Fanfic: Entre Acasos -Portiñón- (Finalizada) | Tema: portinõn

Dulce

O caminho até a praça foi longo. Eu e Lorena sempre tivemos tanto assunto e, naquele momento, percebi que éramos pessoas muito diferentes do que havíamos sido. Não sabia ao certo o quanto ela havia mudado, nem sabia o quanto eu mesma havia mudado, mas sabia que nada poderia chegar nem perto do que era antes.

Ela continuava linda e atraente como sempre. Belíssimos olhos verde-folha, cabelos compridos, até no meio das costas, lábios naturalmente rosados. Não era uma mulher magra, tampouco gorda. Muitos diriam que era gostosa. Tinha um corpo bem marcado, com pernas, quadris, seios que sempre estavam em decotes significativos, fato que era motivo de minhas brincadeiras durante nosso relacionamento. Tudo se adequava muito bem com seu tamanho: 1,56m. Tinha um olhar meio moleque, que sempre pareciam estar brincando.

Mas o fato é que não reconhecia mais a mesma mulher dentro daquele olhar. Ou não queria reconhecer...

Estacionei o carro na rua abaixo da praça e fomos caminhando. Peguei o celular e liguei para Maite, dando uma desculpa esfarrapada por não aparecer. Logicamente, ela ficou muito estressada e chateada, mas no fundo sei que ela entenderia depois. Não quis dizer pelo telefone que estava conversando com Lorena, porque sabia qual a reação de Ma: surto. Preferi contar pessoalmente outro dia.

- Preciso de coca-cola. Você quer alguma coisa? - Perguntei atravessando a rua em direção ao bar.

- Não perdeu o vício? - disse esboçando um sorriso. - Uma água, por favor.

- já volto.

Voltei e nos sentamos em um dos bancos perto da fonte, onde sempre nos sentávamos em outra época. Ela quebrou o silencio.

- Você se lembra quando aquela banda estava tocando e a música era péssima?  - sorriu.

- Lembro - "o velho truque de evocar o passado", pensei enquanto tentava manter o canudo dentro da garrafa de coca.

- Estávamos abraçadas... Encostadas na grade que separava os expectadores da banda. Ainda nem tínhamos começado a namorar. Tínhamos ficado uma vez e eu tinha enlouquecido - sorriu como se lembrasse de algo engraçado. - Você lembra o que eu te disse naquele dia?

Olhei para seu rosto, que estava virado para direção de onde a banda havia ficado. Era como se estivesse revendo aquela cena. Lembrava-me exatamente cada palavra daquele dia, mas senti necessidade de negar.

- Não. Faz muito tempo - olhei para mesma direção que ela.

- A banda tinha parado de tocar por alguns momentos, e eu estava olhando para o céu. Eu havia comentado que ele estava lindo, sem nuvens, com muitas estrelas. Você disse que havia uma lenda que dizia que a Lua enfeitava o céu com as estrelas quando queria dizer para o Sol que o amava... - fez uma pausa como se estivesse saboreando as lembranças. - Foi então que eu disse que daria minha felicidade pra te ver feliz, porque te amava mais do que você conseguia ver.

Silêncio novamente. Eu realmente me lembrava de cada palavra e respiração daquela noite. Foi quando eu decidi que queria lutar por ela. Peguei-me sentindo saudade daqueles momentos. Senti a mágoa de novo tomar conta de mim.

- Nem tudo sai como planejamos - foi o que consegui dizer.

Seu olhar pousou em mim.

- Realmente. O plano era que só eu sofresse. Mas não foi assim. Acabei te magoando, e não quis isso. Eu realmente daria, como dei, minha felicidade pela tua. Mas estava cega e não vi que minha felicidade era a sua.

- Não consigo acreditar nesse seu lado altruísta - disse calmamente, quase em tom de brincadeira, porém, de forma séria.

Lorena se virou para mim, enxugou algumas lágrimas que caiam com as mangas da blusa e começou a dizer.

- Dulcinha, não quero uma conversa por metáforas e sarcasmo. Sei que você não vai acreditar em nem vinte por cento do que eu disser aqui, mas eu preciso tentar. Não consigo mais ficar o dia todo pensando em você, pensando em quanto tempo eu perdi, em quanto eu te fiz e me fiz mal.

- Tudo bem. Sem metáforas e sarcasmos por minha parte.

- Quando eu viajei, eu não fiquei com ninguém, lá. Não me apaixonei nem deixei de te amar. Eu fiquei pensando em tudo o que poderia acontecer, na pressão que minha família estava me fazendo, nas coisas que minha mãe havia dito que iria fazer... Ela ameaçou contar para seus pais, e eu tive medo. Tive medo de que você fosse para longe, que eles te levassem de mim. Sei lá, eu tive medo.

- Eu não era uma criança, Lorena. Eu tinha 22 anos, trabalhava, tinha independência financeira. Não o suficiente para viver bem, mas o suficiente para enfrentar qualquer barra. Tanto que enfrentei. Eu havia te dito isso tantas vezes... Que eles aceitariam, mais cedo ou mais tarde. Era inevitável. Não entenderiam, mas aceitariam.

- Eu tive medo! O medo tira a racionalidade, você sabe! Achei melhor te ter por perto, mesmo que fosse como minha amiga.

- Mas você não quis nem minha amizade. Era só seu namorado chegar que você sumia! E quando ele ia embora, você se lembrava dos amigos. Incrível como você tinha lapsos de memória quando ele aparecia - não pude evitar o sarcasmo.

- Não eram lapsos de memória! Eu só queria afastar o que eu sentia por você. Será que você não entende? Eu me envolvi com alguém que mora a mil anos luz de mim, para não ter que vê-lo sempre, que tocá-lo sempre, para me esquecer de você, sem trair o que sentia por você.

- Sem trair o que sentia por mim? Sabe, Lorena, eu não consigo entender... Por favor, me explica, como alguém que vê o sofrimento da outra pessoa, por não estar perto, por saber que a mulher que ama está com outro, fala em não querer trair o sentimento? Acho que eu tenho uma definição muito distinta de amor do que o resto dos seres humanos.

- Cada pessoa tem uma forma diferente de lidar com a situação. Eu já lhe disse que eu tive medo.

- Eu propus que você dissesse para sua mãe que havíamos terminado, que evitássemos nos ver sempre, e que estaria tudo resolvido. Eu disse que esperaria um, dois, três meses até que a poeira baixasse... Mas não... Você preferiu me magoar. E eu não consigo entender como isso é amor.

- Eu não estou aqui para te dizer que eu fiz certo, Dulce! Eu estou aqui para que você saiba por que eu voltei. O que me fez voltar. Eu sei que fiz tudo errado, ta legal! Eu sei que fui infantil, que fui covarde, e já estou me punindo há quase três anos! Poxa, eu sei que você não acredita, mas não sou feliz! Não sou feliz a menos que esteja perto de você. Você acha que eu me sentia feliz quando via seu nome no meu MSN? Não... Pelo contrário. Raramente ficava online quando você estava porque não agüentava abrir e fechar sua janela e não dizer nada. Eu visitava seu Orkut todos os dias e ficava louca quando percebia que você estava feliz com outra pessoa, mesmo que eu quisesse sua felicidade. E quando aparecia alguma frase diferente, eu ficava na esperança que fosse para mim, mas nunca eram... E eu me perguntava se você também ficava assim. E quando eu colocava "te amo", não era para ninguém além de você. Que droga, eu te amo e é assim!

Via cada vez mais lágrimas pelo rosto de Lorena. Comecei a pensar que talvez ela pudesse estar sendo sincera, mas me lembrei das vezes em que ela me disse que o amava, e que outras pessoas vieram me dizer que ela estava amando de verdade. Pensei durante alguns segundos e ponderei a voz.