Fanfic: A Maldiçao do Tigre AyA | Tema: RBD AyA
— Srta. Anahi! - o Sr. Kamal me cumprimentou
calorosamente. - Também estou feliz em vê-la!
Espero que os meninos tenham cuidado bem de
você.
Poncho bufou e encontrou um lugar na sombra para
descansar.
- Cuidaram, sim. Estou bem.
O Sr. Kamal me levou até um tronco perto de
sua fogueira.
- Sente-se aqui e descanse enquanto arrumo as
coisas.
Fiquei comendo um biscoito enquanto observava
o Sr. Kamal andar de um lado para outro
desarmando a barraca e empacotando seus
livros. Seu acampamento era tão bem organizado
quanto eu esperava. Ele usara a traseira do Jeep
para guardar os livros e outros materiais de
estudo. Uma fogueira crepitava e ele tinha
bastante madeira empilhada ao lado. A barraca
parecia cara, pesada e muito mais complicada de
armar do que a minha. Ele contava até com uma
escrivaninha dobrável coberta por papéis
mantidos no lugar por pedras limpas e lisas.
Eu me levantei e olhei os papéis, curiosa.
- Sr. Kamal, estas são as traduções da profecia
de Durga?
Ouvi um grunhido e um leve silvo quando o Sr.
Kamal puxou uma pesada estaca do chão. A
barraca subitamente se dobrou, formando uma
pilha de lona verde. Ele se ergueu para responder
à minha pergunta.
- Sim. Comecei a trabalhar na tradução do
monólito. Estou achando que precisamos ir para
Hampi. Também já tenho uma ideia melhor do
que estamos procurando.
Apanhei suas anotações. A maior parte delas não
estava escrita em inglês. Enquanto eu bebia
água, minha mão se dirigiu ao amuleto que
Felipe tinha me dado.
- Sr. Kamal, Felipe me deu seu pedaço do
amuleto, na esperança de que ele vá me
proteger. O seu o protege? O senhor ainda pode
ser ferido?
Ele terminava de guardar a barraca embalada no
Jeep. Então se recostou no pára-choque e disse:
- O amuleto ajuda a me proteger de ferimentos
graves, mas eu ainda posso me cortar ou cair e
torcer o tornozelo.
O Sr. Kamal esfregava a barba aparada,
pensativo:
- Eu já tive mal-estares, mas não doenças graves.
Meus cortes e contusões saram rapidamente,
embora não tão rapidamente quanto os de Poncho e
Felipe.
Ele pegou o amuleto que pendia do meu pescoço
e o examinou com atenção.
- Os diferentes pedaços podem ter propriedades
diferentes. Não sabemos de fato a extensão de
seu poder. Trata-se de um mistério que pretendo
solucionar um dia. O importante, porém, é não
correr riscos. Se alguma coisa parecer perigosa,
evite-a. Se algo a perseguir, corra. Entendeu?
- Entendi.
Ele soltou o amuleto e voltou a guardar as coisas
no Jeep.
- Fico feliz que Felipe tenha concordado em
deixá-lo com você.
- Concordado? Pensei que fosse idéia dele.
- Não. A verdadeira razão de Poncho querer parar
aqui era conseguir o amuleto. Não iria embora
sem convencer Felipe a deixá-la ficar com ele.
Confusa, eu disse:
- Pensei que estivéssemos tentando convencer
Felipe a se juntar a nós.
O Sr. Kamal sacudiu a cabeça, com tristeza.
- Sabíamos que havia pouca esperança de que
isso acontecesse. Felipe tem se mostrado
indiferente a todos os esforços que fiz para
recrutá-lo para nossa causa. Ao longo dos anos
tentei convencê-lo a sair da selva e levar uma
vida mais confortável na casa, mas ele prefere
ficar aqui.
Assenti.
- Ele está se punindo pela morte de Clara.
O Sr. Kamal me olhou, surpreso.
- Ele falou sobre isso com você?
- Sim. Ele me contou o que aconteceu quando
Clara morreu. Ainda se culpa. E não só pela
morte dela como também pelo que aconteceu
com ele e com Poncho. Eu me sinto muito triste por
Felipe.
- Para uma pessoa tão jovem, a senhorita é muito
compassiva e perspicaz. Que bom que Felipe
confiou em você. Ainda há esperanças para ele.
Ajudei-o a reunir seus papéis e guardar a mesa e
a cadeira dobráveis. Quando acabamos, bati
levemente no ombro de Poncho para avisá-lo que estávamos
prontos para partir. Ele se levantou
devagar, arqueou as costas, contraiu a cauda e
então enroscou a língua em um bocejo gigante.
Depois de esfregar a cabeça na minha mão, ele
me seguiu até o Jeep. Sentei-me no banco do
carona, deixando a porta de trás aberta para que
Poncho se esparramasse no banco.
De volta à estrada, o Sr. Kamal parecia até
gostar de ziguezaguear pela trilha de obstáculos
de cepos de árvores, arbustos, pedras e buracos.
Os amortecedores do Jeep eram excelentes, mas
eu ainda tinha que me segurar com força na alça
da porta e me firmar no painel para não bater a
cabeça no teto. Por fim, nos vimos outra vez no
asfalto liso, seguindo para sudoeste.
O Sr. Kamal me incitou:
- Fale-me sobre sua semana com dois tigres.
Espiei Poncho no banco de trás. Ele parecia estar
cochilando, por isso resolvi começar a lhe contar
sobre a caçada. Depois voltei no tempo e falei
sobre todo o resto. Bem, quase todo o resto. Não
mencionei o episódio do beijo. Não que eu
pensasse que o Sr. Kamal não entenderia; na
verdade, acho que teria entendido. Mas, como
não dava para saber se Poncho estava mesmo dormindo
no banco de trás e eu ainda não estava
pronta para partilhar meus sentimentos, deixei
essa parte de fora.
O Sr. Kamal estava interessado em saber
principalmente de Felipe. Ele tinha ficado
chocado quando o príncipe mais jovem saíra da
floresta pedindo mais comida para mim. Disse
que Felipe aparentemente não ligava para nada
nem ninguém desde que os pais morreram.
Eu lhe contei que Felipe ficara comigo por cinco
dias enquanto Poncho caçava e que conversamos
sobre como ele conheceu Clara. Tentei manter
a voz baixa enquanto falava sobre ela, para não
aborrecer Poncho.
Dava para ver que o Sr. Kamal sabia mais coisas
e poderia ter preenchido algumas lacunas para
mim, mas percebi que não daria informações sem
necessidade. Ele era o tipo de homem que sabia
guardar segredos. Esse seu traço funcionava
tanto a meu favor como contra mim. Por fim,
mudei o assunto para a infância de Poncho e Felipe.
- Ah, os garotos eram o orgulho e a alegria dos
pais: príncipes reais com um dom para se
meterem em encrencas e saírem delas com a
ajuda de seu charme. Eles podiam ter tudo que o
quisessem, mas precisavam se esforçar para
merecer.
O Sr. Kamal sorria ao relembrar a infância dos
irmãos.
- Deschen, a mãe, era pouco convencional para os
padrões da Índia. Ela os levava, disfarçados, para
brincar com crianças pobres. Queria que os filhos
fossem abertos a todas as culturas e práticas
religiosas. O casamento com o pai deles, o rei
Rajaram, foi a união de duas culturas. Ele a
amava e fazia suas vontades, não se importando
com o que as outras pessoas pensavam. Os
meninos foram criados com o melhor de ambos
os mundos. Eles estudaram de tudo, de política e
conflitos armados a pastoreio e colheitas.
Receberam treinamento nas armas indianas e
também tiveram acesso aos melhores
professores de toda a Ásia.
- Eles faziam outras coisas? Como adolescentes
comuns?
- Que tipo de coisas?
Eu me encolhi, nervosa.
- Eles... namoravam?
O Sr. Kamal arqueou uma sobrancelha, curioso.
- Não. Certamente não. Antes de a senhorita me
contar aquela história, eu nunca tinha ouvido
falar que um dos dois houvesse dado uma
escapada romântica. Na verdade, eles não
tinham tempo para isso e, de qualquer forma, os
dois iam mesmo ter casamentos arranjados.
Descansei a cabeça no encosto do banco depois
de recliná-lo um pouco. Tentei imaginar como era
a vida deles. Devia ser difícil não ter escolhas,
mas, por outro lado, eles eram privilegiados
quando outras pessoas tinham muito menos.
Ainda assim, a liberdade de escolha era algo que
eu prezava.
Não demorou muito para que meus pensamentos
se tornassem nebulosos e meu corpo cansado me
levasse a um sono profundo. Quando acordei, o
Sr. Kamal me entregou um sanduíche e um copo
grande de suco de fruta.
- Coma alguma coisa. Vamos pernoitar em um
hotel para que você tenha uma boa noite de sono
em uma cama confortável, para variar.
- E quanto a Poncho?
- Escolhi um hotel que fica perto da selva.
Podemos deixá-lo ali e apanhá-lo quando
estivermos partindo.
- E as armadilhas para tigres?
O Sr. Kamal riu.
- Ele lhe contou sobre isso, não foi? Não se
preocupe, Srta. Anahi. Ele não vai cometer o
mesmo erro duas vezes. Não existem animais
grandes nesta área, portanto a gente da cidade
não vai procurar por ele. Se Poncho agir com
discrição, não vai ter problemas.
Uma hora depois, o Sr. Kamal parou perto de um
trecho denso da selva nos arredores de uma
cidadezinha, para que Poncho saltasse. Seguimos
até um vilarejo movimentado com pessoas
vestidas de tons vibrantes e casas coloridas e
estacionamos na frente do hotel.
- Não é um cinco estrelas - explicou o Sr. Kamal
mas tem lá os seus encantos.
O Sr. Kamal se aproximou do balcão da recepção
do hotel enquanto eu perambulava por ali,
examinando os interessantes produtos à venda
numa loja de conveniência. Encontrei barras de
chocolate e refrigerantes americanos misturados
a doces incomuns e picolés de sabores exóticos.
Ele pegou nossas chaves e comprou dois
refrigerantes e dois picolés.
O hotel cor de menta de dois andares tinha um
portão de ferro batido, um pátio de concreto e
arremates rosa-flamingo. Meu quarto tinha uma
cama de casal. Uma cortina colorida escondia um
pequeno closet com alguns cabides de madeira.
Uma bacia e um jarro de água fresca, assim como
um par de canecas de cerâmica, descansavam
sobre a mesa. Em vez de um aparelho de ar
condicionado, um ventilador rodava
preguiçosamente no teto, mal movimentando o
ar quente. Não havia banheiro. Todos os
hóspedes tinham que compartilhar as instalações
no primeiro piso. As acomodações eram simples,
mas ainda assim ganhavam facilmente da selva.
Depois de me ver acomodada e de me entregar a
chave, o Sr. Kamal disse que iria me pegar para
jantarmos dali a três horas e então se retirou.
Ele mal havia passado pela porta quando uma
mulher indiana, vestindo uma camisa laranja
esvoaçante sobre uma saia branca, veio recolher
minhas roupas sujas. Pouco depois, ela voltava
com as roupas lavadas e as pendurava no varal
diante da minha porta. As peças adejavam
tranquilamente na brisa e eu dormi ouvindo os
ruídos relaxantes do lugar.
Depois de um breve cochilo e de esboçar alguns
desenhos de Poncho como tigre, eu trancei o cabelo
e o prendi com uma fita vermelha para combinar
com a saia também vermelha. Tinha acabado de
calçar os tênis quando o Sr. Kamal bateu à porta.
Ele me levou para jantar no que disse ser o
melhor restaurante da cidade: A Flor de Manga.
Tomamos um pequeno barco-táxi, atravessamos
o rio e caminhamos até uma construção que
parecia uma casa de fazenda, cercada por
bananeiras, palmeiras e mangueiras.
Fomos conduzidos até os fundos e passamos por
um caminho calçado de pedras que levava a uma
impressionante vista do rio. Pesadas mesas de
madeira com tampos polidos e lisos e bancos de
pedra espalhavam-se por todo o pátio. Lanternas
de ferro trabalhado montadas no canto de cada
mesa constituíam a única fonte de luz disponível.
Um arco de tijolos à direita era coberto por
jasmins brancos que perfumavam o ar noturno.
- Que lugar lindo, Sr. Kamal!
- Foi o recepcionista do hotel que o recomendou.
Pensei que você gostaria de uma boa refeição, já
que está comendo rações do exército há uma
semana.
Deixei que o Sr. Kamal fizesse o meu pedido,
pois eu não tinha a menor idéia do que dizia o
cardápio. Saboreamos um jantar de arroz
basmati, legumes grelhados, saag de frango -
que vinha a ser frango cozido com creme de
espinafre um peixe branco com chutney de
manga, bolinhos pakora de legumes, camarões
ao coco, pão naan e uma espécie de limonada
que levava uma pitada de cominho e de hortelã
chamada jal jeera. Beberiquei a limonada, achei
que era um pouquinho temperada demais para o
meu gosto e terminei bebendo bastante água.
Quando começamos a comer, perguntei ao Sr.
Kamal o que mais ele aprendera sobre a
profecia.
Ele limpou a boca com o guardanapo, tomou um
gole de água e disse:
- Creio que o que vocês estão procurando seja
chamado de o Fruto Dourado da Índia. - Ele se
aproximou um pouco mais e baixou a voz. - A
história do Fruto Dourado é uma lenda muito
antiga esquecida pela maior parte dos eruditos
modernos. Trata-se supostamente de um objeto
de origem divina dado a Hanuman para que ele o
guardasse e protegesse. Quer que eu lhe conte a
história?
Bebi minha água e assenti.
- A Índia já foi uma vasta terra estéril,
completamente inabitável. Era cheia de
serpentes de fogo, grandes desertos e feras
selvagens. Então os deuses e deusas vieram e o
aspecto da terra mudou. Eles criaram o homem e
deram à humanidade dádivas especiais, sendo o
Fruto Dourado a primeira delas. Quando ele foi
plantado, uma árvore imensa nasceu, depois
vieram os frutos e suas sementes foram
recolhidas e espalhadas por toda a índia,
transformando-a em uma terra fértil capaz de
alimentar milhões de pessoas.
- Mas, se o Fruto Dourado foi plantado, ele não
teria desaparecido ou se transformado nas raízes
da árvore?
- Um dos frutos daquela primeira árvore
amadureceu rapidamente e se tornou dourado.
Ele foi colhido e escondido por Hanuman, o rei de
Kishkin- dha, metade homem, metade macaco.
Enquanto o fruto estiver protegido, o povo da
Índia terá alimento.
- Então é esse o fruto que precisamos encontrar?
E se Hanuman ainda o estiver protegendo e nós
não conseguirmos chegar até ele?
- Hanuman guardou o fruto em sua fortaleza e o
cercou de servos imortais para vigiá-lo. Não sei
muito sobre o tipo de barreiras que seriam erguidas
para deter vocês. Suponho que haverá
mais do que uma armadilha projetada para tirálos
de seu caminho. Por outro lado, você é a
protegida de Durga e portanto contará com a
ajuda dela.
Esfreguei minha mão distraidamente. Ela
formigava. O desenho de hena desbotara, mas eu
sabia que ele ainda estava ali. Bebi minha água.
- O senhor acha mesmo que vamos encontrar
alguma coisa? Quer dizer, acredita mesmo nessas
coisas?
- Não sei. Espero que seja verdade, para que os
tigres sejam libertos. Tento manter a mente
aberta. Sei que existem poderes que não sou
capaz de compreender e coisas que nos moldam
e que não podemos ver. Eu não deveria estar
vivo, mas de alguma forma estou. Poncho e Felipe
estão aprisionados em uma espécie de magia e é
meu dever ajudá-los.
Devo ter demonstrado minha angústia, porque
ele deu tapinhas em minha mão e disse:
- Não se preocupe. Tenho um forte
pressentimento de que tudo vai dar certo no fim.
É a fé que me mantém concentrado em nosso
objetivo. Tenho grande confiança em você e em
Poncho, e acredito, pela primeira vez em séculos,
que há esperança.
Ele bateu as mãos e esfregou uma palma na
outra.
- Então, vamos voltar nossa atenção para a
sobremesa?
Ele pediu kulfi para nós dois e explicou que se
tratava de um sorvete feito com creme de leite
fresco e nozes. Era refrescante em uma noite
quente, embora não tão doce nem tão cremoso
quanto o sorvete americano.
Após o jantar, caminhamos até o barco,
conversando sobre Hampi. O Sr. Kamal sugeriu
que visitássemos um templo local dedicado a
Durga antes de nos aventurarmos nas ruínas à
procura do portão para Kishkindha.
Passeávamos lentamente, atravessando a cidade
na direção do mercado, quando o Sr. Kamal e eu
avistamos nosso hotel verde menta. Ele se voltou
para mim com uma expressão acanhada e disse:
- Espero que me perdoe por escolher esse hotel
um tanto humilde. Eu queria ficar na cidadezinha
mais próxima à selva para o caso de Poncho precisar
de mim. Ele pode nos alcançar aqui rapidamente
se for preciso e eu me sinto mais seguro com ele
por perto.
- Imagine, Sr. Kamal. Depois de ficar uma
semana na selva, esse hotel parece mais do que
luxuoso.
Ele riu e assentiu com a cabeça. Passamos por
diferentes quiosques e o Sr. Kamal comprou
frutas para o café da manhã e um tipo de bolo de
arroz envolto em folhas de bananeira. Parecia
aquele do almoço que Phet preparara para mim,
mas o Sr. Kamal me garantiu que era doce e não
condimentado.
Depois de me aprontar para dormir, afofei o
travesseiro, puxei minha colcha recém-lavada e
seca sobre o colo e pensei em Poncho lá na selva
sozinho. Senti culpa por estar no hotel e ele lá
fora. Além disso, eu tinha saudade dele e me
sentia solitária. Gostava de tê-lo por perto.
Suspirando profundamente, desfiz minha trança,
me deitei e mergulhei em um sono leve.
Por volta da meia-noite, uma batida suave na
porta me acordou. Hesitei em abri-la. Era tarde e
certamente não poderia ser o Sr. Kamal. Fui até
a porta, pousei a mão silenciosamente nela e
fiquei escutando.
Houve uma batida abafada novamente e ouvi
uma voz familiar sussurrar:
- Anahi, sou eu.
Destranquei a porta e espiei lá fora. Poncho estava
parado ali, vestido com suas roupas brancas,
descalço, com um sorriso triunfante no rosto.
Puxei-o para dentro e murmurei:
- O que está fazendo aqui? É perigoso vir à
cidade! Você podia ter sido visto e eles
mandariam caçadores atrás de você!
Ele deu de ombros e sorriu.
- Senti saudade de você.
Minha boca se contraiu em um meio sorriso.
- Eu também.
Ele apoiou o ombro, indiferente, na moldura da
porta.
- Isso significa que você vai me deixar ficar aqui?
Eu durmo no chão e vou embora antes de
amanhecer. Ninguém vai me ver.
Soltei um suspiro profundo.
- Certo, mas prometa que vai embora cedo. Não
gosto que você se arrisque assim.
- Prometo. - Ele se sentou na cama, pegou minha
mão e me puxou para me sentar ao lado dele. -
Não gosto de dormir na selva escura sozinho.
- Eu também não gostaria.
Ele olhou para nossas mãos entrelaçadas.
- Quando estou com você, me sinto humano
novamente. Quando estou lá fora sozinho, eu me
sinto uma fera, um animal.
Seus olhos encontraram os meus e eu apertei sua
mão.
- Eu entendo. Está tudo bem. De verdade.
Ele sorriu.
- Foi difícil rastrear vocês, sabia? Para minha
sorte, resolveram sair para jantar, assim pude
seguir o cheiro de vocês até aqui.
Algo na mesinha de cabeceira chamou sua
atenção. Inclinando-se por trás de mim, ele
estendeu a mão e pegou meu diário aberto. Eu
havia feito um novo desenho de um tigre - o meu
tigre. Meus desenhos no circo eram satisfatórios,
mas este último era mais pessoal e cheio de vida.
Poncho ficou olhando-o por um momento enquanto
minhas bochechas mudavam de cor.
Ele traçou o desenho do tigre com o dedo e então
sussurrou:
- Um dia eu vou lhe dar um retrato do meu eu
verdadeiro.
Deixando o diário de lado com cuidado, ele
tomou minhas mãos nas dele, virou-se para mim
com uma expressão intensa e disse:
- Não quero que você veja apenas um tigre
quando olha para mim. Quero que veja a mim: o
homem.
Estendendo a mão, ele quase tocou o meu rosto,
mas, a meio caminho, se deteve e recolheu a
mão.
- Venho usando a face do tigre há tempo demais.
Ele roubou a minha humanidade.
Assenti enquanto ele apertava minhas mãos e
dizia bem baixinho:
- Annie, eu não quero mais ser ele. Quero ser eu
mesmo. Quero ter uma vida.
- Eu sei - falei com delicadeza. Ergui a mão e
acariciei seu rosto. - Poncho, eu...
Fiquei paralisada quando ele levou minha mão
lentamente aos lábios e beijou sua palma. Minha
mão formigava. Seus olhos azuis esquadrinhavam
meu rosto desesperadamente, querendo,
precisando que eu lhe desse algo.
Eu queria dizer algo que o tranquilizasse. Queria
lhe oferecer conforto. Mas não conseguia reunir
as palavras. Sua súplica me comoveu. Senti uma
ligação profunda com ele, uma forte conexão.
Queria ajudá-lo, queria ser sua amiga e queria...
talvez algo mais. Tentei identificar minhas
reações. O que eu sentia por ele parecia
complicado demais para definir, mas logo se
tornou óbvio para mim que a emoção mais forte
que eu sentia, a que estava agitando meu
coração, era... amor.
Eu havia construído uma represa em torno do
meu coração depois que minha família morreu.
Não me permitira amar ninguém porque temia
que essa pessoa fosse tirada de mim outra vez.
Intencionalmente, evitava laços estreitos. Eu
gostava das pessoas e tinha muitas amizades,
mas não me arriscava a amar.
A vulnerabilidade dele me permitiu baixar a
guarda e, de maneira delicada e metódica, ele
derrubou minha bem construída barragem. Ondas
de ternura batiam nas bordas do muro e se
introduziam furtivamente nas rachaduras. Os
sentimentos transbordaram e caíram sobre mim.
Era assustador me abrir para amar alguém
novamente. Meu coração batia com força. Eu
tinha certeza de que ele podia ouvi-lo.
A expressão de Poncho mudou enquanto ele
observava meu rosto. Sua expressão de tristeza
foi substituída por uma de preocupação comigo.
Qual era o próximo passo? O que eu devia fazer?
O que dizer? Como partilho o que estou sentindo?
Eu me lembrei dos filmes românticos que via com
minha mãe e de nossa frase favorita: "Cale a
boca e beije-a logo!" Ficávamos frustradas
quando o herói ou a heroína não fazia o que era
tão óbvio para nós e, toda vez que ocorria um
momento de tensão romântica, repetíamos o
nosso mantra. Eu podia ouvir em minha mente a
voz bem-humorada da minha mãe me dando o
mesmo conselho: "Annie, cale a boca e beije-o
logo!"
Assim, reuni coragem e, antes que mudasse de
ideia, inclinei-me para a frente e o beijei.
Ele ficou paralisado. Não correspondeu ao meu
beijo. Não me repeliu. Ele simplesmente parou...
de se mover. Eu me afastei, vi o choque em seu
rosto e imediatamente me arrependi de minha
ousadia. Então me levantei e me afastei,
constrangida. Eu queria pôr alguma distância
entre nós enquanto tentava freneticamente
reconstruir os muros em torno do meu coração.
Então ouvi que Poncho se movia. Ele pôs a mão sob
meu cotovelo e me fez virar. Eu não conseguia
olhar para ele. Fiquei olhando seus pés descalços.
Ele colocou um dedo sob o meu queixo e tentou
me fazer erguer a cabeça, mas ainda assim eu
me recusava a olhá-lo nos olhos.
- Anahi, olhe para mim. - Levantando os olhos,
eles seguiram dos seus pés para um botão
branco no meio de sua camisa. - Olhe para mim.
Meus olhos continuaram sua jornada. Deslizaram
pelo bronze dourado de seu peito, seu pescoço e
então pousaram em seu lindo rosto. Os olhos azul
cobalto perscrutaram os meus, questionadores.
Ele deu um passo à frente, aproximando-se mais.
Minha respiração ficou presa na garganta. Estendendo
a mão, ele lentamente a deslizou em
torno da minha cintura. Sua outra mão segurou
meu queixo. Ainda examinando meu rosto, ele
colocou a palma em minha bochecha e traçou o
arco da maçã do meu rosto com o polegar.
Seu toque era doce, hesitante e cuidadoso. A
expressão dele era de espanto e compreensão.
Eu estremeci. Ele ficou parado por mais um
momento, então sorriu com ternura, baixou a
cabeça e roçou os lábios nos meus.
Poncho me beijou delicadamente, um beijo que era
quase um suspiro. Sua outra mão também
deslizou para minha cintura. Toquei seus braços
com a ponta dos meus dedos. Ele estava quente
e sua pele era macia. Ele me puxou devagar para
mais perto e eu apertei seus braços.
Ele suspirou de prazer e aprofundou o beijo. Eu
me dissolvi em seus braços.
Como eu estava conseguindo respirar? Seu
aroma de sândalo me envolvia. Cada ponto em
que ele me tocava, eu sentia formigar e ganhar
vida.
Agarrei seus braços com ardor. Sem que seus
lábios deixassem os meus, Poncho pegou meus
braços e os enroscou, um de cada vez, em seu
pescoço. Então deslizou uma das mãos pelo meu
braço nu, indo até a cintura, enquanto a outra
escorregava até meu cabelo. Antes que eu me
desse conta do que ele planejava fazer, ele me
levantou com um braço e me abraçou de
encontro a seu peito.
Não tenho a menor ideia de quanto tempo
ficamos nos beijando. Parecia um mero segundo,
ao mesmo tempo que parecia uma eternidade.
Meus pés descalços pendiam vários centímetros
acima do chão. Ele sustentava todo o peso do
meu corpo facilmente com um só braço. Enterrei
meus dedos em seu cabelo e senti um ronco em
seu peito, semelhante ao ronronar que ele fazia
como tigre. Depois disso, todo pensamento
coerente desapareceu e o tempo parou.
Todos os neurônios disparavam em meu cérebro
simultaneamente. Eu não tinha a menor ideia de
que beijar fosse assim - uma sobrecarga
sensorial.
Em algum momento, Poncho me pôs no chão, com
relutância. Ele ainda sustentava meu peso, o que
era bom, pois eu me sentia prestes a
desmoronar. Com a mão em minha face, ele
correu um polegar pelo meu lábio inferior,
mantendo um braço em torno de minha cintura.
Então a outra mão se dirigiu ao meu cabelo e
seus dedos começaram a retorcer os fios soltos.
Precisei piscar várias vezes para clarear minha
visão.
Ele riu baixinho.
- Respire, Anahi.
Ele exibia um sorriso convencido, o que, por
alguma razão, acendeu minha ira.
- Você parece muito satisfeito consigo mesmo.
- E estou.
Sorrindo afetadamente de volta para ele, eu
disse:
- Bem, você não pediu minha permissão.
- Humm, talvez devamos consertar isso. - Ele
correu os dedos pelo meu braço, desenhando
pequenos círculos. - Anahi?
Eu observava o progresso de seus dedos e
murmurei, distraída:
- Oi?
Ele chegou ainda mais perto.
- Eu...
- Humm?
- Tenho a sua... - Ele começou afagar com o nariz
meu pescoço até chegar à orelha. Seus lábios me
faziam cócegas enquanto ele sussurrava e eu
senti que ele sorria. - ...permissão...
Um arrepio percorreu meus braços e eu
estremeci.
- ...para beijá-la?
Assenti com a cabeça, debilmente. Na ponta dos
pés, deslizei os braços em torno de seu pescoço,
demonstrando que eu lhe dava permissão. Ele
traçou um rastro de beijos da minha orelha até a
bochecha em um movimento dolorosamente
lento. Então se deteve, pairando a milímetros dos
meus lábios, e esperou.
Eu sabia o que ele estava esperando. Hesitei
apenas por um breve segundo antes de
sussurrar:
- Sim.
Sorrindo, vitorioso, ele me apertou de encontro
ao seu peito e tornou a me beijar. Dessa vez, o
beijo foi mais ousado e brincalhão. Percorri com
as mãos seus ombros fortes e o pescoço, e o
apertei contra mim.
Quando Poncho se afastou, seu rosto estava
iluminado por um sorriso extasiado. Ele me
levantou e rodopiou comigo pelo quarto, rindo.
Quando eu já estava totalmente tonta, ele se
acalmou e tocou a minha testa com a dele. Com
timidez, levei a mão ao seu rosto, explorando os
ângulos de seus ossos e os lábios com as pontas
dos dedos. Ele se inclinou ao meu toque, à semelhança
do tigre. Eu ri e corri as mãos pelos seus
cabelos, afastando-os de seu rosto, adorando o
toque sedoso.
Eu me sentia arrebatada. Não esperava que um
primeiro beijo fosse tão... transformador. Em
poucos e breves momentos, o manual do meu
universo fora reescrito. De repente, eu era uma
nova pessoa. Tão frágil quanto um recémnascido,
temendo que quanto mais fundo eu
permitisse que o relacionamento progredisse,
pior seria se Poncho me deixasse. O que seria de
nós? Não havia como saber e eu percebi que
coisa delicada era um coração. Não era de
admirar que eu tivesse mantido o meu trancado
a sete chaves.
Poncho parecia alheio aos meus pensamentos
negativos e eu tentei empurrá- -los para o fundo
da mente e desfrutar aquele momento com ele.
Colocando-me no chão, ele tornou a me beijar,
dessa vez brevemente, e depositou beijos
delicados na minha nuca e no pescoço. Então me
abraçou com ternura e apenas me manteve ali,
junto dele. Acariciando meus cabelos, ele
sussurrou palavras suaves em sua língua nativa.
Depois de um longo momento, ele suspirou,
beijou meu rosto e me levou na direção da cama.
- Durma um pouco, Anahi. Nós dois precisamos
descansar.
Depois de uma última carícia em meu rosto com
as costas dos dedos, ele se transformou em tigre
e deitou-se no tapete ao lado da cama. Eu me
acomodei debaixo da colcha e me inclinei para
acariciar sua cabeça. Apoiando o rosto no outro
braço, falei baixinho:
- Boa noite, Poncho.
Ele inclinou a cabeça, esfregando-a na minha
mão, e ronronou. Em seguida, pôs a cabeça sobre
as patas e fechou os olhos.
Na manhã seguinte, Poncho já havia saído quando
acordei. Eu me vesti e bati na porta do Sr.
Kamal.
A porta se abriu e ele sorriu para mim.
- Srta. Anahi! Dormiu bem?
Não percebi nenhum sarcasmo em seu tom e
concluí que Poncho tinha preferido não revelar a
escapada noturna ao Sr. Kamal.
- Sim, dormi muito bem. Um pouco demais, eu
acho. Desculpe.
Ele fez um gesto dispensando as desculpas e me
entregou um bolo de arroz embrulhado em folha
de bananeira, algumas frutas e uma garrafa de
água.
- Não se preocupe. Vamos buscar Poncho e seguir
para o templo de Durga. Não há razão para
pressa.
Voltei ao meu quarto e tomei o café da manhã.
Depois comecei a reunir alguns itens pessoais e
colocá-los em minha pequena bolsa de viagem.
Por várias vezes me peguei sonhando acordada.
Eu olhava no espelho e tocava meu braço, meus
cabelos e lábios, lembrando dos beijos de Poncho.
Tive que me sacudir constantemente e fazer
força para me concentrar. O que eu deveria ter
levado 10 minutos para fazer me tomou uma
hora e meia.
Por cima de tudo na bolsa, coloquei meu diário e
a colcha. Fechei o zíper e saí em busca do Sr.
Kamal. Ele estava à minha espera no Jeep,
examinando alguns mapas. Sorriu para mim,
parecendo de bom humor, embora eu o tivesse
feito esperar tanto tempo.
Apanhamos Poncho, que surgiu saltitando do meio
das árvores como um filhote brincalhão. Quando
alcançou o Jeep, eu me inclinei para acariciá-lo e
ele se ergueu nas patas traseiras, focinhando
minha mão e lambendo meu braço pela janela
aberta. Então saltou para o banco de trás e o Sr.
Kamal deu a partida.
Seguindo cuidadosamente as rotas indicadas no
mapa, pegamos uma estrada de terra que nos
conduziu através da selva, até pararmos por fim
no templo de pedra de Durga.
Autor(a): ju10linha
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
O Sr. Kamal nos instruiu a esperar no carroenquanto ele verificava se havia visitantes notemplo. Poncho enfiou a cabeça entre os bancos ecomeçou a dar cabeçadas no meu ombro até eume virar.- É melhor você manter a cabeça abaixada.Alguém pode vê-lo se não tomar cuidado - faleicom uma risada.O tigre branco emi ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 98
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franmarmentini♥ Postado em 10/09/2015 - 15:59:39
OLÁAAAAAAAAAAAAAA AMORE ESTOU POSTANDO UMA FIC* TE ESPERO LÁ BJUS http://fanfics.com.br/fanfic/49177/em-nome-do-amor-anahi-e-alfonso
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Elis Herrera ❤ Postado em 23/04/2015 - 16:57:14
Postaaaaaaaa =(
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franmarmentini♥♥ Postado em 02/04/2015 - 17:30:00
AMORESSSSSSSSS IREI VIAJAR E JÁ TO COM VÁRIAS FICS EM ATRASO MINHA VIDA TA UMA LOUCURA MAS NUNCA NUNCA VOU DEIXAR DE LER...VOU IR VISITAR A CIDADE ONDE MINHA MÃE ESTÁ INTERRADA QUE FICA PERTO DE PITANGA PARANÁ E É NO SITIO ENTÃO PROVAVELMENTE EU NÃO TENHA COMO LER PQ TENHO MUITOS TIOS LÁ E QUERO VER SE CONSIGO VISITAR TODOS...VOLTO NA TERÇA FEIRA E PROMETO TENTAR COLOCAR EM DIA TODAS AS FICS O QUANTO ANTES BJUSSSSSSSSSSSSSSSS A TODAS AMO VCS!!!!!!!!! FUI....
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franmarmentini Postado em 29/01/2015 - 08:39:07
thatyponny o que vai acontecer??? quero aya juntosssssssssssssss :/ agora vc me deixou apriensiva..;.
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franmarmentini Postado em 29/01/2015 - 08:37:34
quero felipe bem longeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee eeeeeeeeeeeeeee da any,,,,e não vejo a hora dela encontrar o poncho logo :)
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elis_maria Postado em 23/01/2015 - 12:43:03
Posta mais...
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thatyponny Postado em 08/01/2015 - 14:14:54
VOCÊ NÃO SABE QUANTO EU ESPEREI, ESPEREI TANTO QUE JÁ LI TODOS OS LIVROS, MAS LER EM PONNY É UM AMOR O RUIM É QUE EU SEI O QUE VAI ACONTECER.
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franmarmentini Postado em 04/01/2015 - 16:50:57
Ebaaaaaaaaaaa
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franmarmentini Postado em 08/12/2014 - 11:48:24
cade vc?? :(
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elis_herrera Postado em 20/10/2014 - 20:39:49
Olá, continua... gostei de sua fic.