Fanfic: Codinome Beija-Flor (Portiñon) | Tema: Rebelde

Capítulo 66 – Balada de Agosto.

Dulce...

Sozinha.

Nunca me senti e estive tão sozinha como agora.

Me sinto nua.

Não de corpo, mas de alma.

Perdi tudo.

Amor. Família.

E, recentemente, perdi também o apoio dos meus amigos.

Foi numa segunda ou terça-feira, não me lembro...

Eu estava deitada no sofá, curtindo o peso da minha solidão, observando o teto e admirando o nada, quando elas chegaram.
Angelique e Maite, após alguns dias de ausência, vieram me ver. Durante um mês, elas respeitaram meu tempo e não perguntaram nada. Absolutamente nada. Mas, o tempo de respostas havia acabado, e ali estávamos. Nós três, como nos velhos e em todos os tempos. Maite, como sempre, tomou a iniciativa de perguntar.

-- Por que, Dul? Você não a amava tanto?Aconteceu alguma coisa?

Eu, sem coragem de contar a verdade, me calei.

Omiti

Menti.

--  Não, não aconteceu nada. Só achei que estava sério demais. Você sabe que eu nunca fui de me apaixonar, de me prender a ninguém.  Eu quero ficar sozinha, curtir um pouco.

Angelique me olhou intrigada.

Eu desviei os olhos. Minha voz tinha saído vacilante demais, contrariando as minhas próprias palavras. Os segundos que antecederam as palavras de Maite,me fizeram pensar que eu não estava sendo tão convincente assim. Engano meu.

-- Não acredito nisso, Dulce. E todas as vezes que você sofreu e chorou por ela? Cara, você passou anos rodando de país em país porque não conseguia esquece-la.

Respirei fundo, tentando não vacilar.

-- Ah, Maite. Você me conhece tão bem. Nem deveria estar espantada assim. Isso foi porque eu não tinha Anahi ainda. Eu gosto do jogo de sedução, da conquista, quando você consegue, perde a graça. E foi assim comigo também. Perdeu a graça. Enjoou. Cansou..

Maite me olhou com desprezo.

Angelique prendeu a respiração.

E eu...

Eu sabia que ali, naquele momento, eu sofria mais uma perda.

-- Você só pode ser maluca. " Uma pessoa não é  um doce que você enjoa, empurra o prato e diz: Não quero mais . " Você pensou em como ela ficaria? Em todas as coisas que ela abandonou por sua causa? Por te amar, Dulce. Ela rompeu um casamento de anos, enfrentou o mundo e a família.

-- Mai...

-- Não tem Mai nenhuma, cara.  Você é uma egoísta do Ca*ralho, mimada. Só sabe brincar e enganar as pessoas. Você fala tanto do seu pai, mas é igual a ele. Não tem escrúpulos e muito menos coração. Não sei como eu pude me enganar tanto com você, dentro desse coração só tem gelo. Não ama e não aceita ser amada.  Vai acabar sozinha, Dulce. Sozinha.

Ironia.

Mais uma ironia sendo jogada na minha cara.
Maite, minha amiga de tantos e tantos anos, me comparando ao meu pai. Doeu.
Mais uma vez eu sentia a dor da perda.

Irreparável.

Latente

Injusta demais.

Maite cuspiu as palavras e saiu, deixando-me apenas com a certeza de que o poço não tinha fundo. E eu me afundava, afundava, afundava cada vez mais.

Angelique permaneceu.
Olhou-me com os olhos nublados e confusos.

-- Você não vai se defender? Diz pra ela que é tudo mentira, Dul.

-- Você sabe que é verdade, Angel. A Maite tem razão.

-- Dul, você disse que quer curtir, aproveitar a vida, mas não sai dessa cabana. Tem dias que você tá aqui sozinha. Me diz o que está acontecendo.

-- Não tá acontecendo nada, Angel. Eu só enjoei, não quis mais ficar com a Anahi. Vou fazer que nem você, ficar livre, curtir, badalar.

-- Eu nunca magoei ninguém e nem pretendo.  – Ela respondeu, esquivando-se da comparação. Antes de sair, ainda completou: – Se cuida!

Acompanhando silenciosa e pausadamente, eu vi as pessoas se afastarem. Uma a uma. E eu que sempre estive rodeada de pessoas, me encontro nesse estágio avançado de solidão

Sem amigos, sem amor, sem família e sem compreensão.

"Acho que quem está de fora não pode condenar, condenar simplesmente é desprezível — é preciso compreender."   

Essa revolta é o que mais me machuca. Esse gosto de traição que não sai da minha boca. Eu me sinto traída.

Incapaz.

Não queria estar sendo vítima de uma armação do meu pai. Meu próprio pai. Não queria ter que mentir e machucar as pessoas que eu mais amo na vida.

Vida.
Mais uma vez ela me pregou uma peça.

" Vida de ventos e voltas. "

Cada vez mais eu me desencontrava das coisas boas da vida. Como uma areia que escapa e escorre por entre os dedos, eu deixei minha felicidade passar.
Esvair.

A dor da renúncia foi tomando conta de mim. Eu dormia e acordava com o gosto do amargo. A sensação de impotência afastava a vontade de viver. Em outra época, eu acharia tudo muito exagerado e dramático demais. Nessa mesma outra época, eu não sabia o que era amar.
Eu não sabia que amar doía tanto... E tanto e tanto.

Os dias passaram e a dor permaneceu. Permaneceu até se tornar constante. Tão constante que adormeceu.
Eu não sabia mais o que era viver sem dor

`` Uma dor que dói tanto até que para de doer. ``

E assim, com a certeza de que doeria pra sempre, eu tentava viver sem Anahi. Outro dia eu estava na internet, procurando algo de interessante, quando me deparei um e-mail desconhecido. Era o link do site do Ministério Público com o resultado do concurso. Anahi tinha sido aprovada com louvor. A outra parte do trato estava cumprida. Caberia a mim saber administrar a vontade e a tristeza de não poder comemorar junto dela.

`` Para me dar força, escrevi no espelho do meu quarto :` Tá certo que o sonho acabou, mas também não precisa virar pesadelo, não é? ` É o que estou tentando vivenciar.
Certo, muitas ilusões dançaram - mas eu me recuso a descrer absolutamente de tudo, eu faço força para manter algumas esperanças acesas, como velas. Também não quero dramatizar e fazer dos problemas reais monstros insolúveis, becos sem-saída.
Nada é muito terrível. Só viver, não é?
A barra mesmo é ter que estar vivo e ter que desdobrar, batalhar um jeito qualquer de ficar numa boa. O meu tem sido olhar pra dentro, devagar, ter muito cuidado com cada palavra, com cada movimento, com cada coisa que me ligue ao de fora. Até que os dois ritmos naturalmente se encaixem outra vez e passem a fluir.
Porque não estou fluindo. ``

Rasguei a folhinha do calendário que estava colada na parede. Julho tinha acabado.

Que venha agosto.

Mais um mês do desgosto.

Para comemorar, liguei o rádio e abri um vinho.

Encerrando minha noite na balada.

Na minha balada de agosto.

Balada de Agosto - Zeca Baleiro e Fagner

http://www.youtube.com/watch?v=kE64Lg5PSBw

 Lá fora a chuva desaba e aqui no meu rosto
Cinzas de agosto e na mesa o vinho derramado
Tanto orgulho que não meço
O remorso das palavras que não digo

Mesmo na luz não há quem possa se esconder no escuro
Duro caminho o vento a voz da tempestade
No filme ou na novela
É o disfarce que revela o bandido

Meu coração vive cheio de amor e deserto
Perto de ti dança a minha alma desarmada
Nada peço ao sol que brilha 
Se o mar é uma armadilha nos teus olhos