Fanfic: Codinome Beija-Flor (Portiñon) | Tema: Rebelde

Capítulo 53 – Alívio Imediato.

Dulce...

Saí daquela boate enfurecida não conseguia parar de pensar e sentir raiva.

" Além do marido, Anahi tem uma namorada possessiva e furiosa? Era só o que me faltava.

Aposto que deve ser alguma idiota que aceitou ficar com ela escondido e de vez em quando. Isso explica a presença dela na boate. Só de pensar nela beijando aquela morena idiota, depois saber da namorada. Ai que ódio! Pedra na cruz é pouco, eu devo ter arrotado durante a santa ceia.  ``

-- Não fala assim, menina é pecado a ceia é santa, não se pode arrotar.

Ouvi uma voz diferente e, deixando as divagações de lado, olhei para frente, encontrando o olhar do taxista pelo retrovisor. Aquele senhor – antes, simpático e – desconhecido, olhava-me com reprovação, me fazendo perceber que eu não só pensei, como falei e reclamei em voz alta.

-- Não esquenta moço. Não falei por mal! É só uma expressão muito idiota, eu sei.

-- É que nem sempre eu entendo essas gírias de vocês jovens, filha.

-- Tá tranqüilo moço. – Respondi, virando pra janela. Suspirando cansada.

-- Parece nervosa e cansada, filha. Algum problema?

Fiquei encarando seus olhos pelo retrovisor.  Nunca fui de comentar minha vida com estranhos, mas aquele senhor tinha os olhos receptivos e doces. Sua voz era calma e suave e parecia, gentilmente, interessado em saber o que se passava comigo.

-- Ah, moço a vida anda difícil. Coração tá meio aos trancos. Machucado demais.

Ele sorriu, como quem conhecia e dominava bem a situação.

-- É menina, você me chama de moço, mas eu já sou velho um velho que já rodou muito pela vida. – Calou-se para fazer uma manobra com o carro e voltou a falar, segundos depois. – Você ainda é jovem, tem muito o que viver e aprender.

-- Só acho uma pena a gente ter que aprender com a dor. – Respondi, pensativa. – Eu queria poder controlar esse sentimento essa ânsia desmedida de amar.

-- "Somos inocentes em pensar, que sentimentos são coisas passíveis de serem controladas. Eles simplesmente vêm e vão, não batem na porta, não pedem licença. Invadem, machucam, alegram (...) "

-- O senhor fala como se já tivesse passado por isso tantas e tantas vezes. O senhor nem está tão velho assim. – Sorrimos. – Mas, já deve ter ouvido tantas e tantas histórias como essa, deve ter aconselhado tantas pessoas que sentam aqui, no banco do seu táxi e reclamam de um coração partido, não é mesmo?

-- Ah, menina. Quem não passou por isso, não é mesmo? Mas. `` deixo tudo assim, não me importo em ver a idade em mim. Ouço o que convém. Eu gosto é do gasto. `` 

-- Eu tenho vontade de voltar no tempo. – Confessei –  Impedir aquele encontro. Impedir que nossos olhos se encontrassem.

-- Eu também já pensei nisso, menina. Já tive essa ânsia de amar, de mudar o mundo. De vencer o tempo. Mas, o moço deu lugar ao velho. A vida me fez entender e eu percebi que. `` e se eu fosse o primeiro a voltar, pra mudar o que eu fiz, quem então agora eu seria?

O moço e o velho.

Era isso.

Contradição.

Pressa. Euforia. Ânsia. Juventude.

Calmaria. Paciência. Sabedoria. Velhice.

Aprendizagem.

A vida. Seus momentos, dores e tormentos, nos moldam aos poucos.

O tempo nos molda muito.

A dor nos molda mais um tanto.

De cada problema superado, nós levamos uma lição. Retiramos um aprendizado. Crescemos.
Precisamos conhecer o lado doloroso da vida para amadurecer. Aprender.

Amanhã eu serei diferente do que sou hoje.
Com novas perspectivas e objetivos.
Com outras tantas dores e frustrações.
Faz parte da busca eterna do ser humano. A busca pela vida. Pela felicidade e pela perfeição.
Com a busca, vem a caminhada. Com a caminhada, as pedras. Com as pedras, a necessidade de superação. Com a superação, o aprendizado. Num eterno ciclo. Ciclo esse que cumprimos entre a juventude e a velhice.
O velho e o moço.
O moço e o velho.
Numa contradição necessária.

-- Qual é o nome do senhor mesmo? – Perguntei, curiosa.

-- Willie Nelson.

Sorri, reconhecendo aquele nome.

-- O mesmo daquele cantor?

-- Sim menina. Meu pai gostava muito de música country e quis homenageá-lo.

Sorri.

Voltei a olhar pela janela. Agora, sentindo uma paz estranha diante do silêncio, Willie Nelson ligou o rádio. Não demoramos muito a chegar ao meu destino. Desci do carro e agradeci com carinho. Ele sorriu sábio e se despediu.

-- Nos encontremos por aí menina. Em alguma esquina da vida.

Se despediu, não como quem não me veria nunca mais, mas como quem diz até breve como um flash de um momento irreal, eu sempre me lembraria daquela noite que...

`` No táxi que me trouxe até aqui Willie Nelson me dava razão, as últimas do esporte, hora certa, crime e religião. ``

Me afastei do asfalto e segui para a praia.

`` Nada mais restava. Apenas a noite e, dentro dela, o meu silêncio de incompreensão. Meus passos afundavam na areia deixando uma esteira de poças que conteriam as estrelas, não fosse o imenso escuro de tudo. Cada vez mais lento eu caminhava. Para longe do asfalto. Para longe da cidade. Para longe do medo. Para longe de mim. `` 

Caminhei até a cabana. Depois de tantos anos, eu voltava para meu lugar secreto e sagrado. Acendi a luz. Apanhei um vinho, como companhia, eu levaria meu rádio à pilha. Subiria até o alto da pedra contemplando o mar. E foi o que eu fiz caminhando lentamente, alcancei o alto. Estendi uma toalha e sentei. Uma taça de vinho e muita solidão. Eu revivia momentos de anos atrás.

"Aquele surrado, mal-falado, desacreditado e raro amor, que eu achava que não existia mais. Pois existe. E arrebata, atropela, derruba, o violento surto de felicidade causado pelo simples vislumbre do teu rosto...``

Aumentei o volume do rádio e contemplei o céu escuro. Dele, começava a cair alguns pingos de chuva.

Chuva. 

Queria que a chuva limpasse e lavasse minha alma. Acalmando e apagando o rastro de fogo do meu coração. Queria ser o velho e ter sabedoria. Paciência. Fechei os olhos e senti os pingos baterem contra meu corpo se transformando em lágrimas. Grossas. Aumentando cada vez mais.

A chuva não parava de cair.
A chuva caia sem parar.
Os pingos se multiplicaram, a chuva engrossou. Eu ouvia alguém chamar meu nome.

`` Alguém gritou meu nome ou eu quis escutar. ``

No rádio, uma música torta e interrompida pela interferência da chuva continuava tocando. Ali, no alto daquela pedra eu buscava esconderijo eu encontrava escuridão. Com o corpo exposto e atingido pela chuva, alívio imediato.
Dilúvio
Delírio.

Silêncio.

Chuva.
Alívio.
Imediato.
Alívio Imediato.

Alívio Imediato – Engenheiros do Hawaii..

 http://www.youtube.com/watch?v=A3SkiEurkns

O melhor esconderijo, a maior escuridão
Já não servem de abrigo, já não dão proteção
A Líbia é bombardeada, a libido e o ví­rus
O poder, o pudor, os lábios e o batom 

Que a chuva caia
Como uma luva
Um dilúvio
Um delírio
Que a chuva traga
Alivio imediato
Que a noite caia
De repente caia
Tão demente
Quanto um raio
Que a noite traga
Ali­vio imediato
Há espaço pra todos, há um imenso vazio
Nesse espelho quebrado por alguém que partiu
A noite cai de alturas impossí­veis
E quebra o silencio e parte o coração
Há um muro de concreto entre nossos lábios
Há um muro de Berlim dentro de mim
Tudo se divide, todos se separam
Duas Alemanhas, duas Coreias
Tudo se divide, todos se separam
Que a chuva caia
Como uma luva
Um dilúvio
Um delírio
Que a chuva traga
Alivio imediato
Que a noite caia
De repente caia
Tão demente
Quanto um raio
Que a noite traga
Ali­vio imediato