Fanfic: O Dever e a Paixão | Tema: Vondy

— Para onde estamos indo, mesmo?— perguntou Dulce enquanto o veículo quatro por quatro percorria a estrada do deserto. Do lado de fora do carro, havia areia dourada e sol brilhante, enquanto dentro, havia couro macio e ar-condicionado. E o aroma de Christopher ao seu lado se misturava com o cheiro de couro, evocativo, irritantemente delicioso. Ela estava quase tentada a abrir a janela e arriscar o calor, se isso significasse parar de estar tão consciente dele.

— Um lugar chamado Belshazzah, na costa— respondeu Christopher, sem desviar os olhos da estrada. Um homem no controle, pensou ela, observando-o atrás do volante, e notando que as marcas de suas unhas estavam sumindo do rosto dele. Um homem acostumado a assumir o comando, incapaz de permitir que alguém dirigisse para ele, de modo que os guarda-costas necessários tinham sido forçados a se espremerem nos veículos extras que os seguiam. Ele estava sexy, as mãos bem feitas no volante, as mangas da camisa branca dobradas, contrastando com os antebraços bronzeados, e aquele aroma por toda parte...

— A que distância fica?

— Não longe do Palácio Azul. Não mais de duas horas de viagem.

Dulce abaixou alguns centímetros da janela e inalou.

— Você está com frio?— perguntou ele, imediatamente movendo-se para ajustar a temperatura.

— Não realmente.— Ela olhou, através de seus óculos escuros, para o horizonte sob o sol do deserto. Nem um pouco. Quando ele aparecera à sua porta naquela manhã, perguntando se ela gostaria de acompanhá-lo a um acampamento na praia, Dulce se lembrara das coisas que ele lhe dissera na noite anterior, o quão perto Christopher chegara de se forçar sobre ela, e quase recusara o convite.

Mas alguma coisa a impedira de fazer isso. Talvez fosse a expressão nos olhos escuros, que lhe dizia que fazer aquele convite inesperado não estava sendo fácil para ele. Ou talvez porque, pela primeira vez, ele estava lhe pedindo para acompanhá-lo, em vez de dar ordens e esperar que ela dissesse sim.

— E lembre-me novamente porque estamos indo lá?

Ele deu de ombros.

— O palácio é grande demais, repleto de muitas pessoas, de muitos conselheiros. Achei que talvez você apreciasse um lugar mais tranquilo.— Ele virou-se para fitá-la, então.— De modo que possamos nos conhecer melhor.

Mesmo atrás dos óculos escuros de Christopher, ela pôde sentir os olhos dele percorrendo-a, até os dedos de seus pés.

— Quer dizer, de modo que você possa conseguir o que esperava conseguir ontem à noite?

Ele sorriu.

— Realmente acha que eu precisaria ter tanto trabalho, quando o palácio é cheio de lugares secretos? Não o tipo de lugares para ter conversas profundas, mas perfeitamente adequados para prazeres mais carnais.

Dulce desceu ainda mais a janela. Não queria ouvir sobre lugares secretos e prazeres carnais. Não quando isso fazia seu corpo formigar com antecipação.

— Não vai acontecer, sabia?— murmurou ela mais para si mesma do que para ele.

— O quê?

— Eu não vou dormir com você.

— Assim você disse.

— Eu o odeio.

— Já disse isso também. Deixou a declaração mais do que clara, ontem à noite.

— Ótimo. Contanto que nos entendamos.

Christopher tirou os olhos da estrada para lhe dar um sorriso preguiçoso.

— Oh, talvez nós não nos conheçamos bem, mas entendemos um ao outro perfeitamente.

Insatisfeita com o jeito que a conversa acabara, Dulce ficou silenciosa por um tempo, olhando para as dunas desertas, desaparecendo a distância em todas as direções. Tremeu ao se lembrar de outro acampamento no deserto.

— Como sabe que Mustafa não está por perto, esperando que você cometa um erro, de modo que ele possa me roubar, e ganhar a coroa?

— Você está com medo, princesa? Está preocupada agora que devia ter consumado este casamento ontem, enquanto tinha a chance?

Ela cruzou os braços sobre o peito e voltou o olhar para fora da janela.

— Definitivamente não.

— Então você é mais corajosa do que pensei. Mas não há nada a temer. Minhas fontes me dizem que ele saiu de Al-Jirad, por enquanto.

— Então ele sabe que foi derrotado, e desistiu?

— Possivelmente.

— E ele não estará na coroação?

O maxilar de Christopher enrijeceu, as mãos se apertaram ao redor do volante,

— Ele não ousaria aparecer.

Dulce esperava que ele estivesse certo. Se ela nunca mais visse aquele homem asqueroso, seria breve demais. Olhou ao redor, questionando-se sobre a força que as palavras de Christopher carregavam. Perguntou-se por que ele estava tão seguro, e supôs que nem tudo tinha a ver com seu sequestro.

— O que Mustafa lhe fez?

Houve uma pausa, antes que Christopher respondesse:

— Por que você pergunta?

— Você claramente o detesta. Ele deve ter feito alguma coisa para merecer seu ódio.

Ele bufou.

— Pode-se dizer que sim. Eu cresci com Mustafa. Vi de perto como a mente destorcida dele funciona.

— Conte-me.

— Tem certeza que quer ouvir isso, princesa?

— E tão ruim assim?

— Não é bonito. Mustafa não é uma boa pessoa.

Ela engoliu em seco.

— Eu sou adulta. Posso lidar com a verdade.

— Se você diz.— Christopher olhou para a estrada, antes de começar.— Havia um homem cego no vilarejo onde nós crescemos, um homem chamado Saleem. Ele era velho e frágil, e todos cuidavam dele, levando-lhe refeições ou madeiras para fogo. Possuía um vira-lata que achara em algum lugar, e que era seus olhos. Costumávamos passar pela casa de Saleem em nosso caminho para a escola, onde Saleem geralmente estava sentado do lado de fora, cumprimentando todos que passavam. Mustafa nunca falou nada, apenas importunava o cachorro a cada chance que tinha, às vezes chutando-o. Um dia, ele foi longe demais e o cachorro o mordeu. Eu estava com ele naquele dia, e jurei que não passava de um arranhão, mas Mustafa jurou se vingar. Mesmo quando o velho homem disse que a culpa tinha sido dele... que, apesar de cego, ele não era estúpido. Saleem sabia que Mustafa provocava o cão sem misericórdia.

Um dia, não muito depois disso, o cachorro desapareceu. O vilarejo inteiro procurou por ele. Até que alguém o encontrou... ou melhor, o que restava do animal.

Ela prendeu a respiração.

— O que aconteceu com ele?

— O cachorro havia sido torturado impiedosamente antes que algo mais terrível acontecesse... algo que dizia que o assassino sentia rancor não somente pelo cão, mas pelo dono também.

— O que você quer dizer?

— O cachorro tinha sido cegado. Então, mesmo se tivesse conseguido sobreviver à tortura, ele teria sido inútil para Saleem.

Dulce estremeceu, sentindo-se enjoada.

— Como alguém pode fazer uma coisa dessas com um animal de estimação valioso?

— Aquele homem pôde.

— Você acha que foi Mustafa?

— Sei que foi ele. Eu o ouvi contando a um colega da escola o que tinha feito, em detalhes gráficos. Ele sempre foi um intimidador. Sentia orgulho do que fizera com um animal indefeso.

— Você contou a alguém?