Fanfic: O Dever e a Paixão | Tema: Vondy

A pergunta de Dulce trouxe toda a dor da injustiça do passado de volta. Christopher lembrou-se da fúria de seu pai quando ele lhe contara o que tinha ouvido. Fúria dirigida não a Mustafa, mas a ele, por ousar falar mal do filho favorito do pai. Lembrou-se da surra que suportara por ousar falar a verdade.

— Contei a alguém. Apesar de isso não ter feito bem algum para mim.

Escolha suas batalhas.

Seu tio estivera tão certo. Não adiantara de nada escolher aquela. Ele nunca venceria no que dizia respeito a Mustafa. Não naquela época.

Dulce esperou por mais, mas ele ficou silencioso, então ela olhou para fora da janela, mirando as dunas, perguntando-se que tipo de pessoa fazia aquilo por prazer, e imaginando as coisas que Christopher não estava lhe contando.

Ele era um enigma, este seu marido, e por mais que ela o detestasse pelo o que ele lhe forçara a fazer, talvez devesse ser grata por ter sido poupada da alternativa. Porque seria esposa de Mustafa, se este homem não tivesse ido ao seu encontro. Dulce tremeu.

— Princesa?

Ela virou a cabeça, piscando.

— Sim?

— Você está bem? Não respondeu minha pergunta.

— Oh.— Dulce sentou-se ereta e levantou o rabo de cavalo atrás da cabeça para esfriar o pescoço.— Desculpe. O que você perguntou?

— Considerando que estávamos falando sobre Mustafa, há algo que eu não entendo. Algo que você me disse quando nós a resgatamos.

— Que resgate— zombou ela, mas suas palavras subitamente pareceram vazias diante das revelações sobre a natureza cruel do meio-irmão de Christopher. Talvez ele a tivesse salvado de um destino pior do que a morte, afinal de contas.— O quê?— perguntou.

— Como você convenceu Mustafa a não tomá-la lá, enquanto ele a tinha no acampamento? Por que ele estava disposto a esperar até o casamento? Porque se Mustafa a tivesse tomado naquela primeira noite, se tivesse testemunhas para o ato, então nenhum resgate teria impedido você de ser a rainha dele, e Mustafa o novo rei.

Dulce engoliu a onda de náusea que as lembranças lhe causaram, não querendo pensar naquelas horas horríveis.

— Ele disse que não se importava em esperar.

— Mas por quê? Isso não combina com o Mustafa que eu conheço.

Ela piscou contra o sol, agora baixo o bastante para se infiltrar por sua janela, e sentou-se mais ereta.

— Simples. Eu falei que ele seria amaldiçoado se me tomasse antes da noite de núpcias.

— E ele acreditou em você?

— Aparentemente sim.

— Mas deve ter havido mais motivos do que esse. Por que Mustafa acreditaria que seria amaldiçoado?

Dulce engoliu em seco. Não queria ter de admitir a verdade, embora soubesse que Christopher descobriria, mais cedo ou mais tarde. E talvez ele pudesse entender sua relutância em se deitar numa cama e abrir as pernas para ele, como se o ato em si não significasse nada.

— Porque eu disse a Mustafa que, segundo as crenças de Jemeya, se ele me tomasse antes da noite do casamento, os deuses a amaldiçoariam com um pênis murcho para sempre.

— Porque você é princesa?

— Porque eu sou virgem.

— E ele acreditou?— Christopher riu então, como se aquela fosse a maior piada do mundo, e Dulce teve vontade de estrangulá-lo.

Em vez disso, virou-se, fingindo olhar para o mar, lágrimas inundando seus olhos, mas apenas em parte pelas memórias humilhantes de ser apalpada por dedos gordos de um homem nojento que cheirava a estrume de camelo.

A outra parte era porque nunca ocorrera a Christopher acreditar nela, acreditar que ela poderia realmente ser virgem. E a injustiça daquilo era quase demais para suportar. Ela virou o corpo mais para a janela, a fim de esconder seus olhos marejados.

Pensar que havia se guardado por todo aquele tempo apenas para se unir a alguém como Christopher. A única coisa que sempre considerara sua para dar; a única coisa que pensara que fosse sua para controlar, subitamente não era mais sua, em absoluto. Não poderia ser dada como um presente, mas teria de ser dada como um dever.

Que desperdício.

— Parece que seu meio-irmão é supersticioso— Dulce conseguiu murmurar para cobrir a verdade.

E de trás do volante, as palavras de Christopher soaram como se ele ainda estivesse sorrindo.

— Sim. Ele sempre foi um tolo.