Fanfic: Uma Escola de Charme - Adaptada Vondy | Tema: Vondy
Capítulo XVII – Inesquecível
Oh, este é o lugar para se viver...
nenhum pensamento sobre o inverno jamais entraria na mente de uma pessoa.
Diário de Susan Hathorn,
uma esposa de capitão de navio
(1855)
Dulce despertou com um sorriso nos lábios e a certeza de que dormira até muito tarde. A julgar pelo brilho intenso do sol que adentrava pela janela, já devia ser quase meio-dia.
Seu sorriso acentuou-se. Sabia que deveria se sentir culpada, pois ninguém na distante Beacon Hill, nem provavelmente em toda a cidade de Boston, dormia até tão tarde, exceto se estivesse doente. Ainda assim, tinha desculpa de que dispunha era o fato de ter dançado com um homem num belo terraço à meia-noite e, logo depois daquilo, beijara-o.
Um delicioso arrepio percorreu-lhe o corpo, a lembrança daqueles momentos mágicos afogueando-lhe as faces. Levantando-se, derramou a água fresca do jarro que encimava a cômoda na bacia de porcelana e lavou o rosto, mas aqueles pensamentos não lhe deixavam a mente.
Céus... ela... Dulce Maria Savinon... beijara um homem na noite anterior. E não fora um homem qualquer. E nem um simples beijo.
Fora beijada por Christopher Uckermann... a pessoa mais interessante e carismática que já conhecera. A única pessoa que já tentara ser sua amiga. Mas estaria tentando ser mais do que aquilo?
Dulce negou a possibilidade no mesmo instante, sua natureza prática se restabelecendo. Ele a procurara na noite anterior, levara-a para um recanto agradável e a tirara para dançar apenas porque haviam estado num baile à fantasia. Uma festa onde nada parecia ser o que era.
De certa maneira, os momentos com Christopher tinham sido até menos reais do que um sonho. A noite anterior era algo à parte do restante de sua vida, brilhando com a Luz fugidia da promessa e instigando-a com um vislumbre de como poderia ter sido entre ambos.
Recordar-se do beijo era como tentar repossuir um sonho maravilhoso depois de ter despertado com a claridade do dia. Podia se lembrar do que acontecera, mas não conseguia recapturar sua magia. A cada vez que chegava perto de reviver a sensação produzida por aqueles lábios cálidos apossando-se dos seus, da língua ávida explorando a maciez de sua boca, via-se perdida numa névoa de constrangimento e desejo que a deixava afogueada e confusa.
- Não devo pensar nisso - disse a si mesma, com severidade, enquanto tentava prender os cabelos num coque. As mechas curtas não paravam no lugar e precisou de mais grampos. Colocou o costumeiro espartilho e seu vestido marrom-escuro do dia, franzindo o cenho com a maneira como o tecido sempre impecável parecia opaco e pesado de repente.
Não importava, disse a si mesma. Nunca fora vaidosa. Nunca tivera razão para tanto. Particularmente não agora, com os cabelos de corte improvisado que mal conseguia prender num penteado decente e o rosto cansado depois de ter dormido tarde na noite anterior e passado tempo demais sonhando.
Quando deixou o quarto, sentia-se tão desajeitada e incerta quanto estivera em qualquer festa de Boston.
Céus, o que, afinal, diria a Christopher?
Acabou sendo poupada de uma decisão imediata por ele próprio. Mal havia se sentado à mesa do café e viu-o entrando com ar sonolento na sala, os cabelos negros em desalinho e a barba por fazer.
- Ah - murmurou, seu tom grave. - Você já se levantou.
Ela não disse nada em resposta.
- Encantador - declarou Ale, um tanto irônica, entrando na sala com Rose a seu lado. Dois criados aproximaram-se em seguida para servir o café e colocar sobre a mesa bandejas com brioches, jarras de suco e frutas fatiadas.
Christopher soltou um resmungo mal-humorado.
Dulce mal podia crer que o estonteante gaúcho que fora tão romântico na noite anterior e aquele eram o mesmo homem. Ele acrescentou várias colheres de açúcar a seu café com leite e comeu brioches e frutas frescas com apetite, ao passo que ela preferiu pouco açúcar e descobriu-se sem a menor fome. O calor e a umidade dos trópicos haviam reduzido seu apetite drasticamente. Mas havia o lado bom do clima que era o de não ter ser mais acometida pela gripe e os incômodos espirros.
Enquanto comiam, Ale olhava ansiosamente na direção da porta. A cada vez que um serviçal entrava, ficava tensa e, então, relaxava.
- Ela não vai voltar, mãe - disse Christopher com convicção.
- Fayette foi a algum lugar? – indagou Dulce.
Ale apertou os lábios como se quisesse conter um soluço, seus olhos marejados. Rose meneou a cabeça com ar grave.
- Ontem à noite, ela fugiu com Edison Carneiro.
O queixo de Ale tremeu, mas conteve as lágrimas e olhou diretamente para Dulce enquanto falava.
- Pensei que fosse uma brincadeira, mas receio que Fayette tenha resolvido obter sua liberdade ontem à noite.
- É provável que eles tenham buscado acolhida num dos quilombos, para onde os fugitivos vão - explicou Rose. - São esconderijos rudimentares, mas é onde geralmente os escravos se refugiam.
- Não é o fim do mundo. - Christopher bebericou seu café com leite e, então, com mais compaixão, acrescentou - Edison será bom para ela.
- Ela é minha criada pessoal. Sempre foi. O que farei?
- Você se arranjará, mãe, como de costume.
- Estou preocupada com Fayette. Ela não faz ideia de como é a vida.
- Ela era uma escrava. E você era uma dona de escravos. Assim era a vida para Fayette. Tendo fugido com Edison, ela libertou a vocês duas. Não entende isso?
Ale empalideceu visivelmente.
- Você é tão atrevido!
- Alguém desta família deve se atrever. Você conseguiu levar sua vida sem nunca ter pronunciado a palavra escravo. Sem nem sequer ter pensado nela. Criados, é como você os chama. Damas de companhia. Trabalhadores dos campos. Lavadeiras. Mas eram escravos. Propriedade. Você os possuía, de corpo e alma.
- O que foi que houve com você, meu filho? Quando se tornou tão duro?
- Duro é o golpe do chicote de um dono de escravo, mãe.
Lágrimas encheram os olhos de Ale.
- Minha criada nunca sentiu o toque de um chicote. Eu gosto muito de Fayette.
- Então, deixe-a ir. É a única maneira de fazer prevalecer a sua afeição.
As lágrimas rolaram livremente, então, banhando as faces dela e seus ombros tremeram.
- Estou tão assustada. Tudo está mudando tão depressa.
- Algumas mudanças já não eram sem tempo. - Christopher encontrou um lenço e entregou-o à mãe, que enxugou os olhos meticulosamente.
Dulce estava perplexa e contente ao mesmo tempo.
- Sei que sentirá falta de Fayette, Ale. Todos sentiremos. Mas foi melhor assim.
Ale sorveu seu café com nervosismo.
- Um pensamento nobre, mas ingênuo. Fayette estava melhor comigo. Ela afirmou estar apaixonada por Edison, mas amor não enche estômago vazio, nem mantém a realidade de fora. Os quilombos são lugares horríveis. Uma das criadas me disse que um fugitivo corre o risco de ser recapturado pelas autoridades.
- Podem prendê-la? - perguntou Dulce ansiosamente. A Lei de Escravos Fugitivos, aquela abominação legislativa, estava em vigor em Boston havia vários meses. A lei criara terror entre as pessoas de origem africana da cidade, livres ou não. A tensão separava famílias, fazia com que vizinhos desconfiassem uns dos outros. Perguntou-se se no Brasil haveria uma lei semelhante.
- Não existe extradição para os Estados Unidos - contou Christopher, recostando-se em sua cadeira.
- Mas ela podia ser forçada a trabalhar aqui. - A voz de Ale soou carregada de preocupação e mágoa. - Fayette corre mais perigo como uma mulher livre do que já correu como minha criada. - Levantou-se de repente, agitada demais para permanecer sentada à mesa. - Há uma epidemia de febre amarela na cidade. E se ficar doente? Ou passar fome? Ou for ferida por criminosos? E se...
- Você pode ajudar libertando-a. Legalmente. Vou providenciar para que os papéis sejam preparados para você assinar - prontificou-se Christopher. - Se lhe der uma carta de alforria, ela não será considerara uma fugitiva. Fayette não é criança. E nem é sua. Nunca foi. Tem vontade própria. Portanto, se é de sua escolha ficar com Carneiro, só cabe a você permitir. - Ele se levantou e beijou-a com gentileza na face. - Fayette sabia dos riscos e, mesmo assim, escolheu a liberdade.
Adiantou-se até a porta.
- Tenho que ir à cidade para providenciar a papelada. - fez uma mesura, o gesto galante contrastando com a aparência desalinhada. - Senhoras.
Dulce observou-o desaparecendo pela porta. Era o homem mais estranho que já conhecera, às vezes rude feito um estivador, mesmo enquanto ajudava a libertar uma escrava. Caprichoso, era o que aquele homem era. Era provável que já tivesse se esquecido do beijo da noite anterior. A julgar pelo mau humor com que acordara, certamente não o considerara “mágico” tampouco. Céus, quantas vezes a vida tinha que lhe ensinar aquela lição? perguntou-se ela, desgostosa. Fora apenas um beijo, disse a si mesma. Já passara da idade de debutante para ficar devaneando por causa de um simples beijo e era orgulhosa demais para admitir que devia ter significado muito mais para ela do que para Christopher.
Sabia que o que se passava em seu coração devia estar transparecendo em seus olhos, pois percebeu que Ale a observava com curiosidade, mas não pôde conter os pensamentos. A noite anterior não significara nada para Christopher. Era provável que nem se lembrasse da conversa que haviam tido, da dança, do beijo que haviam trocado no terraço dando para aquela espetacular vista noturna.
Não podia culpá-lo, não realmente. Que homem na face da terra admitiria ter beijado a solteirona de Beacon Hill?
Christopher esperava que sua demonstração de indiferença tivesse sido convincente. Acordara naquela manhã após o baile de máscaras do Ano-Novo com dor de cabeça e um profundo desejo.
Pensamentos sobre Dulce Savinon torturaram-no durante sua ida ao cais e acompanharam-no enquanto deveria estar concentrado apenas em subornar uma autoridade para conseguir logo a carta de alforria para Fayette. Assim que a obteve, entregou-a a Edison Carneiro, que o agradeceu com lágrimas nos olhos.
Mas, uma vez que retornou aos seus negócios, os pensamentos se fixaram em Dulce novamente, quando, na verdade, deveria estar calculando o peso certo para o lastro do navio. Foi áspero com os homens, cometeu erros em seus cálculos e quebrou umas duas ou três penas de caneta-tinteiro.
Dino enxotou-o para sua cabine, onde Christopher pegou o gato do navio no colo, franziu o cenho na direção das escotilhas, por onde se viam jangadas passando de lá para cá, e pensou mais um pouco em Dulce.
Não tinha dúvida de que poderia despertar-lhe o ardor, ela certamente fora receptiva o bastante. Mas fora uma emoção falsa, baseada em necessidade física. Ele não tinha o direito de roubar-lhe o coração.
Supunha que poderia fazê-la esquecer Alfonso Herrera, se dispusesse do tempo e do temperamento para seduzir uma mulher inibida. Mas Christopher tinha uma grande preocupação em mente também, equilibrando-se entre o êxito imaginado e a possibilidade sempre existente de um terrível fracasso. Havia escolhido o pior momento de todos para cortejar a filha de uma das famílias mais proeminentes de Boston.
Deveria continuar fingindo que aquele beijo jamais acontecera.
Mas, céus... Ela beijava feito um anjo.
Era a pura verdade, e, aos seus vinte e cinco anos de idade, Christopher já possuía experiência mais do que o bastante para saber a diferença. O beijo de Dulce despertou de volta todo o encantamento, o anseio, a inocência e esperança da juventude. Fizera-o lembrar por que o beijo fora inventado.
Ainda assim, ele aprendera a viver sem amor no passado.
O pai lhe ensinara aquilo. Decidiu fazer o que sempre fizera quando seu coração ameaçara conduzi-lo no caminho do desastre emocional. Mergulharia de cabeça em seu trabalho, passaria a semana seguinte em atividade febril junto à tripulação e a evitaria até que tomassem a zarpar.
A viagem de volta para casa seria uma outra história, nem sequer queria pensar a respeito. Não queria pensar nas vezes em que a veria relaxando no convés principal com um livro no colo, ou ajudando algum dos marujos em suas tarefas. Não queria pensar nela deitada em sua cama solitária, uma única vela acesa junto à cabeceira, enquanto sonhasse com quem? Poncho? Pelos Deus, pensou, desgostoso. Não deveria estar se importando com os sonhos de Dulce.
Como planejado, nos dias que se seguiram, ele trabalhou longa e arduamente, dormindo em sua cabine no navio e fazendo suas refeições com outros capitães em suas embarcações ancoradas na baía de Guanabara. Mas na véspera da partida, soube que não poderia mais evitar o caminho que levava à Tijuca. Subiu novamente as colinas que conduziam à vila da tia.
- Olá, mamãe - disse, encontrando Ale no pátio, parecendo serena e relaxada enquanto debulhava vagens de feijões com a irmã sobre uma tigela de madeira entalhada. Inclinando-se para beijar-lhe a face, não pôde deixar de admirar quanto sua mãe se adaptava às situações. Alternava-se entre os papéis de dona de plantações, viajante e hóspede tranquila com surpreendente facilidade. - Achei que encontraria você fazendo suas malas.
As duas irmãs trocaram um olhar, e, então, Ale respondeu.
- Filho, eu decidi ficar com Rose.
- Por quanto tempo?
- Permanentemente.
Christopher soltou um assobio baixo.
- Mas e quanto a Albion?
- Aquele lugar não tem sido mais meu lar desde que Simas o herdou. Agora, não fique de cenho franzido desse jeito. Ele foi um anjo, fazendo questão que eu soubesse que tenho um lar lá pelo resto da vida se eu quiser. - Ela deixou de lado a tigela de feijões. - Mas Albion não é mais o meu lar, nem a minha vida, Minhas viagens pela Europa me fizeram mudar como pessoa. O fato de rever Rose e perder Fayette só tornou o futuro muito mais claro para mim. - Abriu um sorriso radiante para a irmã. - Meu lar é com minha família e, hoje em dia, além de você, minha família é Rose.
- Acho que está ótimo assim, mãe - disse Christopher, com sinceridade. Havia algo de confortador e adequado na imagem de duas irmãs envelhecendo graciosamente juntas no meio de um paraíso.
- E você me visitará com frequência, é claro. - Ale inclinou-se ansiosamente para frente na cadeira.
- Claro que sim - assegurou-lhe Christopher com a mesma sinceridade.
- Enviaremos uma grande caixa de madeira ao cais - explicou Rose. - Ale e eu escolhemos algumas coisas bonitas para Hermione. Ela não parece ser do tipo que compra coisas para si mesma e, portanto, tomamos a liberdade de escolher algumas lembranças do período que passou conosco.
- Onde ela está? - Harry esperou que sua voz soasse indiferente. - Fazendo as malas?
- Eu tenho absoluta certeza de que já deve ter feito isso. Creio que deva ter saído em mais uma de suas expedições.
- Expedições?
- Sim, Dulce tem saído sozinha constantemente - respondeu a tia. - Faz questão de conhecer o máximo de lugares pitorescos que puder. Creio que a aventura de hoje incluía desenhar um pouco da flora e fauna locais.
Ele sentiu uma ponta de irritação.
- Ela não deveria sair sozinha.
- Não tem havido ninguém para lhe fazer companhia nos últimos dias - declarou Ale com um olhar significativo.
- Então, para onde exatamente Dulce foi hoje?
- Até a floresta. Queria conhecer as nascentes do morro onde se situa a Nossa Senhora da Glória do Outeiro.
- E foi sozinha.
Rose confirmou com um aceno de cabeça.
- A caminhada não é árdua. Mas acho que ela não levou nada para comer ou beber consigo. - Deu um tapinha numa cesta coberta com uma toalha vermelha bordada. - Angélica havia lhe preparado tudo isto para levar, mas Dulce esqueceu.
As duas irmãs trocaram um olhar que fez Christopher pensar imediatamente numa conspiração.
- Mãe - avisou.
- Talvez você possa ir lhe levar a cesta - sugeriu Ale, com ar de completa inocência.
Christopher praguejou por entre os dentes. Deveria deixá-la morrer de fome na selva. Mas sabia multo bem que seria incapaz de fazê-lo.
Dulce parou para desenhar uma orquídea que viu pendendo de uma imensa árvore de casca lisa. Cruzando as pernas, sentou-se num trecho de relva da floresta e estudou o cacho de flores de intenso tom rosado. As orquídeas e bromeliáceas fascinavam-na, pois pareciam nascidas de ar e orvalho em vez de terra e água, pendendo dos galhos das árvores, como se fossem borboletas prestes a alçarem voo a qualquer momento.
Esperou que seus traços no papel pudessem capturar a exuberância das pétalas espessas. Ansiou por uma tela e tintas que pudessem fazer justiça à misteriosa qualidade da luz difusa que brilhava através da floresta esmeralda.
Se ao menos pudesse libertar a si mesma feito uma borboleta saindo do casulo e deixar que a atmosfera lúdica daquele lugar a envolvesse e se tornasse parte dela. Em Boston, a natureza fora deixada à parte por construções de concreto, cercas e arbustos meticulosamente aparados. No Brasil, a floresta era uma presença marcante, esparramando-se exuberantemente pelas ravinas e sobre muros, preenchendo os vãos entre as rochas, avançando por caminhos feitos pelo homem.
Toda aquela abundância inundava-lhe os sentidos. Flores explodiam como chamas de lugares sombreados ou altos e rochosos. Entre a vegetação rasteira, havia uma trilha ou outra conduzindo ao azul do mar. Pássaros voavam entre os galhos frondosos das árvores, alegrando a floresta com seu canto.
Ainda assim, apesar de absorta pelo esplendor daquele lugar, Dulce experimentava um anseio por partilhar as suas descobertas. Tia Elizabeth teria adorado tudo aquilo. Mas ela se fora havia muito. Não conhecia ninguém mais que seria tomado por tamanho fascínio e encantamento. E a falta de alguém com quem partilhar o que via, diminuía de algum modo a importância de estar ali, tornava tudo um tanto menos colorido.
Christopher, pensou.
Afastou a ideia impossível antes que pudesse deprimi-la. Tornando a apanhar seu bloco de papel, completou o desenho da orquídea. Talvez devesse escrever uma crônica sobre seus dias nos trópicos e publicá-la. Daquela maneira, outras pessoas poderiam ler suas palavras e partilhar ao menos de parte de seu fascínio.
Mas como meras palavras seriam capazes de transmitir as sensações maravilhosas que a dominavam quando olhava ao redor? As palavras seriam, com certeza, inadequadas para explicar a emoção sublime que a invadia diante de algo tão belo que seus olhos chegavam a ficar marejados.
Terminando o desenho, prosseguiu com a vagarosa caminhada, tentando encontrar uma frase ideal para descrever aquele tipo de luminosidade que descia dos céus infinitamente azuis e se filtrava por ramagens, samambaias, cachos de flores. Ao subir uma colina, ocorreu-lhe que deveria estar cansada pelo esforço, as pernas pesando de tanto caminhar. Mas, estranhamente, não era o caso. Sentia-se mais disposta e revigorada do que nunca.
Angélica, a criada que se mostrara tão amistosa desde seu primeiro dia na Vila do Céu, dissera-lhe que se subisse o bastante, encontraria uma grande catarata onde a nascente brotava da terra. De acordo com a sabedoria popular, a água ali era a mais pura e fria das montanhas. A fonte era tão valorizada que o produtor da melhor aguardente do Brasil contratava carregadores de água para descerem dali com barris repletos nos ombros. Naquele dia, a trilha estava deserta.
Não demorou para que o terreno se tornasse mais íngreme e pedregoso. O murmurinho da cachoeira parecia chamá-la. Fazendo uma curva no caminho estreito, afastou as folhas de uma bananeira e soube que não demoraria a chegar. Os sons do vento e da água que já podia identificar criavam uma melodia complexa, agradável, que preenchia cada parte de seu ser com incrível serenidade.
A expectativa da iminente descoberta deixou-a com a respiração em suspenso nos últimos instantes da escalada. Ainda assim, gradativamente, deu-se conta de um outro som, um som quase oculto pelo burburinho da água e o farfalhar da vegetação.
Parou e olhou para trás, subitamente apreensiva.
A mente formou um súbito turbilhão de imagens com as criaturas perigosas que viviam na floresta. Onças. Morcegos. Sapos venenosos. Cobras capazes de tirar a vida de uma pessoa em questão de segundos. Aranhas...
Deixando o bloco de papel em cima de uma pedra, apanhou um galho seco de árvore do chão. Pequenos besouros e lagartas fervilharam no buraco que o pedaço de galho caído deixou no chão fecundo.
Saindo da trilha, ela se agachou atrás dos arbustos, o olhar atento a tudo a sua volta, o coração aos saltos. Uma camada de suor brotou-lhe na fronte e sob a gola do vestido. Desejou ter dado ouvidos a Angélica e saído com uma roupa leve e típica para o passeio daquele dia. Mas roupas típicas sempre a lembravam de sua excursão ao mercado com Christopher, a quem estava se empenhando ao máximo para esquecer.
Identificou o som que ouvira como o de passos. Pareciam cada vez mais próximos. Lembrou-se dos avisos que Angélica lhe dera quando começara suas incursões. Índios viviam na floresta, alguns podendo ser agressivos. Rose também a alertara a respeito dos quilombos, com seus bandos de escravos fugitivos que certamente poderiam atacar primeiro e fazer perguntas depois.
Um vulto aproximou-se, esgueirando-se pela vegetação, imenso, assustador, sinistro. Dulce agiu sem pensar. Usando toda a sua força, desfechou um golpe quase às cegas com o galho seco que segurava.
Autor(a): chrisdul
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Capítulo XVIII – Extremo da Felicidade E existe até uma felicidade que deixa o coração com medo. Thomas Hood (1827) Tremendo por causa do medo e do esforço, Dulce olhou para o pedaço de galho que segurava e, então, para a pessoa caída no chão. - Céus! - exclamou, agachando-se depressa. - Christo ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 49
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carolinevondyzinha Postado em 15/04/2015 - 20:09:41
Meu deuses cadê vc posta +
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lalita_vondy Postado em 15/07/2014 - 16:40:06
Oieeeee LEITORA nova!! Posta mais por favor to curiosa!! Nao abandona nao por favor!!! Posta vai!! Bjoes!!
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mariaeduardavondy Postado em 30/05/2014 - 15:20:42
Oii! Sou leitora nova!por favor não abandona a web!Por favor!è uma das webs mais perfeitas q eu já li aq no site!por favor volta a postar!
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samandra Postado em 08/03/2014 - 09:43:26
Oi, posta mais :)
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lolawho Postado em 24/02/2014 - 15:15:42
POSTA MAIS!!! PLEASE...
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taisa Postado em 03/02/2014 - 16:05:57
Um MÊS SEM CAPÍTULO NOVO :/
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taisa Postado em 22/01/2014 - 23:23:52
QUERO POSTS...
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lolawho Postado em 18/01/2014 - 19:18:39
Por favor continua a web!!!! *---*
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a_letiicia Postado em 03/01/2014 - 20:49:47
Ahhh espero que você dê-nos esses capítulos enormes todos os dias, todos os dias! hahaha Porque é tão gostoso ir descendo, descendo e descendo o capítulo e ainda ter mais coisa pra ler hahahahahh na verdade é bom porque dá continuidade, não fica aquela história toda picada com meia dúzia de palavras por capítulos, interrompendo as coisas que tem que acontecer sabe? não sei explicar, mas é ótimo!!! hahaha Enfim, eu sabia!!!! Sabia que a timidez, a tristeza, e a inibição da Dulce eram culpa daquele bando de imbecis que ela tinha que conviver. Olha como ela está feliz nesse navio? Ela como ela está se divertindo, se soltando... Ela encontrou o seu lugar ali, perto das pessoas que a 'alta sociedade' provavelmente despreza. Claro que a Dulce tá se livrando pouco a pouco das 'máscaras', o cabelo grande com esses penteados horríveis, os óculos, as roupas enormes e pesadas, os sapatos antiquados... E isso é culpa do Christopher também, que a propósito já está louco por ela.
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vemkgaabi Postado em 03/01/2014 - 11:37:36
Por favor posta maaais estou amando a web *---*