Fanfic: Uma Escola de Charme - Adaptada Vondy | Tema: Vondy
PARTE III
O Pássaro do Inverno
O inverno tornou-se mais frio, tão terrivelmente frio que o patinho tinha que nadar de lá para cá pela água para não congelar. Mas, noite após noite, o buraco em que ele nadava ficava cada vez menor. O buraco, então, congelou de tal maneira que o patinho teve que se debater continuamente para impedir que o gelo quebradiço se fechasse em torno de si. Enfim, cansado demais para se mover, ele congelou depressa no gelo.
Hans Christian Andersen,
O Patinho Feio
(1843)
Capítulo XX - Indiferenças
A minha não é a alma de um covarde.
Emily Bronte
(1846)
Christopher contemplou longamente a maior força que já vira na vida. Sob o sol forte que se filtrava pelas escotilhas de sua cabine no Cisne Prata, reluziam pilhas e pilhas de libras esterlinas.
Numa dada época, aquele teria sido um momento de triunfo. Ele obtivera um lucro bem maior do que a margem que Arthur previra. Graças a uma viagem rápida ao sabor de ventos favoráveis, conquistara bonificações e prêmios com os quais a maioria dos capitães apenas sonhava.
Não conseguia se alegrar com seu êxito, no entanto. Não sentia ânimo nem sequer para mandar içar velas. Não era capaz de fazer nada exceto pensar em Dulce.
Contraiu o semblante, lembrando-se do sedutor interlúdio na floresta tropical. Havia realmente se comportado como um patife. Sob o pretexto de protegê-la, ele a seguira até a lagoa. Sob o pretexto de iniciá-la num novo prazer, ensinara-a a fumar o charuto de ervas. E sob nenhum pretexto em absoluto, tirara proveito vergonhosamente da confiança dela, de sua ingenuidade e, que os céus os ajudassem, de seu estado de torpor, quando estivera tão vulnerável, indefesa.
Não importando que Dulce tivesse desejado aquilo, era uma dama recatada de Boston que merecia todo o respeito.
Não importando que tivesse lhe pedido aquilo, era uma inocente que desconhecia as consequências de seu ato.
Admitia que ela apreciara o que haviam feito, mas também teria sido necessário uma estátua de pedra para ficar imune ao prazer que haviam encontrado, o prazer acentuado pela leve embriaguez causada pelas ervas combinada a um lugar que poderia ter sido o próprio paraíso.
O pior de tudo, até mesmo do que ter tirado proveito de uma mulher ingênua, era o fato de que ele ainda fizera o impensável.
Havia se apaixonado.
Sorvendo um gole de limonada, uma vez que qualquer outra bebida faria sua cabeça latejar depois de tudo que bebera na noite anterior, franziu o cenho para os papéis à sua frente.
Como podia ser tão tolo? Como pudera perder seu coração ali, naquela ocasião, para uma mulher como Dulce? Seu futuro era incerto como uma nuvem no horizonte. Não podia arrastá-la naquele caminho consigo. E ainda estava prestes a enfrentar o seu maior desafio e talvez tivesse que violar cada princípio do comércio marítimo para cumpri-lo.
Tinha que comprar a liberdade da esposa e das filhas de Dino. Talvez se visse obrigado a cometer um ato que poderia levá-lo à forca. Tudo dependeria do que acontecesse na Virgínia.
- Ora, ora - disse Dino, surgindo à porta da cabine. - Você parece um tanto sombrio para um homem sentado diante de todo esse dinheiro.
Christopher sentiu uma dolorosa ponta de afeição enquanto olhava para o seu amigo de infância.
- Pareço, não é mesmo? - Apanhando uma caneta, mergulhou a pena na tinta. - Bem, os negócios estão todos em ordem. Devo colocar o dinheiro no cofre. Uma vez que o fechar, apenas Arthur Herrera terá permissão para abri-lo.
Assinou seu nome na papelada pertinente e começou a colocar o dinheiro na caixa que guardaria no cofre.
- É mesmo uma porção de dinheiro - comentou Dino.
- Sim, sem dúvida. - Christopher meneou a cabeça, sabendo que o dinheiro significava apenas uma coisa para o amigo: reunir-se com sua família.
- Mas Delilah e minhas filhas...
- Irão navegar até o porto de Boston conosco. - Christopher tirou algum conforto da expressão esperançosa que viu no rosto do amigo. Podia ter perdido seu coração e a chance de não ser nada além de uma lembrança para Dulce Savinon, mas reuniria Dino à família não importando quanto aquilo lhe custasse.
Nem que fosse a própria vida.
- O c-capitão me mandou aqui para lhe pedir que traduzisse isto - anunciou Timothy Datty, passando alguns papéis às mãos de Dulce.
Sentada numa cadeira no convés principal, ela escrevia uma carta. O Cisne Prata partira do Rio de Janeiro havia dezesseis dias, e ela estivera tentando evitar Christopher durante todo aquele tempo. Ele parecia aceitar aquilo com um misto de constrangimento e alívio.
Ficara temeroso de que passasse a segui-lo pelos cantos feito uma tola apaixonada. Podia ver aquilo com clareza agora, embora o fato a magoasse. Ele deveria ter sabido que seria incapaz de algo assim. Sua natureza prática voltara a dominá-la. A experiência extraordinária na floresta tropical não passara daquilo, algo maravilhoso, idílico. Um acontecimento tão perfeito que não poderia, nem deveria, ser repetido. Fora como encontrar um trevo de quatro folhas ou ver um cometa no céu: um fenômeno que só acontecia uma vez na vida. Devia se considerar com sorte por ter vivido aquele momento ao menos dessa vez, pois, com certeza, a maioria das pessoas nunca chegava a conhecer tamanha felicidade. Desejar mais seria inútil, impossível.
Deixando de lado a carta que estivera escrevendo, sorriu afavelmente para Timothy. Não era culpa do garoto que o capitão fosse um cretino.
- Obrigada por me trazer isto - disse-lhe.
- Não há de quê. - Quando usava as técnicas de respiração que lhe ensinara, Timothy raramente gaguejava. Estava agora parado junto à amurada, sorrindo e observando-a de uma maneira curiosa.
- Há algo mais que você precise? - perguntou-lhe.
- Hum... não. Você gostou do Rio de Janeiro?
- Adorei.
- Achei que sim.
- E o que o fez pensar assim?
- A senhorita parece diferente, apenas isso.
Dulce abriu um sorriso, sabendo que era um sorriso triste e que estava muito perto das lágrimas.
- Acho que estou diferente, sim - disse, o olhar perdido na vastidão do oceano. - Estou realmente diferente.
Ele afastou-se, enfim, e Dulce baixou os olhos para suas mãos. Quando havia parado de roer as unhas? Passara por uma drástica transformação naquela viagem, e as mudanças se manifestavam de maneiras curiosas. Sentia certa admiração olhando para suas mãos com as unhas uniformes e polidas, a pele dourada pelo sol. Ainda assim, mesclando-se àquela admiração havia confusão e, às vezes, o desejo de recolher-se de volta à sua redoma, escondendo-se do mundo como fizera em Beacon Hill.
Deixou a carta de lado em seu colo. Não fazia ideia do que estivera escrevendo ou para quem destinara a carta. Céus; sua mente não andava das mais atentas. Não parecia conseguir se concentrar em nada específico por muito tempo.
Exceto em Christopher. A despeito de sua decisão de ser prática, podia passar horas pensando nele sem se desviar uma vez sequer a outro assunto. Era terrível, sem dúvida, aquela triste obsessão que a dominava. Num nível puramente racional, entendia a razão para a presença constante dele em seus pensamentos. Fora o primeiro homem que lhe despertara desejos carnais, que lhe mostrara prazeres físicos com os quais nem sequer sonhara. O problema era que, sem poder evitar, ansiava por mais do êxtase que lhe mostrara.
Felizmente, possuía uma poderosa reserva de bom senso. Sua determinação iria protegê-la e impedi-la de bancar a tola por causa de um inconstante capitão de navio que provavelmente mal podia esperar para tirá-la de sua vida. Antes, sua determinação dera-lhe forças para ignorar as convenções e viajar a bordo de um navio mercante. Dera-lhe forças para enfrentar os perigos da vida no mar. Com certeza, seria capaz de lutar contra aquela atração inadequada por Christopher Uckermann.
Se bem que, alguns minutos depois, quando o viu aproximar-se pelo convés, como se o tivesse evocado com seus pensamentos, sentia sua força de vontade esmorecendo. Chegava a ser absurda a maneira como a natureza o privilegiou com tamanho magnetismo e beleza física. E o anseio dela era mais profundo agora porque sabia que o magnetismo e a beleza se estendiam a cada centímetro daquele corpo.
Sentindo súbito calor e inquietação, protegeu os olhos do sol e ergueu a cabeça para observá-lo. Ele não poderia ter planejado que o vento lhe moldasse a camisa ao peito musculoso, nem que o sol lhe deixasse os olhos verdes tão intensos, mas, ainda assim, o efeito parecia destinado a provocá-la.
- Bom dia, capitão Uckermann - disse ela, com um sorriso cordial,
- Bom dia. - Christopher fez uma mesura, zombando da formalidade com uma piscadela. Indicou a papelada que mandara Timothy lhe entregar. - Obrigado por ter aceitado estas traduções. Achei que tivéssemos resolvido o assunto da papelada quando deixamos o Rio, mas isso parece nunca ter fim.
- Não me importo em cumprir meu dever. - Dulce endireitou os papéis que segurava com ar profissional.
Christopher não pareceu com pressa para se afastar. Em vez daquilo, com uma expressão indecifrável no rosto, sentou-se numa cadeira ao lado no convés.
- Está apreciando a viagem de volta para casa?
- Até agora, sim.
- Precisarei que o conhecimento de embarque do Cisne seja copiado outra vez - explicou ele, entregando-lhe o documento. - Faremos uma parada breve num porto da Virgínia.
- Pararemos lá?
- Rapidamente. - O maxilar de Christopher ficou rígido com a tensão.
- Os homens sabem disso?
- Se insistir em ser insubordinada, designarei as suas tarefas a outro alguém.
A antiga Dulce teria estremecido com aquele tom ríspido. Mas agora sabia como enfrentar a raiva de um homem, sabia que era algo que não a mataria.
- A Virgínia não estava nos planos originais da viagem - observou.
- Droga, Dulce. Apenas faça seu trabalho e não diga nada.
- Sim, senhor capitão. - Não querendo se deixar intimidar, ela juntou o documento aos demais em seu colo.
Permaneceram num silêncio tenso por algum tempo. Então, ele indicou a carta que ela deixara de lado.
- Escrevendo para Poncho outra vez?
Hermione se exasperou com aquele tom de sarcasmo.
- Eu...
- É claro que está - interrompeu-a Christopher, sua voz baixa, mas seca. - Você prometeu que lhe contaria sobre todas as suas aventuras a bordo.
- Se bem me lembro, eu prometi que me corresponderia.
- E quanto à aventura na cachoeira?
O fato de ouvir aquelas palavras criava um turbilhão de emoções em Dulce. Havia sido o dia mais perfeito de sua vida. Mas Christopher parecia determinado a zombar do que haviam partilhado.
- E então? Você lhe escreveu a esse respeito?
- Como se atreve?
- Corno me atrevo a quê? A fazê-la finalmente falar sobre aquele dia?
- Não faça parecer que a culpa é minha. Você é que tem me evitado. E não é necessário falar a respeito. Já passou.
- Foi o que também pensei - respondeu Christopher, mas, de repente, sua voz baixou para um sussurro - Mas quanto mais o tempo passa, mais penso a respeito.
Dulce tornou a endireitar a papelada em seu colo desnecessariamente.
- Não vejo razão para falarmos mais sobre aquele dia. Você disse que foi um erro. Estava com a razão.
- E quanto a você? Foi um erro para você também?
A pergunta direta a fez hesitar sobre o que dizer. Poderia revelar seus sentimentos? Deveria correr aquele risco? Não. E a parte pior era que não fazia ideia do que os seus sentimentos significavam. Suas emoções viviam num turbilhão, alternando-se entre anseio, desejo, ternura e melancolia. Nunca sabia, quando abria a boca para falar, se iria rir ou chorar. De qualquer modo, Christopher não iria achar suas emoções bem-vindas, assim como Alfonso Herrera nunca achara. Então, por que contar-lhe? Por que sujeitar-se a tal sofrimento?
Em vez de terem-na fortalecido à dor, todas as incontáveis rejeições do passado só a haviam tornado mais vulnerável. Portanto, fez a única coisa que pôde. Deu-lhe a explicação prática.
- Nós ficamos entorpecidos por uma erva que nos levou a cometer uma grande tolice.
- Então, você não sente nada agora?
- Apenas me sinto uma tola. - Dulce sabia que estava mentindo. Ainda que sóbria, sentia-se inebriada pela paixão a cada vez que pensava nele. Mas a vida lhe ensinara bem as suas duras lições. Um homem bonito e charmoso só acabava por deixá-la de coração partido. Tinha que obrigar a si mesma a ser mais forte do que seus desejos. - Tenho certeza de que você se sente da mesma maneira - acrescentou.
Inesperadamente, Christopher tocou-lhe a face. Levemente. A ponta dos dedos roçando-lhe a pele, deixando uma trilha de fogo. Aquela evocou outras carícias longínquas, em outros momentos.
- Você não faz ideia do que se passa comigo.
Algo na expressão de Christopher assustou-a. O ar soturno, a intensidade. Quando achava que conhecia aquele homem, ele lhe mostrava uma nova faceta. Afastou o rosto, esquivando-se daquele toque desconcertante, mesmo enquanto uma parte de si ansiava pela carícia.
- Então, talvez você possa me explicar o que quer dizer.
Ele passou a mão pelos cabelos negros num gesto de frustração.
- Eu não posso lhe dar nada.
- Nunca lhe pedi nada.
Christopher sorriu, a expressão sombreada por uma tocante tristeza.
- Oh, Dul, você pediu, sim.
- Não entendo.
- Você espera tudo. A lua. As estrelas. O sol. Mas você escolheu o homem errado. Cometeu o erro de achar que tenho algo a oferecer.
Dulce riu, surpresa com o fato de que um tom tão amargo pudesse ecoar dele.
- Que esperteza de sua parte, capitão sabe-tudo. Ao longo dos anos, cavalheiros me deram todo o tipo de desculpa possível para explicar a relutância em me cortejarem. Fui responsável por mais tias-avós mortas, cavalos com cólica, rodas de carruagens quebradas e até alguns casos de sarampo do que qualquer outra mulher em Boston. Mas esta é a primeira vez que ouço uma desculpa esfarrapada como a sua.
Ela se ouviu falando sem parar, mas temeu que, se não o fizesse, acabaria vacilando. Choraria. Poderia até deixar escapar a verdade.
- Posso afirmar, com toda a franqueza, que você é o único a se declarar inadequado com base em suas qualidades pessoais ou falta delas. Eu o parabenizo. Foi bastante original.
Christopher se levantou.
- Eu não sou como os outros. Você sabe muito bem que não.
Dulce obrigou-se a sacudir a mão no ar num gesto de indiferença.
- Realmente não importa. Ouvi dizer que cavalheiros têm encontros amorosos o tempo todo. Você não é diferente. Com certeza, a sua falta de caráter moral não é algo que devamos perder tempo discutindo quando há tanto trabalho a fazer. - Determinada, ela baixou o olhar e começou a examinar a papelada em seu colo. Não podia ver uma única palavra, todas se confundiam num borrão de lágrimas contidas.
Christopher se aproximou da amurada, o vento soprando-lhe os cabelos, a camisa. Dulce esperou que ele se afastasse, mas não o fez. Simplesmente ficou ali. Ela fingiu estar lendo os papéis.
Finalmente, ele rompeu o silêncio.
- Sobre aquele dia, ainda falta dizer algo. Caso você venha a descobrir que está esperando um filho meu, acertarei as coisas entre nós, eu prometo. - Enfim, deixou a amurada e se afastou.
Dulce largou de imediato a papelada em seu colo. Um filho. A simples ideia a enchia ao mesmo tempo de terror e empolgação. Mas em meio à sua dúvida havia uma profunda tristeza.
Christopher não compreendia? Nada mais voltaria a ficar certo outra vez.
Dino olhou significativamente para a caneca na mão de Christopher.
- Isso não ajudará, sabe?
Christopher recostou-se no leme. Não precisava manobrá-lo, pois estava fixo no lugar. Com os atuais ventos estáveis, chegariam em terra em tempo recorde.
- O que o faz pensar que estou procurando ajuda?
Dino soltou um riso.
- Essa é a sua terceira caneca de rum desde que Dulce subiu ao convés.
- É mesmo? Eu não notei. Quando foi que ela subiu?
Rindo ainda mais, Dino tirou-lhe a caneca das mãos.
- Você ficou mesmo cativado, não é? - Bebeu o rum com um gole exagerado. - Então, o que é que vai fazer a respeito?
Christopher cruzou os braços e baixou o olhar, franzindo o cenho em direção à metade do convés. Os homens davam aulas de dança a Dulce. Já a haviam instruído em danças populares antes; naquela noite passavam para as mais formais dos grandes salões.
Enquanto Luigi e Chips tocavam uma valsa improvisada com gaita e rabeca, Ralph Izard a conduzia nos passos. Os demais batiam palmas alegremente ao ritmo da música, ou bebericavam de suas canecas enquanto observavam.
Os pés descalços de Dulce se moviam com crescente confiança sobre o chão de tábuas do convés. Usava saia e blusa simples e tinha um dos lenços coloridos de Gerald amarrado na cabeça. Tinha as faces coradas sob os últimos vestígios de luminosidade do pôr-do-sol, seu riso cristalino ecoando em meio à música.
Observando-a, Christopher sentia uma poderosa onda de desejo, curiosamente acompanhada de grande ternura. Vira-a transformando-se bem diante de seus olhos, passando de uma sisuda e retraída solteirona que desconfiara do mundo a uma jovem sorridente e cheia de vivacidade. Aquela transformação fascinava-o.
- Onde acha que Izard aprendeu aquela dança tão cheia de nove horas? - perguntou Dino.
Christopher manteve o olhar no par que dançava um pouco abaixo.
- Ele cresceu como filho de um ricaço da construção naval em Nova York. Obteve a educação privilegiada de um cavalheiro, mas acabou tendo um desentendimento com a família e partiu para o mar. - Ficou aliviado que Dino não lhe perguntasse qual fora a razão do desentendimento. Seu atual primeiro imediato ultrajara a família conservadora tomando como esposa uma africana.
A valsa terminou, e Dulce estava sorridente e ofegante feito uma debutante, abanando-se com um leque que o Doutor fizera com penas de galinha.
- Por que você parou de cortejá-la? - indagou Dino. Christopher lançou-lhe um olhar aturdido. Esperara ter mantido seu insensato e breve romance com Dulce em segredo. Esperava também que a loucura de ter-se apaixonado por ela tivesse passado despercebida a seu amigo.
- Para começar, eu jamais deveria tê-la cortejado. - Soltou um longo suspiro, enquanto observava Dulce e os marujos formando as filas de uma elegante dança do campo. - Na verdade, não cheguei a cortejá-la, nem a planejar nada. - Virou-se para o amigo com uma expressão de impotência. - Apenas aconteceu.
Um largo sorriso iluminou o rosto de Dino.
- É assim que o amor funciona. Apenas, acontece - acrescentou, zombando do ar desorientado dele.
- Você está sendo de grande ajuda! Para seu governo, estou tentando esquecê-la.
- E se você pensa que conseguirá, é ainda mais tolo do que se pode imaginar.
- Tenho que esquecê-la. Dentro de algumas semanas, ela estará reunida de volta à família e eu, zarpando em outra viagem. Observe-a agora. Os rapazes casadouros de Boston logo estarão se engalfinhando uns com os outros tentando cortejá-la. - Admitir aquilo só aumentava a frustração que consumia Christopher.
- Talvez - concordou Dino. - Mas quem ela quer é você.
- Ela não faz ideia do que quer. Pela maneira como a família a criou. Acho que nem sequer sabe o que é o amor.
- Então, mostre-lhe. Ensine-a a esse respeito.
- Com que finalidade? Do que adiantaria?
- Isso a faria acreditar.
Christopher estudou-o com atenção. Seu amigo sempre possuíra uma sabedoria profunda e antiga em que confiava.
- Acreditar em quê?
Dino tocou o saquinho de couro pendurado ao pescoço, o talismã que lhe fora dado pela esposa.
- Que alguém é capaz de amá-la. Como Dulce poderia saber disso? Além daquela falecida tia-avó de quem fala de vez em quando, ninguém nunca a amou.
- Isso seria loucura.
- Seria mais loucura do que vocês dois ficarem trocando farpas um com o outro pelo restante da viagem? - Sem esperar por uma resposta, Dino apanhou a caneca e desceu da cabine de comando.
Christopher ficou sozinho, observando o progresso das aulas de dança e tentando dissuadir a si mesmo do que estava prestes a fazer. Por que, afinal, deveria se dar ao trabalho de instruir Dulce Savinon nas lições do amor? Por que deveria ser de sua responsabilidade mostrar àquela mulher difícil, fascinante, inteligente e imprevisível como era o verdadeiro amor? Seria melhor deixá-la pensar que era tudo um mar de rosas. Não era sua função mostrar-lhe que o amor também tinha seu lado sombrio, seus momentos de um medo tão grande e contagiante que o mundo inteiro parecia ficar em suspenso, dependendo de como tal amor evoluísse.
Fora o que apanhara Christopher de surpresa. A agonia do amor. A pura alegria seguida rapidamente por um medo avassalador.
Numa determinada ocasião, o pai lhe dera um frasco com explosivos que tinham estado usando para explodir alguns dos campos distantes, com o propósito de nivelá-los. Christopher fora instruído a carregar o frágil recipiente de vidro, temendo por sua própria vida no caso de derrubá-lo.
Lembrava-se daquela sensação agora, aquele misto de euforia e terror. Euforia por ter sido escolhido para uma missão de tamanha importância, acompanhada constantemente pelo terror das consequências de um fracasso.
Olhou ao longo do convés para Dulce e sentiu a mesma coisa, só que ainda mais intensamente.
Praguejando baixinho, desceu da cabine e adiantou-se pelo convés principal, ignorando uma ligeira tontura produzida pelo rum com suas passadas bruscas. As aulas de dança haviam conduzido a um minueto, tocado de maneira tão sofrível por Luigi e Chips que mal se reconhecia. Com zombeteira solenidade, o Sr. Izard e Dulce executavam os passos. O rosto dela transmitia tamanha alegria que Christopher sentiu seu coração leve, o lado sombrio esquecido por ora.
Naquele momento, foi tomado por súbita percepção. Queria que ela fosse feliz. Estava surpreso em se dar conta de quanto queria aquilo. Outra consequência insana do fato de amá-la. Queria a felicidade de Dulce mais do que a sua própria. Era peculiar, quase bizarro, ser tomado por sentimentos tão poderosos. Não queria que ela sentisse medo, dor ou incerteza. Era exatamente como Dino dera a entender. O amor não era egoísta. Era o melhor e mais generoso sentimento que um homem podia ter.
Sentia-se curiosamente liberto enquanto caminhava pelo amplo convés. Cabeças viraram-se em sua direção, algumas sobrancelhas arquearam-se. Embora tivesse se estabelecido como um capitão de poucas formalidades, raramente se reunia à tripulação durante sua diversão noturna.
Como se tivesse acabado de entrar num salão de baile formal, deu um tapinha no ombro de Izard.
- Posso interromper?
- Sim, senhor. - O primeiro imediato entregou-lhe a mão de sua parceira.
Os músicos continuaram com sua execução deplorável do minueto, enquanto Christopher abria um sorriso para uma Dulce de expressão cautelosa.
- De agora em diante, quero que reserve o minueto para mim - disse-lhe, exagerando no sotaque sulista. Puxou-a para si, sentindo-lhe os quadris junto aos seus, um gesto que Izard não se atrevera a tentar. Rápida em aprender aquilo, como em todas as outras coisas, Dulce acompanhou-lhe os passos e não demorou para que ambos dominassem o convés com sua dança.
Ela ergueu o olhar para fitá-lo, visivelmente satisfeita com a novidade de ter um parceiro mais alto a conduzi-la. A expressão naquele rosto adorável disse a Christopher tudo o que precisava saber. A sua era uma boa causa.
Naquela noite, iniciou um padrão de comportamento destinado a agradá-la, a fazê-la esquecer-se de que algum dia já fora a solteirona desajeitada e socialmente inepta de Beacon Hill. Fez de seu propósito provar-lhe que era digna de toda a consideração, prepará-la para o retorno ao mundo de Boston, a fim de que o enfrentasse com confiança, não timidez. Queria que esperasse cortesia da parte dos homens, não indiferença e desprezo. Queria que manifestasse sempre sua opinião, não que a reprimisse.
Ele emprestou-lhe seus livros favoritos. Num dia, quando a temperatura estava especialmente amena e agradável, subiu no mastro principal e cantou-lhe uma balada, enquanto os membros da tripulação acompanharam-no no refrão. Quando ela comentou que não podia suportar a ideia de que as galinhas do navio fossem mortas pelo cozinheiro, Christopher ordenou-lhe que as poupasse.
A felicidade de Dulce desabrochou naquelas semanas da viagem rumo ao norte. E se algumas vezes seu sorriso pareceu confuso ou intrigado, Christopher não se importou. Nem tentou se explicar. Aquela era a surpreendente verdade de seu amor por ela. Não se importava em dá-lo.
Autor(a): chrisdul
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Capítulo XXI – De volta ao Lar Lar” designa quaisquer quatro paredes que abriguem a pessoa certa. Helen Rowland Baía Mockjack Virgínia. Março de 1852 - Terra à vista! - ecoou o anúncio do mastro principal. Dulce, que gritara o aviso a plenos pulmões, abriu um largo sorriso para Dino, que se achava sobre uma ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 49
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carolinevondyzinha Postado em 15/04/2015 - 20:09:41
Meu deuses cadê vc posta +
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lalita_vondy Postado em 15/07/2014 - 16:40:06
Oieeeee LEITORA nova!! Posta mais por favor to curiosa!! Nao abandona nao por favor!!! Posta vai!! Bjoes!!
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mariaeduardavondy Postado em 30/05/2014 - 15:20:42
Oii! Sou leitora nova!por favor não abandona a web!Por favor!è uma das webs mais perfeitas q eu já li aq no site!por favor volta a postar!
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samandra Postado em 08/03/2014 - 09:43:26
Oi, posta mais :)
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lolawho Postado em 24/02/2014 - 15:15:42
POSTA MAIS!!! PLEASE...
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taisa Postado em 03/02/2014 - 16:05:57
Um MÊS SEM CAPÍTULO NOVO :/
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taisa Postado em 22/01/2014 - 23:23:52
QUERO POSTS...
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lolawho Postado em 18/01/2014 - 19:18:39
Por favor continua a web!!!! *---*
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a_letiicia Postado em 03/01/2014 - 20:49:47
Ahhh espero que você dê-nos esses capítulos enormes todos os dias, todos os dias! hahaha Porque é tão gostoso ir descendo, descendo e descendo o capítulo e ainda ter mais coisa pra ler hahahahahh na verdade é bom porque dá continuidade, não fica aquela história toda picada com meia dúzia de palavras por capítulos, interrompendo as coisas que tem que acontecer sabe? não sei explicar, mas é ótimo!!! hahaha Enfim, eu sabia!!!! Sabia que a timidez, a tristeza, e a inibição da Dulce eram culpa daquele bando de imbecis que ela tinha que conviver. Olha como ela está feliz nesse navio? Ela como ela está se divertindo, se soltando... Ela encontrou o seu lugar ali, perto das pessoas que a 'alta sociedade' provavelmente despreza. Claro que a Dulce tá se livrando pouco a pouco das 'máscaras', o cabelo grande com esses penteados horríveis, os óculos, as roupas enormes e pesadas, os sapatos antiquados... E isso é culpa do Christopher também, que a propósito já está louco por ela.
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vemkgaabi Postado em 03/01/2014 - 11:37:36
Por favor posta maaais estou amando a web *---*