Fanfic: Uma Escola de Charme - Adaptada Vondy | Tema: Vondy
Capítulo XV – Amizade Verdadeira
Oh, Senhor! Se soubesses que criatura mal-humorada eu sou por trás de toda esta bela amabilidade!
Jane Welsh Carlyle
(1836)
- Por que está me olhando com esse ar zangado? - perguntou Dulce, recostando-se no assento estofado da carruagem.
Christopher franziu ainda mais o cenho, estudando-a sob a luz difusa do lampião da carruagem que brilhava através da janela.
- Eu estava me perguntando se o Sr. Ferreira irá acreditar que a minha acompanhante desta noite é a mesma garota sorridente e despreocupada que conheceu no mercado ontem.
- Nem todos os homens dão tanta importância à aparência de uma pessoa - respondeu ela, desviando o olhar para a janela.
Christopher sentiu uma vontade um tanto perversa de segurá-la para desarrumar-lhe os cabelos, as roupas e fazê-la arrepender-se de ter tentado voltar à sua redoma de dama empertigada da sociedade de Boston. Ela usava o vestido preto e marrom que ele detestara desde o início, as saias alteadas pelas inúmeras anáguas. Havia afastado os cabelos do rosto, penteando-os para trás, embora ele ficasse satisfeito em notar que as mechas sedosas mantinham o brilho dourado adquirido pelas semanas de exposição ao sol e ao mar.
Mais alarmante, porém, do que a sobriedade do vestido era o comportamento. Dulce adotara mais uma vez um ar tímido, submisso, mantendo os ombros caídos e o queixo baixo. Aquela era a maneira como a Dulce Savinon de Beacon Hill se apresentara ao mundo: como uma mulher que não fazia a menor ideia do próprio valor.
- Você está vestida como se estivéssemos indo para um funeral - resmungou.
Ela desviou o olhar da janela e pousou-o no casaco curto de seda amarela que ele usava com uma gravata bordô.
- Você está mais do que compensando a ausência de cor em minhas roupas - comentou.
- Você poderia ao menos tentar não parecer como se estivesse a caminho da forca?
- Eu não gosto de eventos sociais. Nunca gostei. Você deveria ter vindo sem mim nesta noite.
Em algum determinado ponto, a vida a ensinara que eventos sociais eram uma tribulação. Dulce aprendera a se preparar para enfrentá-los como um soldado se armava para uma batalha. Um espartilho apertado e uma atitude subserviente tornavam-se seu escudo e espada. Mais uma vez, havia roído as unhas, um hábito que parecia ter superado a bordo do navio.
Por que você faz isso? Christopher queria perguntar-lhe. Mas não o fez. Criticar a atitude dela seria perigoso. Porque tão logo começasse a se preocupar com aquela mulher, passaria a se importar de verdade, e aquilo poderia ser perigoso, poderia distraí-lo de sua causa. Precisava manter seu controle e paz de espírito a fim de fazer tudo o que estava ao alcance para que Dino pudesse tornar a se reunir à esposa.
A carruagem levou-os a um endereço elegante no bairro de Botafogo. Deixando a rua larga e arborizada, o veículo passou por um imponente portão de ferro. Brasões de família com figuras de navios e leões adornavam o alto do portão. A carruagem seguiu por um caminho circular de pedra com uma fonte iluminada no centro.
A casa dos Ferreira era uma mansão de três andares, iluminada por tochas nas paredes. Um serviçal, sorrindo cordialmente, conduziu-os a um salão adornado por cortinas esvoaçantes, janelões com guarnições de madeira entalhada e vasos com palmas nos cantos. Graciosos sofás distribuíam-se ao redor, decorados com pequenas almofadas bordadas. A atmosfera de luxo e sensualidade envolveu-os como um abraço sedutor.
Christopher olhou para Dulce para ver como estava reagindo a tudo e, exasperado, notou que ela roía as unhas.
Cobriu-lhe as mãos com as suas.
- Você tem uma boca tão doce - sussurrou-lhe. - Posso pensar num propósito bem melhor para ela do que o de roer unhas.
Dulce afastou-lhe as mãos.
- Eu gostaria que não falasse comigo de maneira tão sugestiva.
- Por que não?
- É impróprio. Não, é pior do que isso. Não é algo sincero.
- E como pode ter tanta certeza? - Ele cobriu-lhe a face corada com a mão, passando o polegar de leve pelo lábio inferior, admirando-se com sua suavidade, lembrando-se do gosto que tivera quando a beijara. - Não é nenhuma especialista em homens, muito menos em alguém como eu.
Dulce desviou o rosto, piscando depressa como se estivesse à beira das lágrimas.
- Capitão Uckermann, não sei lidar muito bem com provocações.
A expressão magoada naqueles olhos castanho-esverdeados preocupou-o. Embora Dulce não fizesse ideia da dimensão de seu interesse por ela, tinha razão quanto a uma coisa. A menos que pudesse lhe oferecer algo mais do que mero flerte, ele deveria manter sua distância. Infelizmente, o ato de flertar era divertido demais.
- Depois de ontem, eu achei que nossa amizade tinha evoluído ao ponto de tolerar um pouco de provocação.
- Ontem foi ontem. - Dulce começou a caminhar devagar pelo salão, observando a atmosfera alegre do lugar. - Isto não é muito parecido com Boston.
- Você não aprova?
- Ao contrário. Tudo parece bastante confortável e descontraído.
- Sr. Uckermann! Srta. Savinon! - Ferreira adentrou no salão. Usava um elegante traje preto de noite com uma faixa de seda vermelha na cintura. - Sejam bem-vindos à nossa casa!
A seu lado, estava uma mulher de estatura baixa e rosto sorridente, usando um belo vestido claro.
- Permitam-me apresentar-lhes minha esposa, Amália. - Embora de meia-idade e não sendo uma beldade, dona Amália tinha um rosto simpático, os olhos castanhos brilhando com afeição pelo marido e ar receptivo aos convidados.
- Sejam bem-vindos ao Rio de Janeiro - disse-lhes, seu olhar afável incluindo Christopher e Dulce, a quem estendeu ambas as mãos num cumprimento.
Maurício inclinou um pouco a cabeça de lado.
- Está me parecendo bastante formal, senhorita. - Piscou-lhe um olho ao acrescentar - E vocês dois, são noivos?
- Absolutamente não! - exclamou Dulce.
Christopher ficou ofendido com tamanha veemência.
- Uma pergunta tola - prosseguiu Maurício. - Acompanhem-nos. Vamos esquecê-la com um bom vinho e comida!
Os quatro acomodaram-se na requintada sala de jantar ao lado, onde lhes foi servida uma grande variedade de iguarias, o prato principal consistindo de saborosos frutos do mar, com acompanhamentos de saladas e vinhos. Durante a sobremesa, os criados levaram bandejas com uma infinidade de frutas e doces típicos, incluindo a goiabada, feita de goiabas vermelhas e açúcar.
- Ouvi falar muito sobre Boston - comentou Amália, tendo-se revelado uma pessoa falante e informada. - A sua cidade natal é um grande centro cultural, não?
- É verdade - respondeu Dulce. - As pessoas de Boston valorizam muito a educação.
- E a vida acadêmica sempre foi importante na sua família?
- Oh, sim. Embora nunca tão importante quanto... - Ela conteve-se, ruborizando, e baixou o olhar para o prato. - Quanto outras coisas - completou vagamente. Christopher fazia ideia de que aquelas “outras coisas” tinham a ver com a habilidade de uma jovem em ser sociável e divertida nas festas, em Fisgar o marido certo e manter-se como um ornamento reluzente no braço de um homem rico. Sorveu um gole de vinho, franzindo o cenho para o copo.
- O que achou de seu passeio pela cidade ontem, senhorita? - perguntou Ferreira.
- Achei tudo maravilhoso. A sua cidade é tão incrivelmente rica em coisas para se ver e fazer.
- Então, deve fazer tudo - insistiu Amália.
- Eu bem que gostaria, mas acho que levaria anos. - Dulce lançou um olhar a Christopher. - Nós teremos apenas uma breve estada aqui, não é mesmo, capitão?
- Infelizmente, sim.
- Eu gostaria de poder ficar mais tempo - disse ela.
Os Ferreira ficaram radiantes.
- Assim é o Rio. Embora o seu lar possa ser em algum outro lugar, o Rio de Janeiro cativa o seu coração, sempre.
O casal deu-se as mãos, e Christopher achou o gesto estranhamente tocante, por ser tão espontâneo e inconsciente.
Como seria, perguntou-se, ter algo assim? Ter alguém a quem se pudesse tocar com tanta ternura, sabendo que a pessoa sempre estaria a seu lado e retribuiria a afeição?
Ter uma companheira que soubesse, sem perguntar, a comida ou a roupa que mais lhe agradava?
Um antigo anseio dominou-o, um desejo que tivera por muitos anos. Era um desejo bem simples, na verdade. Queria partilhar sua vida com uma mulher da maneira devotada como os Ferreira partilhavam a sua. Em suas viagens, vira maravilhas além da imaginação, conhecera momentos de perigo e triunfo, mas nada daquilo tinha grande significado porque nunca houvera ninguém a quem contar a respeito, ninguém para ouvir sobre suas esperanças, medos e sonhos.
Christopher pousou o copo vazio na mesa. Maldição. Tomara vinho demais.
- Você deve sentir falta de sua casa, Srta. Savinon - disse Amélia, fazendo um gesto para um criado preencher o copo de Christopher.
- Não muito. - Dulce baixou o olhar com uma onda de culpa. - Não quero ser desleal, mas minha vida em Boston era bastante ordenada e previsível. Imagino que eu poderia me ausentar durante anos e descobrir tudo da mesma maneira quando voltasse.
A anfitriã soltou um riso.
- Com certeza, os seus amigos e familiares não iriam querer ficar sem você durante tanto tempo.
Dulce sentiu as faces corando.
- Que lisonjeiro achar que há aqueles que sentiriam a minha falta.
- Claro que há. Talvez até haja algum cavalheiro especial.
- Céus, não! - respondeu Dulce, quase em pânico. Levou a mão ao peito como se assim pudesse conter o pulsar acelerado do coração.
O Sr. Ferreira riu, divertido.
- Quando uma dama protesta com tanta veemência é sempre por causa de um cavalheiro especial.
Dulce fechou os olhos, seu sorriso forçado.
- Acho imperdoável eu ser sempre assim tão previsível.
Os Ferreira trocaram um olhar.
Christopher pousou o copo com força na mesa. Alfonso Herrera novamente. O que ela via naquele cabeça-de-vento pomposo?
Com sua conversa animada e orgulho pelo Rio de Janeiro, os Ferreira acabaram deixando Dulce à vontade. Ao final do jantar, Ferreira virou-se para Christopher.
- Bem, acho que devemos ir lá fora para fumar nossos charutos. Amélia proíbe tal odor na casa. - Inclinando-se, beijou a mão da esposa. - Podem se arranjar sem nós por alguns minutos?
- É claro. Desfrutaremos nosso café juntas - respondeu Amália.
Christopher seguiu seu anfitrião até uma ampla varanda.
- Não deveremos ter dificuldade em arranjar uma carga para você regar para Boston - disse Maurício. - Você está dias à frente da frota de inverno.
- Fico contente que tenha mencionado o assunto. Sei que isto não está no contrato de consignação, mas eu não aceitarei nada produzido por trabalho escravo.
O próspero comerciante soltou um assobio baixo.
- Isso deixa de fora muito do melhor café do mundo.
Christopher meneou a cabeça.
- Essa atitude quase me arruinou na minha última viagem a Havana, mas consegui encontrar uma fábrica de tabaco e açúcar que representava interesses antiescravagistas.
- Eu posso ajudá-lo - disse Ferreira após um momento. - Conheço alguns plantadores que usam mão-de-obra paga.
Através das portas-janelas podiam ver as damas bebericando café e conversando. Ferreira acendeu os charutos e observou-as pelas espirais de fumaça. Era provável que não se desse conta de que sorria feito um tolo apaixonado, quando olhava na direção da esposa.
- É um homem de sorte - comentou Christopher, dando urna baforada em seu charuto. - A vida é boa para você.
- Fui abençoado - concordou Ferreira, sorrindo ainda mais enquanto Amélia pendia a cabeça para trás para rir de algum comentário feito por Dulce. - Tenho a esposa mais linda do mundo.
A declaração sincera reverberou de maneira estranha no intimo de Christopher. Amália Ferreira não era esguia. Não era jovem. Seu conjunto de traços estava longe de ser deslumbrante. Mas não teve dúvida de que, aos olhos do marido, ela era uma dádiva dos céus.
- Você é um homem que aprecia suas bênçãos - comentou.
- E você não?
- Sou um homem que tenho obrigações. As bênçãos, espero eu, virão com o tempo.
- Isso é algo que um jovem impaciente diria.
- Você não concorda?
Ferreira estudou as damas, Amélia em seu vestido leve e claro e Dulce no sisudo vestido preto e marrom:
- O que você, como a maioria dos jovens impacientes, não entende é que, às vezes, a mais doce bênção de todas está bem diante de seus olhos.
Dulce concluiu que o Natal nos trópicos era bem melhor do que em Boston. Os dias que conduziam à data festiva eram quentes e agradáveis, as pessoas alegres enquanto cuidavam de seus afazeres e faziam suas visitas. Boston estaria fervilhando numa temporada de eventos sociais concorridos que antecediam as comemorações de fim de ano. Mas, exceto pelo fato de que teria visto Poncho em tais eventos, ela não sentia a menor falta deles.
Rose comentou que não havia muito alvoroço em sua casa, onde as celebrações eram simples. As pessoas trocavam lembranças, frutas e nozes, faziam visitas a vizinhos e parentes e havia uma procissão de barcos na baia.
Dulce sentiu uma estranha calma dominando-a enquanto desfrutava os dias na Vila do Céu. Christopher mantinha-se ocupado com os assuntos de comércio, inspecionando o descarregamento e venda de sua carga e assegurando mercadorias para o regresso a Boston.
Embora o visse raramente, Dulce apanhava-se pensando nele com frequência.
Você não é nenhuma especialista em homens, muito menos em alguém como eu. Em outras palavras, Christopher dissera que estava longe de conhecê-lo. Ela sabia que devia se envergonhar de sua curiosidade em relação àquele homem. Ainda assim, quando pensava nele, não era acometida pelo suor frio e os nós no estômago que os pensamentos sobre Poncho lhe causavam. Em vez daquilo sentia-se confortável. Viva. E sem medo de que o passo seguinte que desse, da palavra que proferisse a conduzissem ao desastre.
Lentamente, dava-se conta do que estava acontecendo entre ela e Christopher. Amizade.
O pensamento alegrou-lhe o coração. Nunca tivera um amigo antes. Nunca, jamais em sua vida. Quando pequena, tivera tia Elizabeth. A tia adorada fora uma dádiva do céu, mas não especificamente uma amiga. Dulce conhecera várias estudantes no internato de Monte Holyoke, mas nenhuma se tornara sua amiga. Quando, enfim, voltara para casa em Beacon Hill, sua companhia favorita consistira de livros, tratados políticos e panfletos.
Agora tinha um amigo. Que ideia singular. Que descoberta maravilhosa. Mal podia acreditar que algo que parecera tão impossível estava acontecendo.
Vez ou outra, lembrava-se de que quando Christopher a tocava, quando a fitava de certa maneira, quando lhe sussurrava algo ao ouvido, ela sentia algo mais profundo do que amizade. Pensava demais sobre o dia em que haviam passeado pelo Rio. Lembrava-se claramente do beijo no jardim escuro e do momento na praia quando ele a abraçara. Haviam se abraçado com tanta naturalidade, como se tivesse sido a etapa seguinte e lógica ao longo do caminho que percorriam juntos.
Felizmente, a razão voltara depressa. Ela se soltara do abraço, Christopher se virara para outro lado e o momento terminara sem muito constrangimento. Dulce jurara a si mesma depois que evitaria tais intimidades no futuro. Christopher era seu único e verdadeiro amigo. Não iria estragar aquilo com sonhos impossíveis sobre algo que jamais poderia acontecer.
Quase como punição a seus pensamentos errantes, ela escrevera uma outra carta longa e descritiva a Poncho. Imaginou-o lendo suas palavras. Esperou que seu relato sobre as marionetes no mercado lhe provocassem um sorriso, que ficasse tocado com a sua descrição de um recém-nascido deixado à porta da Santa Casa de Misericórdia, que partilhasse de seu fascínio pelos fabulosos jardins suspensos em torno da vila de Rose.
Junto com a carta, enviara um relatório formal a Arthur sobre o progresso de Christopher com a carga. Sentia-se culpada por ter feito aquilo, mas havia feito tal promessa ao dono do Cisne Prata. Ao menos não havia nada que desabonasse Christopher, os negócios que conduzia eram dignos de elogios. Mencionara aquilo em seu relatório com sinceridade e um toque de orgulho.
Na véspera de Ano-Novo, Rose promoveria seu baile anual de máscaras. Durante os dois dias anteriores, os aromas tentadores de carne e pão assando inundaram a casa. Um grande pavilhão foi erguido onde o conjunto musical tocaria e criados extras foram contratados nas redondezas.
Dulce trabalhou na cozinha com Ale, Rose e algumas das criadas, ajudando no preparo das iguarias e da decoração que seria usada na mesa principal. Nunca se juntara aos serviçais fazendo trabalhos domésticos, mas adorou a tagarelice feminina e os risinhos, a aparência apetitosa dos pratos, a beleza dos arranjos de flores e frutas tropicais que foram criando naquele clima amistoso.
- Emprestarei a vocês vestidos de anos passados - ofereceu Rose à irmã e a Dulce. - A cada ano, encomendo um, feito especialmente para a festa, e, portanto, vocês terão vestidos de sobra para escolher.
Dulce mordeu o lábio inferior, lembrando-se dos bailes que enfrentara em Boston. Como tinham sido dolorosos. Aquelas duas belas irmãs não faziam ideia do que era ficar encolhida nas sombras e ouvir as pessoas comentando sobre seus defeitos, ou falta de pretendentes. Não sabiam o que era olhar para o homem amado, fazendo preces silenciosas para ser tirada para dançar por ele e, como aquilo não acontecesse, recolher-se ao quarto mais tarde com lágrimas nos olhos e o coração partido.
- Confesso que nunca gostei de festas - forçou-se a admitir.
Ale e Rose trocaram um olhar.
- Você nunca gostou das festas de Boston - corrigiu-a Ale. - Esta será diferente.
Rose assentiu com um gesto vigoroso de cabeça.
- Tudo no Rio é diferente.
Não podendo se conter, Dulce sorriu para as amáveis mulheres que simplesmente se recusavam a verem-na pelo que era. Viam-na como uma companhia agradável, uma companheira de viagem, uma ajuda extra para trabalhar na decoração da festa. Não como uma solteirona desajeitada e sem graça.
- É isso que adoro no Rio - respondeu.
- Você vai objetar a cada instante, ou vai ficar quieta e nos deixar trabalhar? - perguntou Ale, impaciente.
- Mas esta fantasia é tão... indecente - protestou Dulce, tocando a seda fina da saia de cigana que as duas irmãs tinham-lhe colocado.
Rose soltou um riso divertido.
- Minha querida, você está no Rio de Janeiro, é véspera de Ano-Novo e nós estaremos celebrando num baile à fantasia. Você não tem escolha.
- Onde está sua tesoura? - perguntou Ald. - Preciso acertar esta fita. - Olhou em torno do quarto. - Fayette é tão melhor com as costuras do que eu! Onde está aquela garota, afinal? Ela tem estado zanzando por aí há dias.
- Nesse caso, você e eu teremos que nos arranjar - respondeu Rose jovialmente.
Dulce mordeu o lábio inferior. Tinha que se obrigar a manter o olhar para frente, quando queria baixá-lo e ver que, sim, era realmente ela que estava naquela saia rodada de uma cor tão vibrante que a fazia sentir-se como uma das araras na floresta para além da vila. E, ainda por cima, com os tornozelos à mostra e os pés de sandálias. Para completar, uma blusa de babados, que deixava os ombros de fora e revelava um chocante indicio da curva dos seios. Os cabelos rebeldes estavam soltos, sem pentes ou grampos para mantê-los no lugar.
- Serei motivo de chacota - sussurrou.
Ale colocou as mãos nos ombros dela.
- Querida, as pessoas rirão apenas se você deixar.
- Não sei o que quer dizer.
- Tudo tem a ver com a maneira como você se porta, o jeito como encara o mundo. - Ela colocou-lhe uma pequena máscara preta com bordados prateados sobre os olhos, atando-a atrás da cabeça. - Tudo é uma ilusão. Você é uma cigana, não Dulce Savinon. Você é misteriosa e sedutora. Tente balançar os seus quadris, assim...
- Balançar os meus quadris? - repetiu Dulce, incrédula.
Ainda assim, com Rose de um lado e Ale do outro, ela seguiu os conselhos de ambas, sentindo-se tola e, enfim, não se sentindo nem um pouco como Dulce. A ilusão era fácil. Muito mais fácil do que ser ela mesma.
- Eu devo ter sido um gaúcho numa outra vida - declarou Christopher, olhando, admirado, para sua vistosa fantasia. - As mulheres vão adorar.
Dino observou-lhe as bombachas pretas metidas em botas lustrosas de couro, o lenço branco amarrado ao pescoço e a camisa folgada de cetim vermelho.
- Impressionante. Especialmente quando você acrescentar o chapéu. - Atirou nas mãos de Christopher um chapéu preto, de aba curta, adornado por uma pluma escarlate. Ele colocou-o e completou a fantasia com sua máscara de seda preta.
- Ninguém vai me reconhecer agora.
- Oh, claro, deve haver dezenas de gaúchos por aí com uma queda para roupas espalhafatosas!
- Estou realmente espalhafatoso? – perguntou Christopher, ajeitando os punhos da camisa vermelha.
- Está.
- Tanto assim?
Dino abriu um raro sorriso.
- Não, nem tanto. E acho que você gosta das atenções que atrai.
Christopher apanhou um pedaço de seda preta e enrolou-a na cabeça, ao estilo de pirata, escondendo os cabelos negros e, depois, recolocou a máscara e o chapéu.
- E qual será a sua fantasia?
Dino hesitou por alguns momentos antes de responder:
- Irei de fantasma. Estarei praticamente invisível.
Christopher sentiu um aperto no peito, mas não fez comentário. Desde o momento em que Dino fora afastado dos braços da esposa era como se uma parte vital de si estivesse faltando. Mesmo enquanto trabalhava em seus cálculos de navegação ou se via em meio a uma forte tempestade no mar, era como se não estivesse de todo lá. Alguma parte dele. A parte que era descontraída, calorosa, alegre, ficara em algum outro lugar. Na Virgínia. Trabalhando nas cozinhas abafadiças da plantação de um homem branco.
Como de costume, o pensamento deixou Christopher furioso.
- Em breve, meu amigo - prometeu.
- O quê?
- Muito em breve, nós estaremos de volta à Virgínia.
Dino assentiu com um gesto de cabeça. Seu rosto permaneceu impassível, embora os ombros tivessem ficado tensos.
- Parece que estaremos prontos para levantar âncora dentro de uma semana. Ferreira deve ter gostado de você. Afinal, vendeu-lhe uma tonelada extra de grãos de café a um bom preço.
- Foi de Dulce que ele gostou. Estabeleceremos um novo recorde com esta jornada. Foi a jornada mais próspera que já houve na rota do Rio de Janeiro.
Dino soltou um suspiro longo, cauteloso.
- O preço de um escravo na Virgínia chegou ao ponto mais alto, de acordo com os jornais que aquele capitão do Maine trouxe de Savannah.
As palavras soaram tensas e forçadas, e por que não? perguntou-se Christopher. Ele próprio tinha dificuldade em aceitá-las.
- Espero conseguir negociar um preço que possamos pagar.
Dino pareceu adquirir um ar duvidoso.
- E se não conseguir?
- Há dinheiro o bastante em espécie no cofre do Cisne para se comprar um exército inteiro. - Christopher sentiu-se sujo dizendo aquilo. Não se julgava um bom homem. Achava que nunca havia sido, embora nunca tivesse roubado nada de ninguém. Nunca nem sequer pensara em tal coisa. Mas com o intuito de conseguir a liberdade da esposa e das filhas de Dino ultrapassaria aquele limite se fosse preciso.
- Seria arriscado demais. - Dino abriu-lhe outro daqueles raros sorrisos ao acrescentar - Mas quando foi que fugimos de um risco?
A tensão no íntimo de Christopher dissipou-se um pouco.
- Certamente não nesta noite. Vamos, meu amigo. Vamos dançar.
Autor(a): chrisdul
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Capítulo XVI – Festividade Ignorar a própria ignorância é o mal do ignorante. Amos Bronson Alcott “Conversa de Mesa” Enquanto saía ao pátio, Christopher ouviu um coro de gritos femininos. Talvez Dino estivesse com a razão, pensou. Talvez estivesse um tanto espalhafatoso demais em sua fantasia. A m&u ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 49
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carolinevondyzinha Postado em 15/04/2015 - 20:09:41
Meu deuses cadê vc posta +
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lalita_vondy Postado em 15/07/2014 - 16:40:06
Oieeeee LEITORA nova!! Posta mais por favor to curiosa!! Nao abandona nao por favor!!! Posta vai!! Bjoes!!
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mariaeduardavondy Postado em 30/05/2014 - 15:20:42
Oii! Sou leitora nova!por favor não abandona a web!Por favor!è uma das webs mais perfeitas q eu já li aq no site!por favor volta a postar!
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samandra Postado em 08/03/2014 - 09:43:26
Oi, posta mais :)
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lolawho Postado em 24/02/2014 - 15:15:42
POSTA MAIS!!! PLEASE...
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taisa Postado em 03/02/2014 - 16:05:57
Um MÊS SEM CAPÍTULO NOVO :/
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taisa Postado em 22/01/2014 - 23:23:52
QUERO POSTS...
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lolawho Postado em 18/01/2014 - 19:18:39
Por favor continua a web!!!! *---*
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a_letiicia Postado em 03/01/2014 - 20:49:47
Ahhh espero que você dê-nos esses capítulos enormes todos os dias, todos os dias! hahaha Porque é tão gostoso ir descendo, descendo e descendo o capítulo e ainda ter mais coisa pra ler hahahahahh na verdade é bom porque dá continuidade, não fica aquela história toda picada com meia dúzia de palavras por capítulos, interrompendo as coisas que tem que acontecer sabe? não sei explicar, mas é ótimo!!! hahaha Enfim, eu sabia!!!! Sabia que a timidez, a tristeza, e a inibição da Dulce eram culpa daquele bando de imbecis que ela tinha que conviver. Olha como ela está feliz nesse navio? Ela como ela está se divertindo, se soltando... Ela encontrou o seu lugar ali, perto das pessoas que a 'alta sociedade' provavelmente despreza. Claro que a Dulce tá se livrando pouco a pouco das 'máscaras', o cabelo grande com esses penteados horríveis, os óculos, as roupas enormes e pesadas, os sapatos antiquados... E isso é culpa do Christopher também, que a propósito já está louco por ela.
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vemkgaabi Postado em 03/01/2014 - 11:37:36
Por favor posta maaais estou amando a web *---*