peter, surgindo atrás de mim. — Pedi que ele viesse. — Quando continuei parada ali, ele acrescentou: — Está tudo bem, Esposito... é um amigo. — O homem deu um passo adiante, ultrapassando o limiar da porta, estendeu a mão e me cumprimentou.

Sr. Lawler: Michael Lawler — disse ele. — Estava prestes a dizer mais alguma coisa, mas Peter pôs a cadeira entre nós, cortando efetivamente qualquer provável conversa.

Peter: Vamos ficar na sala. Pode nos fazer um café e depois nos deixar a sós um pouco?

Lali: Hum... certo.

O Sr. Lawler sorriu de forma um pouco esquisita para mim e seguiu Peter até a sala. Quando, minutos depois, entrei com a bandeja de café, eles falavam sobre críquete. A conversa sobre ataques e defesas no jogo continuou até eu não ter mais motivo para espiar. Tirei uma poeira invisível da minha saia, endireitei-me e disse:

Lali: Bom, vou me retirar.

Peter: Obrigado, Mariana.

Lali: Tem certeza de que você não precisa de mais nada? Biscoitos?

Peter: Obrigado, Mariana. — Peter jamais me chamava de Mariana. E nunca havia me excluído de nada antes.

O Sr. Lawler ficou por quase uma hora. Executei minhas tarefas, depois fiquei por ali, na cozinha, pensando se tinha coragem de escutar escondido o que eles diziam. Não tinha. Sentei-me, comi dois biscoitos de chocolate recheados, roí as unhas, ouvi o murmúrio da conversa deles e pensei pela décima quinta vez por que Peter tinha pedido ao homem que não usasse a porta da frente.

Não parecia um médico. Podia ser consultor financeiro, mas de algum jeito ele não tinha exatamente o ar de quem desempenhava essas funções. Certamente também não parecia ser fisioterapeuta, terapeuta ocupacional ou nutricionista. Por fim, o Sr. Lawler apareceu. Fechou a pasta e seu paletó pendia do braço. Tinha deixado de parecer esquisito. Segundos depois, eu estava no corredor.

Sr. Lawler: Ah, poderia me mostrar onde fica o banheiro? — Mostrei o caminho, muda, e fiquei ali, inquieta, até ele aparecer. — Bom, é só isso.

Peter: Obrigado, Michael— disse Peter, sem olhar para mim. — Espero notícias.

Sr. Lawler: Devo entrar em contato no final desta semana — disse o Sr. Lawler.

Peter: Por e-mail será melhor que por carta. Ao menos por ora.

Sr. Lawler: Sim. Claro. — Abri a porta dos fundos para ele sair. Então, quando Peter sumiu na sala, segui o homem pelo quintal e disse, alegremente:

Lali: Então... o senhor tem um longo caminho de volta? — O terno dele era muito bem cortado, com um estilo urbano e um tecido de aparência cara.

Sr. Lawler: Venho de Londres, infelizmente. Espero que o tráfego não esteja muito ruim a esta hora da tarde.

Lali: Então... hum... onde o senhor fica, em Londres?

Sr. Lawler: Regent Street.

Lali: A Regente Street? Ótimo.

Sr. Lawler: É. Não é ruim. Certo. Obrigado pelo café, senhorita...

Lali: Esposito. Mariana Esposito. — Ele parou e me olhou um instante, e fiquei pensando se ele tinha percebido minhas tentativas impróprias de saber quem ele poderia ser.

Sr. Lawler: Ah. Srta. Esposito — disse ele, seu sorriso profissional suavemente reinstalado. — Obrigado de todo modo.

Ele pousou a pasta com cuidado no assento de trás do carro, entrou e foi embora.

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