Fanfic: Entre Acasos -Portiñón- (Finalizada) | Tema: portinõn

Dulce

Senti raiva, senti medo... Senti tristeza. Tudo ao mesmo tempo. Não era possível! Não nos encontrávamos mais, nem casualmente, há quase dois anos. Não era possível que ela estivesse ali, naquele momento, na minha frente.

Estava diferente. Os mesmos cabelos compridos, os mesmo cachos, os mesmos olhos, mas, ainda assim, estava tudo diferente. Talvez a roupa, talvez a voz... Talvez minha imaginação.

Mantive minha mão dentro da mochila, não consegui me mover, nem produzir palavras. Verdade é que ainda não conseguia acreditar que era ela ali, bem na minha frente, encostada em meu carro.

- Sei que é de bom tom avisar antes de aparecer, mas sei que você não me atenderia e sei que se eu mandasse um e-mail, você deletaria sem ler. Decidi não correr riscos desnecessários. Preferi correr um maior ainda - sorriu. Um sorriso que eu ainda não conhecia. Parecia inseguro. "Não, não parece com ninguém que eu conheci".

Fiz um esforço enorme para me mover, até que consegui. Controlei todos os nervos que haviam saído do lugar, respirei fundo, retirei a chave da mochila e destranquei o carro pelo alarme. Continuei no mesmo lugar.

- Eu sei que não mereço nem um abraço, ou um aperto de mãos... Mas você bem que poderia falar alguma coisa, Dulcinha - ao ouvir ela me chamar de Dulcinha, senti novamente aquela incapacidade de qualquer gesto.

Como pode uma pessoa desestabilizar tanto, mexer tanto, depois de tanto tempo? Era o que eu me perguntava. Decidi então que não deixaria ela me dominar daquele jeito e fiz com que a frieza tomasse conta da minha voz.

- O que você está fazendo aqui? - perguntei colocando a mochila nas costas.

- Vim te ver - baixou a cabeça e esperou alguns segundos antes de continuar. - Olha, Dulcinha, sei exatamente o que fiz, e sei que você deve me odiar, mas eu preciso conversar contigo. Muitas coisas aconteceram, muitas coisas mudaram dentro da minha cabeça. Eu preciso muito conversar com você sobre essas coisas - desencostou do carro e veio se aproximando de mim. Desviei e caminhei até a porta.

- Não sei o que poderíamos falar, Lorena - abri a porta de trás, coloquei a mochila sobre o banco enquanto terminava minha sentença. - Tenho um compromisso e já estou atrasada. Preciso ir.

- Por favor, não me trate com tanta frieza! - encostei-me no carro olhando para ela.

- E como você gostaria de ser tratada, Lorena? Com um abraço emocionado e lágrimas nos olhos? Bem, sinto muito te dizer, mas as coisas não são mais as mesmas. Gostaria de saber quem lhe disse onde me encontrar.

- Eu sei que não são... E não sabe o quanto é difícil pra mim sentir toda essa frieza vinda de você. Ainda mais de você... E quanto a quem me contou, o que importa?

- Realmente, Lorena, não importa. Nada disso importa pra mim. Agora se me der licença, eu preciso ir. Tenho um compromisso.

- Lorena? Você nunca me chamou assim... - vi um sorriso amargo em seus lábios e um abanar de cabeça. - Me dê somente alguns minutos, Dulcinha! Por favor!

Nesse momento me dei conta da presença de Anahí. Pensei em que tanto da conversa ela tinha ouvido. Olhei em seus olhos e pude perceber que o suficiente para não gostar nem um pouco. Senti-me mal.

- Desculpa interromper. Esqueci minha blusa de frio na sua mochila, Dulce. - enfatizou bem o meu nome.

Não consegui dizer nada. Abri a porta, peguei a blusa de Anahí e a entreguei.

- Desculpe mais uma vez por interromper. Boa noite pra vocês - virou as costas e saiu, antes que eu pudesse dizer alguma coisa.

Passei a mão pela testa, jogando a franja para trás, algo que fazia instintivamente quando as coisas ficavam difíceis. Fiquei em silêncio por alguns segundos.

- Impressão minha ou alguma coisa aconteceu aqui? Entendi... É isso. Essa garota, não é?

- Deixa de ser infantil, Lorena! Não é "essa" garota! É a situação! Você não vê? Desaparece por dois anos e volta achando que vai encontrar alguém aqui disposta a conversar e entender seus motivos porque você diz que muita coisa aconteceu? Faça-me o favor! - explodi sem levantar meu tom de voz. Percebi que ela sentia a frustração na minha voz. - O que você quer? Sentar e me contar que seu namoro está ruim? Que precisa de conselhos? Que as coisas entre vocês vão mal? Não... Eu não preciso saber da sua vida e, sabe por quê? Porque não faz mais parte da minha vida. Porque não me importa a sua vida.

- Eu não desapareci! Eu estava o tempo todo lá, seu MSN, seu Orkut, estava ao alcance da sua curiosidade, mas você preferiu deixar que eu me afastasse! Você preferiu deixar que eu saísse da sua vida!

- Deixar?!? Há... - sorri sarcasticamente balançando a cabeça. - Então eu deveria ter corrido atrás de você? Mais do que corri, diga-se de passagem. Eu deveria ter implorado por notícias suas, para você ficar ao meu lado tendo que suportar saber que você estava com um cara que mal conhecia, dizendo que amava ele como dizia que me amava?

- Não era como dizia pra você! Jamais foi! Você não sabe o quanto sofri! - seus olhos estavam com lágrimas.

- Não me fale de sofrimento. Você que não sabe o que fez comigo. Mas quer saber, não importa!

- Dulcinha, me escuta... Vamos para outro lugar, me dê uma chance de te dizer tudo o que tenho para dizer e depois, se você quiser... - respirou fundo, como se tomando coragem para dizer. - Eu sumo outra vez.

Fiquei calada por alguns segundos, pensando em várias coisas ao mesmo tempo... Eu me lembrei do dia em que nos despedimos, dos telefonemas, dos nossos encontros na praça, do dia em que realmente terminamos, de como ela disse que o amava... Não sei como me senti, mas não foi bom.

- Olha, Lorena... Você pode me dizer o que quiser, mas eu não acredito mais nas coisas que você fala. Eu te disse que não quebrasse suas promessas, que não mentisse. Se não podia cumprir, não prometesse. Nunca te cobrei nada além de verdades e sempre te avisei que minha confiança era como vidro, quando quebra e tentamos colar, sempre fica diferente do antes, sempre faltam pedaços... Você quebrou a minha... Várias e várias vezes.

- Não vou tentar te convencer de nada. Você tem todo direito de não acreditar no que falo... Só quero que você saiba. Também não vim armada de promessas. Sei que as minhas são desnecessárias pra você. Podemos ir praquela praça?

- Podemos - disse abrindo a porta e entrando. Lorena deu a volta, entrou no carro e fomos em direção à praça onde tantas vezes ficamos namorando ao invés de estudar. Nenhuma palavra pelo caminho.