Fanfic: Entre Acasos -Portiñón- (Finalizada) | Tema: portinõn

Anahí

Dul me pegou de surpresa. Não sabia o que responder. Não esperava que ela fosse tão clara e explícita. Até aquele momento, tudo que havia acontecido fora tão subjetivo e implícito, que eu me sentia indefesa com a idéia de colocar as cartas na mesa.

Não sabia o que dizer, apenas fiquei olhando-a... Seus olhos estavam fixos em algum ponto da estrada, parecia ter se arrependido do que disse.

"O que vou dizer? Que não vou magoá-la? Que não vou fazer como a outra fez? Não posso... Estou exatamente nas mesmas condições da outra. Não sei o que está havendo e não quero perder nada do que tenho. Preciso ser racional. Não quero, mas preciso. Vamos lá, Anahí... pés no chão. Gostaria de poder pedir a ajuda dela para entender isso tudo, mas, esta noite, ficou bem claro para mim que não posso pedir isso. E também tem o Poncho. O jeito é disfarçar... Esquecer."

- Você disse que foi um erro. Eu concordo. Não se preocupe - disse tentando controlar ao máximo meu tom de voz, mas amargurando aquelas palavras.

- Eu sinto muito por ter dito que foi um erro. Não é que eu realmente considere um erro... Só não é o certo. Ai! Eu já não consigo processar as palavras - disse passando a mão pela franja.

Seus cabelos já não se encontravam presos, o que deixava parte de seu rosto encoberto pelos longos fios castanhos. Como quem se dá conta de uma enorme burrada.

- Não precisa se desculpar, Dul. Está tudo bem... É sério. Vamos fazer o seguinte, amanhã acordaremos e nada terá acontecido, certo?

- Não quero que nossa amizade se perca, Anahí. Você é importante para mim... Sua amizade é importante para mim.

"Ela deixou bem claro o que espera de mim... Amizade. Somente amizade. Como eu posso reagir contra isso? Por mais que queria manter meus pés no chão, queria ouvir o contrário dela. Mas o que você esperava, Anahí??? Algo como ‘eu te quero!` e não ‘sua amizade é importante para mim`. Eu só posso estar ficando louca. É isso... loucura."  

Perdi-me nos pensamentos por alguns instantes. Percebi que chegávamos perto do meu condomínio. Senti minhas mãos gelarem. Não queria que a noite terminasse nesse fiasco de conversa e, principalmente, não queria terminar a noite com aquele gosto amargo na boca. Mas isso eu não poderia resolver. Precisava achar uma forma de esquecer essa noite, de esquecer o "pequeno acidente". Não sabia como, mas iria.

Morava em um condomínio fechado. Eu sempre quis ter minha independência habitacional, mas papai sempre disse que eu ficaria mais segura no condomínio e que eu tinha toda liberdade ali mesmo, pois ele sempre estava viajando. Na verdade, ele tinha razão. Apesar de ficar fora das delimitações da cidade, o condomínio era confortável, seguro e bem agradável. Mas nosso lad

Dul parou o carro em frente a minha casa e desligou o motor. Senti meu coração gelar ao pensar que, depois daquela despedida, entraria em casa e teria que fingir que nunca nos beijamos, que nunca houve sequer um olhar de desejo de minha parte. Sentia minha garganta cheia de nós, cheia de palavras que eu não sabia como dizer... Nem se queria dizer.

- Está entregue - Dul falou com um sorriso sem graça, dirigindo seu olhar para mim. Sorri sem muita empolgação.

- Obrigada - falei sem me mover.

- Me desculpe se a noite não foi tão agradável.  Gostaria de ter sido uma companhia melhor - seu sorriso havia desaparecido.

- Ah, nada disso, Dul! Me diverti bastante! Acho que tenho que ver a Marina tonta mais vezes - disse tentando colocar entusiasmo na minha voz e lançando um sorriso.

Silêncio. Dulce tamborilava os dedos no volante enquanto eu recordava de todos os momentos da noite. Não achava justo ficar com todas aquelas coisas presas comigo. Ela havia dito tudo o que quis, e eu me sentia presa, encarcerada por minha própria garganta. Não queria dormir com aquela vontade de despejar todas as verdades que passavam pela minha cabeça. Mesmo desordenadas, precisavam ser ditas.

- Dulce...

- Sim... - disse mantendo o olhar para frente.

- Eu quis - encolhi meus ombros e baixei o olhar.

- Como assim? - observei-a, tentando captar se ela não havia entendido ou estava tentando me fazer desistir de dizer. Não funcionaria. Tomei fôlego.

- Eu quis aquele beijo. Eu o queria ontem, o quis hoje e o quero agora. Sei que você vai continuar dizendo que foi um erro, mas eu não acho que tenha sido. Não foi um erro pra mim. Talvez para você tenha sido, mas pra mim não. Você não precisa se desculpar pelo beijo ou por qualquer outra coisa que tenha acontecido essa noite, porque quem provocou tudo fui eu. Eu quis e não te culpo por nada. Sei que você não quer se magoar e eu não quero te magoar. Não sei o que está acontecendo, não posso te prometer nada, muito menos te pedir algo... Mas não foi um erro. Amanha não tocarei no assunto, mas preciso que você saiba que eu não tenho idéia do que está acontecendo.

Fiz uma pequena pausa e olhei diretamente para os olhos de Dul, que me olhava boquiaberta, atônita. Parecia não saber o que dizer, ou se dizer. Continuei:

- Não sou o tipo de mulher que foge, por isso decidi não correr. Você não tem culpa. Eu tive. Sua amizade também significa muito para mim e eu não quero perdê-la por nada. Mas hoje eu preciso fazer isso...

Toquei seu rosto e me aproximei devagar, deixando espaço para que ela recusasse a aproximação. Não o fez. Senti seus lábios nos meus, suas mãos em meu rosto, suaves... Seus lábios, sua língua, seu toque... Era como se nada mais importasse, se cada palavra que eu disse, tivessem se evaporado no ar, como se cada restrição e mal estar que criamos naquela noite, tivessem se dissipado ao tocar em sua pele.

Era fascinante a calma e a inquietação que aquela mulher me infligia. Tão contraditório e tão perfeitamente compreensível... Cessamos o beijo, mas não nos afastamos. Conservávamos nossos rostos entre nossas mãos, seus olhos fechados.

- Não se preocupe. Amanhã tudo voltará ao normal - sussurrei em seu ouvido, ao dar um beijo em sua face.

Abri a porta do carro e entrei em casa. Fechei a porta, encostei-me nela e chorei. Não sabia ao certo por que, mas chorei como há muito não chorava.