Fanfic: Codinome Beija-Flor (Portiñon) | Tema: Rebelde

Capítulo 41 – Seguir Viagem

Dulce...

Um mês.

Desde o dia em que eu havia partido daquele aeroporto, deixando uma vida para trás e buscando uma nova pela frente, havia se completado um mês. Meu primeiro destino, escolhido por meu pai, foi a América Platina, que é uma região da América do Sul formada por três países (Argentina, Paraguai e Uruguai)

Ainda não havia passado pelo Paraguai. Fiquei quinze dias na Argentina, mais precisamente, em Buenos Aires,a capital gay e quinze dias no Uruguai, alternando entre Montevidéu e  Punta del Este. Estava me divertindo muito. Adorando conhecer tantos lugares, culturas e pessoas diferentes. Ficava parada por horas, apenas observando, os  modos, gestos, manias a cada dia ficava mais e mais encantada com a complexidade das pessoas em qualquer lugar do mundo. Como prometido, mantinha o contato e dava satisfação de todos meus passos, em troca, meu pai continuava mandando uma – exagerada – mesada. Mesada que eu economizava e não gastava nem metade. Troquei hotéis caros por albergues, restaurantes luxuosos por mais simples. Troquei a vontade a vontade dos meus pais pela minha. Só uma promessa eu ainda não havia cumprido: Esquecer Anahi.

Duas, aliás...

A outra era mandar notícias para Maite.

Não o fiz diretamente, apenas quando falava com meus pais, pedia para que eles repassassem as notícias. Não estava pronta para admitir para outra pessoa que minha fuga havia sido em vão.
Maite, certamente, cumprindo seu papel de amiga, me condenaria por ainda não ter esquecido Anahi.

E, durante esse mês, eu fugi.

Fugi como quem foge de uma realidade que está presente, mas camuflada pela esperança do futuro. Fugi até aquele dia, aparentemente, comum em que havia decidido ficar um pouco no computador. Sem resistir, abri meus e-mails.

 "Olhe, não fique assim não, vai passar. Eu sei como doí. É horrível. Eu sei que parece que você não vai aguentar, mas aguenta. Sei que parece que vai explodir, mas não explode. Sei que dá vontade de abrir um zíper nas costas e sair do corpo porque dentro da gente, nesse momento, não é um bom lugar para se estar. (Fernando pessoa escreveu, num momento parecido, "hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu" ). Dor é assim mesmo, arde, depois passa. Que bom. Aliás, a vida é assim: arde, depois passa. Que pena. A gente acha que não vai aguentar, mais aguenta as dores da vida. Pense assim: Agora tá insuportável, agora você queria abrir o zíper, sair do corpo, encarnar numa samambaia, virar um paralelepípedo ou qualquer coisa animada, anestesiada, silenciosa. Mas agora já passou. Agora já é dez segundos depois da frase passada. Sua dor já é dez segundos menor que duas linhas atrás. Você acha que não porque esperar a dor passar é como olhar um transatlântico no horizonte estando na praia. Ele parece parado, mais ai você desvia o olho, toma um picolé, lê uma revista, dá um pulo no mar, e quando vai ver o barco já tá lá longe.A sua dor agora, essa fogueira na sua barriga, esse chumbo na garganta, essa sensação de que pegaram seu estômago e torceram como uma toalha molhada, isso tudo é difícil de acreditar, eu sei; vai virar só uma memória, um pequeno ponto negro diluído num imenso mar de memórias. Levante-se daí, vá tomar um picolé, ler uma revista, dar uma volta no quarteirão. Quando você for ver, passou. Agora não dá mesmo pra ser feliz. É impossível. Mas quem disse que a gente deve ser feliz sempre? Isso é uma besteira. Como cantou Vinicius: "É melhor viver do que ser feliz". Porque pra viver de verdade a gente tem que quebrar a cara. Tem que tentar e não conseguir. Achar que vai dar e ver que não deu. Querer muito e não alcançar. Ter e perder. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e dizer uma coisa terrível, mas que tem que ser dita. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama, e ouvir uma coisa terrível, que tem que ser ouvida. A vida é incontornável. A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai. Dói, ai, eu sei como dói. Mas passa.Tá vendo a felicidade ali na frente? Não, você não ta vendo, porque tem uma montanha de dor na frente. Continue andando. Você vai subir, vai sentir frio lá em cima, cansaço. Vai querer desistir, mais não vai desistir, porque você é forte e porque depois do topo a montanha começa a diminuir e o único jeito e deixá-la pra trás é continuar andando. Você vai ser feliz.Tá vendo essa dor que agora samba no seu peito de salto agulha? Você ainda vai olhá-la no fundo dos olhos e rir da cara dela. Juro que tô falando a verdade. Eu não minto. Vai passar. "

Depois que você foi embora, Dul. Eu passei tantas e tantas horas no teu quarto, tentando sentir sua presença, que, em uma dessas várias horas que estava por lá, achei, em um de seus cadernos de anotações, esse trecho. Eu entendo que você não queria falar nada agora, só não gostaria que você continuasse me privando de "você". Eu sinto sua falta, minha amiga. Todos os dias. Espero que esteja se cuidando e se alimentando direito.

Volta logo que estarei te esperando.
Da sua amiga que te ama muito,

Maite.

Deixei que uma lágrima fria e solitária saísse de meus olhos. Eu tinha prometido – e estava conseguindo, até aquele momento – não chorar. Por nada e nem por ninguém. Mas, eu sabia que era preciso, precisava expurgar toda a mágoa do meu peito.

Então, chorei.

Chorei, mas chorei de um jeito diferente.

Foi um choro consciente.

Choro esse que cessou quando abri a cortina e vi o sol.

Vi a vida lá fora.

Era isso.

Havia mais vida dentro de mim.

E eu precisava colocá-la em prática.

Eu precisava viver sentir e reparar nas coisas simples, mas de suma importância. Tinha consciência que não havia esquecido, mas eu deixaria a dor pausada no meu peito.
Lembrei-me de uma frase que fazia todo o sentido...

‘’ Sem apego. Sem melancolia. Sem saudade. A ordem é desocupar lugares. Filtrar emoções . ’’

Desocupar lugares preenchidos de mágoa, dor e rancor, visitar vários lugares do mundo. Raça. Cor. Sabor. Miscigenação. Uma pontinha de esperança que nascia. Abri as cortinas e deixei que o sol e ar puro entrassem, irradiando meu corpo. Renovando. Olhei para aquele quarto que, mesmo sendo grande, me fez sentir extremamente presa.

Eu não cabia mais ali.

Eu mal cabia em mim.

Sorrindo, fiz minhas malas rapidamente e constatei empolgada: 

Era hora de seguir viagem!

Mexi, remexi e mexi de novo na mala e o achei com o Mapa Mundi aberto sobre a cama, eu percebi que ainda estava seguindo a vontade de meus pais deixei o Paraguai para a volta. Agora eu quem escolheria meu destino.

E eu escolhi.

México, aí vou eu...

Com direito a tacos, guacamole, burritos, margarita e... 

-- Tequilaaaaa. – Gritei animada, imaginando como seria beber tequila direto da fonte, já que é originalmente produzida em região demarcada pela Lei Mexicana no Estado de Jalisco onde se encontra a pequena povoação de Tequila, que lhe deu o nome, e onde se concentram os principais produtores. Girei e joguei uma peça de roupa pra cima, comemorando, realmente, feliz e cheia de expectativa. Peguei meu celular e disquei um número bastante conhecido, mas que não usava há tempos.

-- Buenas tardes. – Gritei animada.

-- Dul?

-- E alguém mais tem essa voz sexy?

-- Achei que era alguma espanhola gostosa me ligando pra marcar um encontro.

-- Mai, até onde eu me lembro, você era hétero. O que mudou em um mês?

-- Mudou tudo. – Ela disse, mas logo completou. – Mas eu continuo sendo hétero, sua boba. Só a saudade de você que ta insuportável.

A voz que ela fez foi tão fofa, tão fofa que, se eu não tivesse tão longe, correria até ela para dar um abraço bem forte e apertado.

-- Ô, meu amor. - Imaginei sua carinha, sorri ao imaginar a expressão de cachorro abandonado sem banho e com fome que ela deveria estar fazendo. – Vontade de te abraçar, sabia?

-- Muy amiga você, né?! Some, nem me liga e agora quer me abraçar?

Apesar da brincadeira, percebi o tom de cobrança e chateação que Maite usou.

-- Desculpa, perdão... É só que...

-- Eu sei, eu sei. – Ela interrompeu-me, compreensiva.

-- Então, para me redimir vou mandar uma passagem pra você me encontrar no México.

Ela riu.

-- Ai, Dul. Você é muito engraçada.

-- Mai, eu to falando sério.

-- O queeeee? – Gritou.

Afastei o telefone do ouvido, desentupi, conferi se o tímpano ainda estava inteiro e ‘’ funcionando ‘’ e , ao colocá-lo novamente no ouvido, ela ainda estava falando.

-- Você ta maluca? Como você quer que eu deixe as aulas, meu namorado, minha vida aqui, Dul?

-- Ei, senhora certinha, é só uma voltinha no México. Lembra que a gente sempre quis tomar tequila da fonte?

Ela ficou em silêncio por longos segundos, o que já era bastante estranho e inovador. Maite e o silêncio eram inimigos declarados.

-- Quais são seus planos? – Perguntou, um pouco é... como eu posso dizer, enigmática?!

-- Pretendo ir para Cancun, Acapulco. – Pensei e imaginei mais um monte de lugares. A verdade é que eu queria ir para todo e qualquer lugar. Eu queria o mundo. Sorri e completei – Sei lá, Mai o que rolar na hora, eu vou.

-- Olha, amiga faz assim, quando você tiver chegado lá, me passa endereço de hotel, tudo direitinho tenho uma surpresa pra você.

-- Ai, Lari... – Deixei escapar. Aflita e ansiosa.

-- Ai Mai, nada. – Ela me imitou com uma voz horrorosa. – Aguarde e verás.  – Ela gargalhou toda superior e sapeca. – Amiga, amei falar com você e sei que agora você vai me ligar sempre, mas eu tenho que ir.

-- Não acredito nisso. – Fingi indignação. – Tá me dispensando?

-- Claro, alguém tem que estudar nessa família.

Gargalhei.

-- Vai lá, amore. Eu te amo muito, ta?! Não esquece... E... obrigada por tudo. Sempre.

-- Dul, eu também te amo. Mas não pense que você vai me comprar com essa voz meiga. Te conheço, esqueceu?

-- Chata.

Foi a vez dela gargalhar.
Nos despedimos e eu voltei a arrumar minhas malas, agora com um sorriso radiante nos lábios e mais uma expectativa na bagagem. Não parava de pensar e tentar adivinhar qual seria a surpresa de Maite.

-- A surpresa de Maite. – Repeti em voz alta pensando e imaginando que daria até um filme ou novela e, do jeito que a Mai é dramática, daria uma bela de uma novela mexicana.

Novela Mexicana.

México.

Novo destino.

Outra escala.

Outras histórias.

Terminei as malas, fechei a conta na recepção. Peguei o primeiro táxi que vi e segui até o aeroporto.

Com pressa.

Pressa de viver.

Da janela do táxi, eu observava a cidade ficando para trás. As ruas passando rápidas e quase sem forma. As pessoas nas ruas. Seguindo a rotina. Seguindo com a vida.

Da mesma forma que eu estava fazendo com a minha.

Era hora de me entregar ao que a vida pode me oferecer.

Era hora de tirar os pés do chão

e...

 "Seguir viagem, tirar os pés do chão
Outros ares...sete mares...voar...mergulhar
O que nos dá coragem
Não é o mar nem o abismo
É a margem, o limite e sua negação

Se dizem que é impossível
Eu digo: é necessário!
Se dizem que é loucura
(eu provo o contrário)
E digo que é preciso
Eu preciso...é necessário

Seguir viagem, tirar os pés da terra firme
E seguir... viagem. "

Seguir Viagem – Engenheiros do Hawaii

http://www.youtube.com/watch?v=Je9p15-CDXM