Fanfic: Codinome Beija-Flor (Portiñon) | Tema: Rebelde

Capítulo 36 – Devaneio.

Dulce...

Em pedaços. Era como eu me definiria naquele momento.

Da cabana, eu observava Anahi se afastar, levando consigo, nos passos firmes e nas palavras duras, a minha vontade de viver. Eu sei. Pode soar como exagero, mas o ápice do desespero não permite razão. Ali, sozinha naquela praia, em meio a uma forte chuva, eu me sentia pequena. Dolorosamente pequena. Sem saber o que fazer para me livrar daquele sentimento, eu olhava para o céu e gritava por Deus. Que me estendesse sua mão e me envolvesse com seu manto protetor. Implorando para que ele rasgasse meu peito e fizesse cessar aquela dor. De volta ao mesmo lugar em que havia ajoelhado e implorado para Anahi ficar, eu contorcia meu corpo na areia. Envolvida por espasmos de um choro desesperado. A raiva havia passado, deixando lugar para a tristeza.

Melancolia.

Desilusão.

A dor impregnou no meu peito, assim como a areia no meu corpo molhado de chuva. Meu rosto banhado em lágrimas, tinha a fúria do mar em tempestade. As palavras dela voltavam como socos e pontapés, nocauteando minha alma. Tirando-me do combate. Não sabia mais distinguir o que saia de mim e o que vinha da chuva. Deixei as gotas lavarem minha alma. Pude, enfim, exteriorizar as lágrimas que tanto guardei.
O vento bagunçava meus cabelos e varria o rastro de dor do meu peito. Meu olhar se fundiu com céu cinzento. 
Meu corpo se fechou. Chorava, perdida, a dor de um amor.

Amor unilateral.

Como eu não percebi que só eu havia amado? Deixava meu peito se libertar em gritos desesperados. Mas minha voz era rouca. Muda. Fiquei ali por horas. Sentindo cada pedaço do meu corpo se desfazer em lágrimas. De amargura e solidão.

Lágrimas. De sangue e amor.

Na boca, o gosto do beijo. Despedida. O que fazer daqui pra frente, depois de perder o pouco que tinha? Eu precisava, mas não sabia como me reerguer. Sabia que tinha que andar de novo. Mas não tinha forças. E nem vontade. O tempo passou e eu continuava ali, no mesmo lugar. Como um naufrago à espera de seu resgate, eu esperava Anahi voltar. Voltar e dizer que não havia passado de um engano. Eu ainda tinha tantos planos. Mas ela não voltou. E eu fiquei.

Esperei. Implorei.

Até sentir meus olhos se fechando, se entregando ao cansaço. Me agarrei em um galho que havia caído com a forte ventania e deixei que a chuva de lágrimas, seguisse molhando meu peito.     

-- Dul. Dul. Pelo amor de Deus, acorda!

A voz soava longe. Tão distante e fraca. Eu fazia um esforço enorme para abrir os olhos, mas eles pareciam tão pesados. A voz continuava. Chamando meu nome, atrapalhando meu sono. Abri os olhos devagar, sentindo a claridade ofuscando minha visão. O rosto à frente se formando lentamente. Mesclado com os raios de sol que se posicionam atrás de si.

-- Graças a Deus você acordou, amiga. Quase me matou de susto.

Depois de algum tempo, reconheci sua voz. Como se aos poucos, minha consciência estivesse voltando. Maite se aproximou e pegou-me pelo ombro, levantando a parte de cima do meu corpo e abrigou em seus braços. Abraçando forte. Toquei seu rosto devagar. Sentindo a maciez de sua pele. Peguei sua mão e levei até meu peito. Tentei falar, mas a voz saiu fraca. Em um sussurro sofrido:

-- Tá doendo tanto.

Ela limpou uma lágrima que escapou sem querer, ajudou-me a levantar e já no caminho até a cabana, afirmou-me categórica:

-- Vou cuidar de você, Dul. A dor vai passar.

Horas mais tardes, depois dos inúmeros cuidados de Maite, eu já me sentia um pouco melhor. Descobri que estava na praia desde o dia em que Anahi havia me deixado. Não me lembrava de muita coisa, só de chorar e deixar meu coração exposto à tempestade. 

Maite havia descoberto meu paradeiro por Carlos, que havia sido o último a saber de mim. Precisava agradecer de todo o coração aquele bom homem que, mesmo não sendo nada meu, tratava-me como um membro de sua família.

-- A Anahi me procurou. – Maite disse, enquanto preparava um chá.

A simples menção de seu nome trouxe de volta toda a dor. Continuei em silêncio, sem conseguir dizer nada. Maite insistiu. Continuou.

-- Ela me contou por alto e me pediu para que eu não confundisse as coisas, afinal, continuaria sendo minha professora.

-- Mai, por favor.. – Eu pedi, sem paciência. – Não estou com a mínima vontade de saber disso.

-- Dulce, será que você não percebe que uma hora ou outra isso iria acontecer? – Ela alterou o tom de voz, jogando a colher que usava para mexer o chá, virou-se em minha direção e continuou: – Você começou esse romance sabendo das condições e do que ela te oferecia.

-- Ela disse que me amava, pediu um tempo pra se organizar.

Eu disse, com a voz baixa, como se precisasse repetir para me convencer de que havia mesmo acontecido. Maite se aproximou, abaixou-se e segurou minhas mãos, desfazendo a expressão carregada e, olhando firme em meus olhos, disse:

-- Você esperava o que, Dul? Que ela deixasse a família, o filho dela e ficasse com você?

-- Você disse que ia cuidar de mim e não é isso que tá fazendo. – Eu confessei, deixando que novas lágrimas brotassem em meus olhos. – Tá me machucando mais.

-- Eu só não queria que você sofresse, Dul. Eu te avisei. Te falei desde o começo que não ia dar certo.

-- Eu amo aquela mulher, Maite. Será que você não entende? – Levantei-me irritada e, antes de sair, em direção à praia, completei: – Eu tinha esperanças, droga!

-- Dulce, aonde você vai? Volta aqui.

Saí, sem olhar para trás. Maite me alcançou, puxando-me pelo braço.Encarei seus olhos com raiva. Ela disse, com a respiração alterada e os olhos raivosos:

-- Será que você nunca vai ter maturidade o suficiente para encarar seus problemas de frente?!

-- Me deixa em paz, Mai.

-- Mimada. Você não passa de uma mimada, Dul. Vai correr pra mamãe agora, pedindo colinho?

Puxei meu braço de volta, balançando a cabeça negativamente, sem acreditar no que estava ouvindo. Será que até o apoio da minha melhor amiga eu havia perdido?

Eu corri sim, mas não foi pros braços de minha mãe, foi em direção ao mar. Deixando que a água gelada esfriasse meu corpo. Confrontando as ondas. Enfrentando a imensidão que se oferecia em minha frente. Eu me jogava, tentando afogar cada lembrança que surgia. Eu mergulhei de olhos abertos, mesmo sabendo que o sal arderia no meu olho.

Eu arrisquei.

Me entreguei.

Me iludi.

Me envolvi em um devaneio.

Mergulhei.

`` Mergulhei no mar e não dava pé
Me apaixonei, mas não sei por quem
Sonho com alguém que você não é.
Eu me entreguei demais. Eu imaginei demais
E o silêncio fala mais que a traição
Foi um devaneio meu, um veraneio seu
E um outono inteiro em minhas mãos
Vi um sol nascer pelos olhos seus
Me deixei levar
Eu não refleti, que era a luz dos meus
refletida em ti
Foi um devaneio meu
Um veraneio seu. ``

 Devaneio – Jorge Vercilo.

http://www.youtube.com/watch?v=K4ttUcrxZE4