Fanfics Brasil - 31 Uma Escola de Charme - Adaptada Vondy

Fanfic: Uma Escola de Charme - Adaptada Vondy | Tema: Vondy


Capítulo: 31

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Capitulo VIII – Ação Impulsiva


Vocês sabem com que freqüência temos ansiado por uma viagem marítima, como a realização de todos os nossos sonhos de poesia e romance, a compreensão de nossos mais altos conceitos de existência alegre, Livre... Deixe-me assegurar-lhes, meus caros, que ir para o mar não é absolutamente o que achamos que seria.

Harnet Beecher Stowe
Memórias Ensolaradas de Terras Estrangeiras

Dulce sonhou com um bando de lobos atacando-a de todos os lados, mastigando-lhe o salto dos sapatos, reduzindo-lhe as roupas de baixo a retalhos. Desperta abruptamente de seu sono por um assobio agudo, permaneceu deitada em sua cama estreita ao amanhecer e soube que os lobos em seu sonho eram, na verdade, preocupações.

Inalou um ar tão úmido que pareceu encharcar-lhe os pulmões. Suas costas doíam depois de ter dormido encolhida num espaço apertado no escuro. O peru e o vinho da noite anterior haviam caído pesadamente em seu estômago e, quando se levantou para esvaziar seu conteúdo no vaso debaixo da cama, aquilo por si só foi algo repulsivo que suportou apenas fechando os olhos com força e recusando-se a pensar no que fazia. Ela bateu a cabeça na beirada do estrado com tanta força que viu estrelas.

Sentando-se na cama estreita, massageou a região dolorida e espiou pela pequena escotilha. Não teve dúvida de que haviam deixado o ancoradouro no porto e agora estavam detidos apenas pela âncora. Zarpariam a qualquer momento.

Na noite anterior, ela conseguira retirar o espartilho e dormira de combinação. Olhou para a peça, um espartilho que a mãe encomendara especialmente para ela, com aversão. A grande ironia do espartilho era que ele não eliminava o volume do corpo, apenas o empurrava para lugares desconfortáveis. O capitão não exagerara ao chamá-lo de couraça.

Resignada, levantou-se para colocá-lo. Uma dor aguda subiu-lhe pela perna, roubando-lhe o fôlego. Afundou de volta na cama, segurando o tornozelo esquerdo. Com cuidado, tocou o local machucado, contraindo o rosto com a dor. Devia ter torcido o pé quando caíra da escada, diretamente em cima do capitão Uckermann.

Isto não é um cruzeiro de lazer. 

As palavras sarcásticas, ditas na noite anterior, ainda ecoavam em sua mente.

Céus, ela chegara realmente a pensar que seu lugar era naquele navio?

As pessoas haviam-lhe dito a vida inteira que era uma tola. Agora estava, enfim, provando que tinham razão. O que, afinal, estava fazendo num navio, vivendo entre homens de reputação duvidosa e prestes a zarpar para as águas infestadas de piratas do Atlântico sul?

Cerrando os dentes, conseguiu vencer a tribulação de se vestir, sua convicção aumentando a cada gesto. Era Dulce Maria Savinon, de Beacon Hill. Deveria estar em casa lendo um livro, ou fazendo um bordado. Não esbarrando na escassa mobília de uma cabine apertada, tentando fechar o próprio espartilho e do mar os cabelos rebeldes que lhe caíam até a cintura.

Talvez, pensou, as mãos lutando contra os cordões e os colchetes do espartilho, ainda houvesse tempo para mudar de idéia, para recuar. Se corresse, poderia descer do navio até um barco menor. Com certeza, devia haver várias embarcações pequenas indo e vindo do porto de Boston.

Sim, era a atitude certa a tomar. Enrolando o cabelo algumas vezes, prendeu-o com grampos, colocou o chapéu, os óculos e deixou a cabine depressa. Apesar das fisgadas de dor no tornozelo, obrigou-se a caminhar. Uma lufada de ar fresco do mar saudou-a no corredor. Já quase no alto da escada, pôde ver homens atarefados pelo convés, as vozes elevadas numa alegre canção.

“Todos a bordo!
Adeus aos amigos!
Este é o sinal para zarpar.
E o oceano azul atravessar. 
Vamos subir a âncora.
E pensaremos naquelas garotas quando estivermos longe, bem longe,
E pensaremos naquelas garotas quando estivermos longe, bem longe.”


Christopher achava-se no convés principal, e mais uma vez Dulce ficou impressionada com a estonteante beleza máscula que emanava dele como a luz do sol. O capitão bebericava algo de uma caneca e falava com um oficial - da alfândega. Referiam-se a uma papelada em cima da mesa do navegador. Embora detestasse ter que interrompê-los, ela sabia que teria que agir depressa para voltar ao lar onde pertencia.

Lar? A casa em Beacon Hil? Quando fora que pertencera de verdade àquele lugar?

Deixou tais perguntas de lado. Apesar de se sentir quase uma intrusa na própria casa, estava ainda mais deslocada naquele navio, onde homens com cinto de corda amarrando a calça trabalhavam no convés e praguejavam mesmo quando sabiam que havia uma dama por perto.

- Capitão Uckermann - disse, um tanto ofegante, enquanto se adiantava pelo convés ainda mancava por causa da torção no tornozelo. - Eu preciso lhe falar sobre...

- Ah, Srta. Savinon. - Christopher meneou a cabeça bruscamente em sua direção. Depois, rude, virou-se de volta para o oficial aduaneiro. - Eu já forneci três vias do manifesto, senhor. Quanto ao formulário de...

Ela fez uma mesura desajeitada.

- Capitão, só preciso de um minuto de seu tempo...

- Deixe-me apresentar-lhe o Sr. Dickie Warbass da Alfândega - disse ele, sem nem sequer fitá-la.

- Como vai? - Outra mesura apressada. - Desculpe-me interrompê-lo, capitão, mas eu preciso...

- E este aqui. – Christopher passou um documento às mãos dela. - O Sr. Warbass e eu estivemos procurando há meia hora por um certo formulário em português.

Ela baixou o olhar para o papel, franzindo o cenho.

- Mas, capitão, eu...

- O que diz o documento? Eu peço desculpas pela nossa pressa, mas o Sr. Warbass tem outros assuntos a resolver nesta manhã e não devemos detê-lo.

- Tem um bote à sua espera? - perguntou ela ao oficial.

- Sim, claro.

Dulce soltou um suspiro de alívio. O Sr. Warbass poderia levá-la do navio. De volta para seu pai e mãe e para a afeição velada, mas familiar deles. De volta aos irmãos, tão perfeitos e brilhantes que o mundo se ajoelhava a seus pés. De volta a sua adoração secreta por Alfonso Herrera, aos dias de preces solitárias para que ao menos ele a notasse. De volta ao seio de uma sociedade que não a achava bem-vinda.

Pensamentos preocupantes, sem dúvida, mas não tanto quanto a ideia de fazer uma longa viagem marítima na companhia de estranhos em direção a uma terra estrangeira. Não conseguia acreditar que realmente tivesse chegado até ali.

Sentia-se como se estivesse à deriva por águas desconhecidas, sem controle sobre si mesma.

Baixando os óculos pelo nariz, olhou por cima das lentes para ler o documento.

- Isto é uma cópia do contrato de consignação com uma firma chamada “Ferreira e Filho”. Era o que estava procurando, capitão?

Ele apontou para um espaço ao final do documento.

- Minha assinatura vai aqui, presumo?

- Sim. E a data também. E uma marca impressa.

- Providenciarei isso agora mesmo. - Warbass tirou um sinete de latão do bolso.

Enquanto os dois se ocupavam com os documentos, a atenção de Dulce foi atraída pela atividade no navio. Obedecendo com a disciplina de soldados às ordens dadas pelo primeiro imediato, cada membro da tripulação cuidava de sua respectiva tarefa. Todos mostravam força e habilidade e pareciam seguros de seu lugar no mundo.

Sem forçar o tornozelo machucado, ela inclinou a cabeça para trás, sentindo tontura ao observar os mastros acima. Então algo, o salto de sua bota, talvez, prendeu-se num vão entre as tábuas do chão. Ela agitou os braços, querendo se segurar a qualquer coisa e encontrando uma corda por perto. No momento em que a pegou, uma série de nós ao longo de um trecho do cordame se soltou feito uma peça de tricô desmanchada.

Luigi Conti esbravejou uma obscenidade em italiano e avançou para reparar o estrago. Mortificada, Dulce levou as mãos ao rosto flamejante.

- Srta. Savinon? - a voz de Christopher soou como um murmúrio letal junto a seu ouvido.

Um calafrio percorreu-a.

- Sinto muito, eu...

- Acha que poderia criar um outro desastre? São sete e meia e você provocou apenas um até agora.

A ameaça das lágrimas sufocou Dulce por um instante. Obrigou-se a contê-las.

- Não acho que isso seja engraçado, capitão.

- Nem o Sr. Conti ali. - Ele apontou na direção do italiano, que ainda praguejava alto. - Diga-me, você se importaria em alimentar o gatinho? - a voz de Christopher soou falsamente calma.

Dulce franziu o cenho, perplexa.

- Alimentar o...

- Gatinho. Está na minha cabine. Não tem estado bem desde que eu o trouxe a bordo. Há leite numa das garrafas. Dê-lhe um pouco junto com algumas sardinhas.

- Você tem um filhote de gato a bordo e quer que eu o alimente?

- Exato.

- Não acho que isso faça parte das minhas obrigações.

- Se não for alimentar o maldito gato agora - disse Christopher, a aveludada voz sulista elevando-se a cada palavra - Você estará descascando batatas para o Doutor durante os próximos seis meses. - Pareceu crescer em estatura enquanto a ameaça lhe escapava dos lábios. Era realmente alto. Era raro ela conhecer um homem de maior estatura que a sua, mas ali estava um.

- Muito bem - respondeu, com um breve meneio de cabeça, recusando-se a se deixar intimidar por aquele acesso de raiva. Com o tornozelo latejante, rumou para a cabine do capitão, determinada a executar logo a tarefa e voltar a tempo de escapar no bote do Sr. Warbass.

Com um suspiro exasperado, desceu pela escada e entrou na cabine escura. O fato de se encontrar a sós no alojamento particular de Christopher a fez sentir-se como uma intrusa. Lembrando-se da primeira vez em que estivera ali, lançou um olhar para a cama encortinada e estremeceu. Aquele era um conquistador, um mulherengo incorrigível. Devia se sentir alegre por estar prestes a deixar o navio.

Começou a chamar o gatinho numa voz suave. Mas enquanto olhava ao redor, deu-se conta de que não estava procurando o filhote. Estava atenta às coisas que formavam o mundo de Christopher Uckermann. Uma pilha de livros, romances e manuais de navegação. Livros contábeis na escrivaninha. Um pequeno quadro retratando a mãe.

Debaixo da escrivaninha, surgiu um miado quase inaudível. Dulce agachou-se, apoiando-se nas mãos e nos joelhos diante da abertura na frente da escrivaninha e fez um gesto persuasivo com a mão.

- Aí está você.

O filhote passou depressa por ela, correndo até um canto escuro da cabine. Engatinhando, Dulce seguiu-o.

- Venha aqui, sim? Tome o seu leite. Não posso crer que ele se esqueceu de alimentar você nesta manhã.

Havia quase alcançado o gato quando ele tentou se meter por um vão no revestimento de madeira da parede. Ela viu que era, na verdade, um painel, e, franzindo o cenho, fez com que deslizasse para o lado. Viu, com alguma surpresa, o grande cofre de aço. A descoberta produziu-lhe uma onda de nervosismo e lançou um olhar culpado por sobre o ombro. Não deveria estar ali. Mas agora o gato estava preso no vão.

- Venha aqui, gatinho - disse, estalando os dedos. - Oh, por favor, saia.

O gatinho colocou para fora um nariz rosa e desconfiado, depois a pequena cabeça cinzenta e, enfim, o corpo magro. Dulce pegou-o com gentileza e segurou-o junto ao peito. Vendo o animalzinho assustado relaxar, soltou um suspiro de alivio e fechou o painel que ocultava o cofre. Encontrou o leite e as sardinhas e, torcendo o nariz, criou uma pasta de ar nada apetitoso numa pequena bandeja, colocando-a no chão.

O gato começou a se deliciar com o que certamente lhe parecia uma iguaria.

Um apito longo soou no ar e algo bateu pesadamente de encontro ao casco. Dulce subiu depressa de volta ao convés.

Bem a tempo de ver Christopher acenando em despedida para o sr. Warbass, cujo bote era conduzido de volta ao porto por um remador.

- Ele se foi! - exclamou, incrédula.

- Sim - concordou Christopher.

- Mas eu queria...

- Capitão, o navegador está pronto para as nossas coordenadas - informou o Sr. Click, o segundo imediato. - Eu já as coloquei no diário de bordo.

- Com licença, Srta. Savinon. - Christopher afastou-se pelo convés.


Antes que ela pudesse protestar, um som estrondoso cortou o ar e viu os homens recolhendo as grandes âncoras da frente e de trás. O navio sacolejou um pouco e, enfim, assentou no mar feito uma pata botando um ovo. Novos gritos ecoaram, mais movimentação de marujos ao redor.

Céus, ela estava partindo naquela viagem. Partindo contra a sua vontade. Era tão prisioneira quanto se tivesse sido apanhada por piratas. Não sabia se chorava ou se gritava de desespero.

E, então, bem no alto, algo espetacular aconteceu. Com um som quase ensurdecedor, o vento inflou as velas.

Não era um evento que ela pudesse ter imaginado apenas observando da costa ou olhando para gravuras e pinturas. Era como se as velas pulsassem com vida própria, como se as asas de um grande pássaro ganhassem impulso tanto da ave quanto do vento que passava por baixo delas e as erguia. Era como um belo desabrochar.

Segurando-se a uma coluna e inclinando a cabeça para trás, podia olhar para cima e não ver nada exceto lonas brancas e céu azul, o contraste tão intenso que chegava a ofuscar a vista. Então, olhou para a frente, para o mar abrindo-se diante da proa, e quase chorou com a beleza daquilo. A sensação de velocidade era tão nítida que Dulce ouviu risos. Risos puros, cristalinos.

Para sua surpresa, deu-se conta de que o som alegre saia de seus próprios lábios. Originava-se de um entusiasmo profundo como nunca conhecera antes.

Quando fora que havia rido daquela maneira?

Passou a primeira hora da viagem naquele estado de embevecimento e contemplação, apenas segurando-se à coluna, enquanto os marujos cuidavam de suas tarefas e o mar envolvia o Cisne Prata em seu vasto abraço.

Não fizera ideia de que a experiência seria inebriante.

Era maravilhoso sentir o vento soprando em seu rosto. O sangue parecia correr mais depressa por suas veias, dando-lhe uma sensação nova de perspectiva e liberdade. 

Respirou fundo, contraindo o semblante quando o espartilho a impediu de inundar os pulmões por completo com o ar fresco do oceano. No dia seguinte, talvez o usasse um pouco menos apertado. Afinal, o que importava se relaxasse um pouco? Aquilo era uma aventura. Não tinha ninguém a impressionar, desde que desempenhasse bem as suas funções. Depois da viagem, jamais tornaria a ver aquelas pessoas novamente.

Observou a distância entre o navio e o porto aumentando gradativamente. Talvez aquilo fosse um pouco como morrer, o que partia não ficando mais visível para os demais, mas ainda assim ambos os lados continuando a existir, exceto que em mundos diferentes.

Aquele pensamento abriu-lhe a mente para algo que proibira a si mesma por um longo tempo. Começou a sentir esperança outra vez. A ansiar por algo. Sempre fora boa em sonhar, mas o que nunca fizera antes fora acreditar que um sonho poderia de fato se tornar realidade. Acreditava agora. A bela experiência de ver as velas ganhando vida e o navio zarpando pela vastidão do oceano criou possibilidades que nunca haviam lhe ocorrido antes. 

Finalmente, sentiu uma presença por perto e virou-se.

Ali estava Christopher, parecendo bonito e descontraído em roupas muito diferentes das usadas em terra firme. Usava calça de um tecido escuro e macio que se ajustava às suas pernas musculosas de uma maneira decididamente indecente. Em contraste, a camisa branca permanecia folgada na altura do peito e dos ombros, dando-lhe um ar de pirata.

O ressentimento por causa do gato tornou a dominá-la.

- Precisa de algo mais, capitão? - Ficou surpresa e até orgulhosa de seu tom cáustico.

- Não sei o que quer dizer.

Ela obrigou-se a desviar o olhar das inusitadas calças.

- Não tem cães para alimentar também? Talvez algum rato do porão?

O sol cintilou nos olhos dele, mas nenhum sorriso brotou de seus lábios.

- Não há cães a bordo. E os ratos cuidarão de si mesmos.

- Então, talvez haja algo para eu fazer que realmente necessite de minhas habilidades.

- Ah. - O olhar de Christopher percorreu-a com vagar e insolência. - Você tem habilidades?

Dulce observou-lhe o rosto intenso, os olhos esmeraldas, as faces coradas pelo vento. Recusou-se a aceitar-lhe as provocações.

- Não faz ideia do que sou capaz, capitão. Não mesmo. 


Do interior da cabine de comando com William Click, de quem era a vez de ficar ao leme, Christopher manteve um olhar atento em Dulce Savinon. Seu primeiro dia no mar fora uma experiência inédita para ela. Estava maravilhada com o efeito do vento nas velas, com as ondas gentis, e conversava com os marujos com bem menos reserva do que mostrara antes, inclusive ajudando numa pequena tarefa ou duas pelo convés. 

Quando a viu tão entrosada, Christopher sentiu uma ponta de raiva. Queria que ela sofresse, não que desabrochasse. Queria que aprendesse qual era o seu lugar, não que conquistasse um lugar especial para si mesma a bordo.

Ainda assim, vez ou outra, Dulce erguia o rosto na direção do vento e fechava os olhos. Uma expressão de contentamento dominava-a e, sem poder evitar, ele sentia urna afinidade indesejável e estranha com aquela mulher. Partilhava daquele mesmo sentimento que parecia invadi-la quando navegava. Somente um verdadeiro amante do mar podia ser tomado por aquele tipo de emoção.

Céus! A mulher roubara-lhe até aquela alegria, aprendendo a amar o que ele sempre amara.

- Como está sua mãe, capitão? - perguntou Click.

- Está mareada. E sua criada também. Eu já imaginava. - Christopher fora verificar como iam Alexandra e Fayette frequentemente, entreabrindo a porta da cabine para encontrá-las prostradas em suas camas, a mãe olhando com ar desolado pela escotilha e a criada rezando baixinho. Dulce oferecera-se para ajudá-las, mas ambas haviam recusado, preferindo sofrer em privacidade.

- A senhorita ali não parece nem um pouco afetada pelo balanço do mar - observou Click, meneando a cabeça na direção de Dulce, que continuava com o rosto na direção do vento, inalando a fresca brisa do mar. - É uma pessoa estranha, não?

Christopher estudou o segundo imediato, com sua orelha faltando um pedaço de uma mordida que levara, o colete de couro com a pata de coelho no bolso e um saquinho cheio de ossos de morcego preso por um cordão ao pescoço.

- Ninguém melhor do que você para dizer, sem sombra de dúvida.

Christopher traçou as coordenadas e anotou-as. O Doutor serviu o jantar, que ele comeu mesmo de pé, guisado, uma maçã e um generoso copo de suco de laranja-lima.

Então, tomado por um impulso maroto, adiantou-se até a proa, onde Dulce se achava. O chapéu fora-lhe soprado da cabeça e, preso pelas fitas ao pescoço, batia-lhe de encontro às costas com o vento. Mechas longas dos cabelos castanhos haviam-se desprendido do coque e esvoaçavam livremente. Ela parecia alheia ao seu desalinho enquanto observava o progresso do navio.

- Você já comeu? - perguntou Christopher sem cumprimentá-la.

- Comi metade de uma maçã para o jantar e já foi o bastante, obrigada. Não quero correr o risco de ficar enjoada. - ela apertou os lábios com ar altivo.

- Coma algo. Isso é uma ordem.

Dulce ergueu o queixo com ar desafiador.

- As suas ordens são tolas. Na última vez que me deu uma, perdeu a sua chance de se ver livre de mim.

Christopher fitou-a com um ar perplexo.

- Não diga.

- É isso mesmo. Eu ia voltar ao cais do porto no bote do Sr. Warbass, mas você me mandou naquela tarefa de cuidar do gato...

- Você estava atrapalhando o caminho.

-... e quando terminei, o bote já havia se afastado.

Christopher não podia se conformar, não quando estivera tão perto de se livrar da perturbante Srta. Savinon e nem sequer se dera conta daquilo.

- Da próxima vez que decidir abandonar o navio, lembre-me de não impedi-la.

- Lembre a si mesmo de não ser tão rude.

- Nós estaremos passando por navios o tempo todo durante os próximos dias. Eu a colocarei a bordo de um que estiver indo para Boston.

Ela arqueou uma sobrancelha com aquele mesmo ar altivo que tanto o irritava.

- Tarde demais. Eu decidi ficar. Sabe, eu acabei me dando conta de qual era o problema. - O tom o fez lembrar-se de uma professora passando um sermão à classe. - O alvoroço antes de uma viagem mexe até mesmo com um viajante experiente. É um enorme passo, deixar um lar e tornar-se parte de um pequeno universo aqui no meio do mar. Qualquer um está sujeito a ter seus receios.

Fitou-o diretamente nos olhos ao acrescentar:

- Acho que devo agradecer-lhe. Esta viagem será uma aventura que eu não gostaria de perder. Foi rude de sua parte ficar me dando ordens daquele jeito, mas, uma vez que o resultado me foi tão satisfatório, eu o perdoo.

- Não me perdoe.

- Por que não?

- Porque eu não lhe pedi desculpas, sua pretenciosa!

- Então que assim seja, seu Rabugento! - A indignação evidenciou-se em cada traço do rosto dela.

Permaneceram num silêncio tenso por algum tempo, ouvindo o som do vento junto às vergas e velas e a água batendo no casco. Sentando-se numa caixa de madeira, Dulce muniu-se da tinta e caneta-tinteiro que deixara por perto e escreveu algo cuidadosamente num papel preso à prancheta que segurava.

- O que está escrevendo? - perguntou Christopher.

- “Uma torrente ofuscante de azul...” É a frase mais perfeita para descrever a maneira como o mar passa de encontro ao casco.

- Está escrevendo uma carta para casa?

- É particular.

Ela não deveria ter dito aquilo. Ele tirou-lhe a carta de imediato.

- Não há privacidade a bordo de um navio.

- Capitão!

Ele teria devolvido a prancheta com o papel, mas ficou se lembrando das palavras de Dulce a Alfonso. Escreverei uma carta a cada dia, contando sobre minhas aventuras.

Baixou o olhar para a prancheta. A letra dela era elegante, bonita.

- Caro Sr. Herrera... - Não teve que ler mais. Dulce estava escrevendo para o frívolo e tolo Alfonso Herrera. O que, afinal, o almofadinha já fizera para ser merecedor de tal atenção?

- Devolva-me isso. - Ela se levantou, elevando a voz.

Christopher disse a si mesmo que nada daquilo lhe dizia respeito. Assegurou-se de que não deveria se sentir tão irritado com o fato de aquela solteirona ianque dedicar sua admiração e estima a seu amado.

- Não até que você me deixe enumerar as maneiras como o ama - provocou-a ele. - Aquele é um homem de muitas facetas. No mínimo, duas. - Tornando a baixar o olhar para o papel, leu mais um pouco. Em vez das frases tolas e ingênuas de garota que esperara encontrar, o conteúdo da carta chocou-o por completo.

a cabine principal está desarrumada, e há um cofre de aço escondido atrás de um painel...

A fúria fez com que as palavras se confundissem num borrão diante de seus olhos.

- Que nunca seja dito que você não é atenta, minha cara Feiticeira das Ondas. Mas, afinal, você não deveria fazer parte da lista da tripulação como espiã em vez de tradutora?

- Devolva-me isso - repetiu ela, estendendo a mão.

O vento soprou no papel e tirou-o dos dedos dele.

- Oh, escapou.

- Como você se atreve! - revidou Dulce, dando um passo à frente e segurando a caneta com força na mão.

- Foi um acidente. - Christopher arregalou os olhos em falsa inocência.

Ela soltou um suspiro exasperado.

- Bem, terei apenas que escrever outra.

- Foi assim que conseguiu. - Ele estreitou o olhar, seu ar acusador. - Você convenceu Arthur a deixá-la tomar parte nesta viagem, prometendo-lhe que vigiaria cada passo meu. 

- Você não pode culpá-lo. Arthur não encontrou você em um estado nada confiável naquela primeira noite.

- Ele me encontrou irremediavelmente bêbado e em vias de seduzir uma sirigaita. Você escreveu isso também?

- Eu...

- Suponhamos que eu informe a você a cada vez que decidir arrotar. Estará escrevendo isso também?

Dulce apertou os olhos para fitá-lo e acabou abaixando os óculos para poder enxergá-lo melhor acima das lentes.

- Você é o homem mais grosseiro que tive o desprazer de conhecer!

- Se acha que isso foi uma grosseria, prepare-se, pois pretendo ser muito pior.

Christopher deu um passo atrás, observando-a. Notou que, quando não os apertava para tentar enxergar através dos desnecessários óculos, os olhos dela eram bastante interessantes, seu tom claro, um belo castanho-esverdeado, e estranhamente instigantes.

- Por que é mesmo que tem que olhar por cima das lentes para enxergar?

- Porque tudo que está perto se transforma num borrão quando olho através das lentes. - Ela fechou a boca de repente e empalideceu.

- Perfeito. - Antes de lhe dar chance de impedi-lo, Christopher retirou-lhe os óculos, puxando alguns fios de cabelo sem querer.

Dulce soltou uma exclamação surpresa e, estranhamente, o som o excitou, aquele som o fez lembrar do gemido abafado de uma mulher cujo desejo tivesse sido despertado. Naturalmente, naquele caso a única coisa que lhe havia despertado era a raiva.

- Devolva-me os óculos.

Christopher os atirou no mar.

- Escaparam. 

Dulce arregalou os olhos, fitando-o em estupefação.
- Seu... seu... bruto. Grosso. Pilantra. Tirano. Troglodita. Patife. Fanfarrão. - Mesmo esgotando seu suprimento de insultos, notou que ele permanecia imperturbável.

- Receio que seja tarde demais.

- Aquele era meu único par de óculos.

- Então, suponho que você não poderá fazer mais nenhum de seus mesquinhos relatórios.

- Eu farei o que quiser. Escreverei o que achar que devo.

- Não, nada disso. Eu sou o capitão deste navio. Em terra, o fato não significa muito. Mas a bordo do Cisne é tudo. Minha palavra é lei.

- E devo ficar impressionada com isso?

- Esperei que ficasse.

- Bem, não é o caso.

- É uma pena. Acho que terei que encontrar algum outro meio de impressioná-la.

- Não perca seu tempo - retrucou Dulce. - Nada adiantará.

Girou nos calcanhares, mancando um pouco com o gesto, mas mantendo a dignidade.

- Boa noite, capitão - disse por sobre o ombro e adiantou-se na direção da escadaria que levava à sua cabine.




 


Feliz Ano Novo! 



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Autor(a): chrisdul

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 49



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  • carolinevondyzinha Postado em 15/04/2015 - 20:09:41

    Meu deuses cadê vc posta +

  • lalita_vondy Postado em 15/07/2014 - 16:40:06

    Oieeeee LEITORA nova!! Posta mais por favor to curiosa!! Nao abandona nao por favor!!! Posta vai!! Bjoes!!

  • mariaeduardavondy Postado em 30/05/2014 - 15:20:42

    Oii! Sou leitora nova!por favor não abandona a web!Por favor!è uma das webs mais perfeitas q eu já li aq no site!por favor volta a postar!

  • samandra Postado em 08/03/2014 - 09:43:26

    Oi, posta mais :)

  • lolawho Postado em 24/02/2014 - 15:15:42

    POSTA MAIS!!! PLEASE...

  • taisa Postado em 03/02/2014 - 16:05:57

    Um MÊS SEM CAPÍTULO NOVO :/

  • taisa Postado em 22/01/2014 - 23:23:52

    QUERO POSTS...

  • lolawho Postado em 18/01/2014 - 19:18:39

    Por favor continua a web!!!! *---*

  • a_letiicia Postado em 03/01/2014 - 20:49:47

    Ahhh espero que você dê-nos esses capítulos enormes todos os dias, todos os dias! hahaha Porque é tão gostoso ir descendo, descendo e descendo o capítulo e ainda ter mais coisa pra ler hahahahahh na verdade é bom porque dá continuidade, não fica aquela história toda picada com meia dúzia de palavras por capítulos, interrompendo as coisas que tem que acontecer sabe? não sei explicar, mas é ótimo!!! hahaha Enfim, eu sabia!!!! Sabia que a timidez, a tristeza, e a inibição da Dulce eram culpa daquele bando de imbecis que ela tinha que conviver. Olha como ela está feliz nesse navio? Ela como ela está se divertindo, se soltando... Ela encontrou o seu lugar ali, perto das pessoas que a 'alta sociedade' provavelmente despreza. Claro que a Dulce tá se livrando pouco a pouco das 'máscaras', o cabelo grande com esses penteados horríveis, os óculos, as roupas enormes e pesadas, os sapatos antiquados... E isso é culpa do Christopher também, que a propósito já está louco por ela.

  • vemkgaabi Postado em 03/01/2014 - 11:37:36

    Por favor posta maaais estou amando a web *---*


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