Fanfic: Céu sem Estrelas (FINALIZADA) | Tema: AyA

O silêncio prolongou-se até que Maite chegou e acomodou-se no banco de trás. Tinha refeito o
penteado e trajava um vestido exuberantemente alegre e colorido.
— Como é? Deu uma melhorada? — indagou Alfonso.
— Esse seu amigo é assim tão charmoso e importante que mereça tanto todo esse trabalho?
Annie ficou nervosa com aquela pergunta. O que Alfonso lhe havia confidenciado sobre Christian Chavez
era por demais pessoal e deprimente para ser contado a Maite. Como a vida da jovem
fora sempre muito mais resguardada do que a de Annie, ela poderia ficar chocada com
revelação, e seria difícil para Maite se comportar com naturalidade se soubesse de tudo!
Annie levou o Mercedes na direção da estrada que desembocava no centro de Bayaltar. Uma
bruma flutuava sobre o mar que estava bastante calmo, com cintilações cor de pérola.
— Como está o mar hoje? — perguntou Alfonso, ignorando a curiosidade de Maite sobre
Christian .
— Está lindo como se o seu pintor predileto o tivesse transferido para uma tela. Ainda
considera Turner o melhor paisagista?
— Não costumo mudar de opinião.
— Às vezes, você sabe ser tão arrogante, Alfonso! — Maite inclinou-se para a frente e beliscou
o pescoço do irmão. — Seu amigo é parecido com você?
— A única coisa que temos em comum são as cicatrizes.
— Até que gosto de suas cicatrizes — disse Maite, abraçando-o pelas costas. — Você fica mais
durão, o irmão todo-poderoso, aquele que tomava conta da turma nos velhos tempos. Que
dias dourados eram aqueles! Quantas risadas e quantas brincadeiras, lembra-se querido?
— De quase tudo. Existem uns vácuos, principalmente logo depois que voltei para casa, do
hospital. Mas agora posso reconstituir os fatos com mais clareza. Só não consigo recordar se
Annie era bonita ou feiosa.
— E isso faz diferença?
Annie fez a pergunta sorrindo, enquanto dirigia o carro num cruzamento onde um paredão
coberto por trepadeiras levava à Capilla dos lilases, com seu velho adro e um antigo sino de
bronze no alto da torre. Algumas árvores sombreavam a capela que pertencia ao cemitério
onde Rosa Herrera estava enterrado. Annie apressou-se a sair dali.
— Como você imagina que ela seja? — Maite perguntou ao irmão.
— Sua figura está enevoada, perdida numa época longínqua, quando ainda usava trancas e
tinha olhos tímidos.
— Gostou da descrição que ele fez de você, Annie?
Maite deu uma risadinha, mas lançou um olhar de cumplicidade à amiga, como se
repentinamente tomasse consciência de que agora eram todos adultos e sujeitos a emoções e
esperanças que não podiam ser confidenciadas com a leviandade da adolescência.
— Todos nós temos algo com que somos obrigados a conviver pelo resto da vida.
Annie disse aquilo com uma indiferença que estava longe de sentir. Levou o carro para a área
de estacionamento, junto às docas, onde lanchas atracavam para o embarque e desembarque
de passageiros. Escorregou do assento e deu a volta para ajudar Alfonso. Quando ele pôs a
mão no ombro de Annie para deixar-se conduzir, voltou ao assunto:
— Realmente. Sempre me lembro de você como uma criança. Mas agora, Annie, você se
transformou em alguém que não conheço.
— O que é que vocês dois estão cochichando? — quis saber Maite, olhando para Annie e
depois para o irmão.
— Só estava perguntando à minha enfermeira se minha roupa está em ordem -— disse, em
tom de gozação. — Uma das peculiaridades da cegueira é que as roupas perdem seu
significado social. Se eu tivesse vindo à cidade de pijama, para mim dava na mesma.
— Oh, Alfonso!
Se ele havia feito aquele comentário para divertir Maite, o efeito tinha sido o contrário. Os
lábios da irmã tremeram e seus olhos ficaram marejados de lágrimas.
— Não posso suportar quando… quando você fala assim.
— Pensei que estivesse sendo engraçado. Enxugue os olhos, niña. Ah, sim, eu sei que você está
se derretendo. Annie, quer informá-la sobre meu ouvido de gato e também sobre meu poder
de captar as vibrações dos objetos e pessoas que me rodeiam? Aquilo que você chama de
sétimo sentido?
— Verdade? — Maite ficou ali, parada, meio confusa, parecendo uma criança com uma
lagrimazinha deslizando pelo rosto.
— Alfonso! Mas isso é ótimo, não acha?
— Certamente que é, hermana. — Seu tom de voz era forçadamente casual. — Espero que
seja um meio da natureza para compensar-me a falta de visão. Bem, agora vamos ao encontro de Christian?

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