Fanfics Brasil - 46 Uma Escola de Charme - Adaptada Vondy

Fanfic: Uma Escola de Charme - Adaptada Vondy | Tema: Vondy


Capítulo: 46

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PARTE IV



O Cisne


Então, repentinamente, ele ergueu as asas. Elas cortaram o ar com muito mais força do que antes, e os vigorosos impulsos levaram-no longe. Antes que ele se desse conta do que estava acontecendo, descobriu-se num grande jardim, onde macieiras floresciam. Os lilases preenchiam o ar com seu doce perfume, pendendo em cachos de arbustos longos e verdes que se curvavam acima de um rio sinuoso. Oh, mas aquele lugar era adorável no frescor da primavera!

Mas o que via ali, refletindo-se no límpido rio? Ele contemplou sua própria imagem, e não era mais o reflexo de um pássaro desajeitado, sujo e cinzento, um pássaro feio e ofensivo.

Ele era um cisne!



Hans Christian Andersen,
O Patinho Feio (1843)


 


Capítulo XXIII – Ela, enfim cisne


E esta é a boa e velha Boston, 
a terra do feijão e do bacalhau, 
onde os Lowell falam com os Cabot 
e os Cabot falam apenas com Deus.


John Collins Bossidy,
Brinde, na Ceia da Ordem da Sagrada Cruz


Boston, abril de 1852

Um barco a remo afastou-se suavemente Cisne, seus ocupantes alegres, sua conversa animada atravessando as águas do porto. Christopher deteve-se junto à amurada e observou-o ir. Enviara Izard e Click às docas com instruções de reportarem sua chegada às autoridades portuárias. Tinham também instruções secretas para alugar uma escuna de construção holandesa para uma viagem rápida e clandestina ao Canadá. A transação iria escassear os recursos pessoais de Christopher, apesar da viagem lucrativa que fizera, mas não se importava. Seu objetivo era o de levar Dino e a família para um lugar seguro, um lugar onde pudessem viver em liberdade.
 
Em questão de minutos, um outro barco aproximou-se do Cisne. Informado sobre a chegada do navio, Arthur Herrera enviara seus assistentes para um relatório preliminar. Observando-os do alto da amurada, ele reconheceu com desagrado que um terceiro homem estava no barco com os dois funcionários da companhia. Alfinsi Herrera.

Olhou ao redor para ver onde Dulce se encontrava. Não a viu em lugar algum ali no convés principal. Na certa, estaria na própria cabine, acabando de organizar seus pertences para a volta para casa. Perguntou-se qual seria a reação dela quando visse Poncho. O almofadinha ainda seria o objeto da ingênua devoção dela? Ficaria arrependida de seu envolvimento no Cisne?

Todos tinham ordens para manterem Delilah e as crianças escondidas a bordo. A Lei de Escravos Fugitivos estava em pleno vigor, não podiam correr riscos desnecessários. Aquela altura, Beaumont teria notificado as autoridades e fornecido-lhes uma descrição completa da esposa e filhas de Dino.

Com um ar altivo, o filho de Arthur subiu a bordo e aproximou-se pelo convés. Como era previsível, quase tropeçou num amontoado de cordas. Recobrando a compostura, declarou:

- Seja bem-vindo, capitão Uckermann. Não o esperávamos tão cedo. Tem a papelada da carga?

- Tudo está em ordem. - Christopher conduziu-o à cabine de comando e apresentou-lhe os registros das transações comerciais que fizera no Rio de Janeiro. Vendo os números nítidos e organizados de Dulce, sentiu uma ponta de ternura e gratidão. Ela fora alguém de valor inestimável para a companhia, algo que ele jamais teria previsto quando haviam zarpado de Boston.

Poncho olhou de relance para alguns papéis. Era evidente que não compreendia todos os números, mas um dos assistentes que o haviam acompanhado ajustou os óculos e soltou um assobio.

- Muito bem, capitão! - exclamou, impressionado.

- Sua viagem foi um grande sucesso, pelo que vejo.
Quase a contragosto, Poncho estendeu-lhe um elegante envelope.

- Haverá uma festa dançante em minha casa nesta noite. Meu pai deseja que você compareça.

Christopher abriu um sorriso, pegando o convite.

- Não deverei desapontá-lo, então.

Poncho limpou a garganta.

- Meu pai enviará uma carruagem para buscá-lo no porto. Há algo mais a resolver? - perguntou aos funcionários de Arthur.

- Não hoje - respondeu o segundo assistente. - Amanhã providenciaremos para que o navio seja levado a um ancoradouro e começaremos a descarregar a carga.

Christopher manteve um sorriso cordial no rosto enquanto os três homens se preparavam para deixar o navio. Era um alívio que a visita preliminar tivesse sido breve. Enquanto Poncho colocava um pé na escada, o gato do navio surgiu detrás de um barril e caminhou preguiçosamente pelo convés. Christopher lançou-lhe um olhar e, então, seus olhos se arregalaram em incredulidade ao notar que a pequena e risonha Celeste subira de algum modo ao convés atrás do gato.

Todos gelaram exceto a garotinha robusta que ria a valer enquanto continuava seguindo o animal.

- Uma passageira não autorizada, capitão? - perguntou-lhe Poncho, estreitando o olhar.

- Não, em absoluto - respondeu Harry, com aparente calma. - Descobrirá que tudo está na mais perfeita ordem no manifesto do navio. Sabendo que humanitário dedicado o seu pai é, nós adotamos uma criança órfã.

O mais casualmente que pôde, o Doutor pegou a criança nos braços, cantarolando-lhe algo enquanto descia a escada que levava ao refeitório.

- Uma órfã, você diz?

Christopher sustentou o olhar de Poncho com toda a firmeza.

- Sim, é exatamente o que eu digo.

O filho de Arthur se foi, deixando-o sem saber se acreditara ou não na explicação. A julgar pela maneira como seu coração disparara no peito, Christopher imaginava que a mentira devia ter sido óbvia. Mas, conforme o dia prosseguisse, provavelmente o almofadinha se esqueceria do incidente e, se o tempo não piorasse, ele pretendia partir para o Canadá ao amanhecer do dia seguinte. Soltou um longo suspiro, sentindo o ritmo de seu coração voltar ao normal.
 
- Aqueles eram os assistentes do Sr. Herreta? - perguntou Dulce, aproximando-se.

- Sim. Poncho estava com eles.

- Céus, Poncho?

- O próprio. Por que você não subiu ao convés para cumprimentá-lo?

Ela pareceu desanimada.

- Eu não sabia que ele viria. Eu estava na outra cabine, ajudando Delilah e as crianças a arrumarem suas coisas.

Christopher estudou-a, tentando decifrar-lhe as emoções por trás da expressão de desânimo. Já parecia diferente, tornando-se sombria como o tempo tempestuoso formando-se no oeste. Sentiu falta da outra Dulce, daquela que se lançara na viagem com um senso de aventura, daquela que costumara subir ao convés descalça e sorridente para cuidar de tarefas ou dançar feito uma menina.

Christopher estendeu-lhe o convite.

- Arthur estará oferecendo uma recepção hoje à noite. Uma festa dançante, na verdade.

Dulce continuou mantendo sua expressão séria, indecifrável.

- Você acha que devo ir? - perguntou-lhe.

Harry ficou furioso com o fato de Poncho nem sequer ter pensado em mencionar o nome dela quando lhe entregara o convite.

- É claro que sim. Tenho certeza de que sua família estará lá.

- Então, por certo, deverei ir. Você estará lá, não é?

- Chegarei mais tarde. Tenho que deixar todas as providências tomadas para a segurança de Journey e Delilah.

- Será o Canadá para eles, então.

Christopher meneou a cabeça, mas não fez mais comentários, não querendo preocupá-la com o plano arriscado que sabia ter que levar adiante.
 
- Jamais poderão retornar - disse ela, com um suspiro.

- Não, a menos que a escravidão seja abolida.

- Não até que seja abolida, você quer dizer.

- As coisas estão ficando piores, não melhores. Desde que o Congresso aprovou a Lei de Escravos Fugitivos, todos suspeitam de todos. É vizinho contra vizinho nos dias de hoje.

Dulce tocou-lhe a mão de leve.

- Vai sentir falta dele, não é?

Tanto quanto sentiria de meu braço direito se o perdesse, pensou Christopher, mas não disse aquilo em voz alta.

Um trovão reverberou a oeste. Uma ameaçadora formação de nuvens plúmbeas ia avançando. Uma tempestade. Exatamente o que ele não precisava.

- É melhor você descer e se preparar para a festa de Arthur. Eu mesma a levarei de barco até as docas depois.

Christopher cometeu o erro de fitá-la nos olhos ao vê-la hesitando por um momento. Droga, mas aquela mulher tocava seu coração, fazia-o querer carregá-la em seus braços, levá-la para algum lugar distante e fazer amor com ela, para terem um filho e passar o resto de sua vida amando-a.

- Christopher, eu gostaria de...

- Apenas vá - interrompeu-a ele, num tom ríspido que a fez contrair o rosto. - Vá e se prepare para a festa.

- Sim, capitão - revidou ela. - Farei isso.

Houve nova explosão de um trovão nos céus, enquanto se afastava. Ele se obrigou a permanecer no lugar, mas seu coração não a deixava ir. Precisava de Dulce. Céus, apenas mais uma vez. Precisava dela mais uma vez ao menos.


Dulce ajeitou-se na pequena banheira na cabine apertada que fora seu alojamento durante tantas semanas. Esforçou-se para tentar conter uma crescente apreensão. Estava de volta a Boston, em casa novamente. 

Banhou-se com sabonete de rosas e água fresca. Agora que haviam chegado ao porto, não precisavam economizar. Usou uma boa quantidade da água cristalina, enquanto seus pensamentos inquietantes continuavam num turbilhão.

Não devia se sentir desconcertada com a ideia de estar de volta. Beacon Hill era o lugar a que pertencia. Deveria estar ansiosa para voltar à sua casa e ver sua família, seu quarto e seus livros, para voltar à vida que sempre tivera.

Ainda assim, como poderia se ajustar de novo ao seu antigo mundo? O fato de ter que encarar sua família e Poncho apavoravam-na. A ideia de voltar ao lugar onde a vida fora tão cruel era impensável.

Com o coração pesado, abriu seu baú e apanhou um dos familiares vestidos pretos que havia tempo não mais colocara. Vestiu a combinação, o espartilho e as anáguas, sentindo-se mais e mais oprimida a cada camada de roupa que colocava.

Até as próprias peças de roupa pareciam pender de seu corpo desoladamente. Antes o seu favorito, o vestido preto agora parecia cobrir seu corpo como um saco de batatas. Não possuía mais o bom caimento, as pregas impecáveis que tinham costumado fazê-lo parecer tão elegante.

Soltando um suspiro exasperado, pegou uma escova e tentou ajeitar os cabelos. Mas, em vez daquilo, apanhou-se devaneando. Seus devaneios transportaram-na até o dia em que Christopher lhe cortara o cabelo e ficara furiosa. Então, ele lhe tocara a face e, de algum modo, tudo ficara bem.
 
Embora não tivesse um espelho, podia sentir os cachos clareados pelo sol se rebelando. Onde estariam seus pentes? Não os usara para prender os cabelos havia muito.

Ouvindo uma batida à porta, disse à pessoa que entrasse, mal erguendo a cabeça quando Christopher parou na entrada da cabine.

- Dulce.

Céus, ninguém dizia o seu nome de tal maneira, pensou ela, com aquele tom baixo, íntimo, acompanhado do cativante sotaque sulista.

- Sim?

- Você deveria estar se arrumando para uma festa, não para um funeral.

Ela correu a mão de leve pelo tecido grosso e preto da saia.

- Este é o meu melhor vestido.

- Eu não estava me referindo ao vestido, carinho, se bem que, agora que você o mencionou, é de fato um tanto sóbrio demais. Eu estava falando da expressão em seu rosto. Está com um ar pesaroso, como se alguém tivesse morrido.

Ela conseguiu esboçar um sorriso.

- Eu estava pensando em como a vida é simples a bordo de um navio. Todos sabem os nossos papéis. Seria tão mais fácil se eu pudesse ficar aqui.

Vendo-o soltar o riso, tentou parecer indignada, mas, por alguma razão, quando Christopher ria dela, tinha vontade de acompanhá-lo. Ele estendeu-lhe a mão.

- Venha até aqui.

- Estou aqui. Esta cabine é pequena demais para que eu estivesse em qualquer outro lugar.

Christopher tornou a rir e pegou-lhe a mão.

- Eu quis dizer para vir comigo. Quero lhe mostrar algo.

Dulce seguiu-o pelo corredor até a cabine dele.

- Se há mais papelada a verificar, eu gostaria que você tivesse me dito antes - falou, um tanto exasperada. - Estou sem meu livro contábil, ou...

- Dulce.

Ela sentiu uma sequência de arrepios pela espinha com o modo como Christopher proferiu seu nome.

- Sim?

- Isto nada tem a ver com papelada alguma.

- E do que se trata? - Mas Dulce teve apenas que fitar-lhe os intensos olhos verdes para saber. Soube sem a menor dúvida e seu coração disparou, a respiração ficando em suspenso.

- Disto - sussurrou Christopher, fechando a porta da cabine atrás de ambos e puxando-a para seus braços.

Ela sentiu a mente rodopiando e, em sua euforia, deu-se conta de que queria aquilo. Quisera por tanto tempo que não podia se lembrar de como fora sua vida quando nem sequer soubera da existência de tais anseios. Christopher apossou-se de seus lábios com um beijo faminto, evocando todas as sensações maravilhosas que já lhe proporcionara, lembrando-a daquele dia repleto de magia na floresta tropical quando a fizera sua.

Só que, daquela vez, estava sendo diferente entre ambos. Partilhavam de algo mais profundo, melhor, mais significativo, porque não estavam sob o efeito das ervas, que, embora não os tivesse inebriado por completo, haviam dissipado toda a inibição e incerteza. Agora, porém, ambos sabiam exatamente o que estavam fazendo.

- Christopher... - sussurrou ofegante de encontro aos lábios dele.

- Esqueça. Não vou parar.

- Eu não ia pedir a você que parasse.

Um ar triunfante surgiu nos olhos esmeraldas quando Christopher inclinou a cabeça para beijá-la outra vez. E, daquela vez, não parou no beijo. Com mãos ansiosas, abriu caminho por botões e laços, despindo-a quase por completo, as várias peças de roupas empilhando-se no chão. Embora o dia estivesse cinzento lá fora, uma suave claridade penetrava pelas escotilhas. E ali estava ela, usando apenas sua fina combinação. De fato não tinha nem sequer a desculpa do torpor para explicar sua falta de inibição, ou de indignação moral.

Nem por um instante sequer chegou a pensar no que estavam fazendo como algo condenável. Na primeira vez em que estivera a bordo, encontrara Christopher com uma mulher, mas, ainda assim, tal lembrança não a incomodava. Nada a incomodava.
 
Queria estar com ele, abraçá-lo como aos últimos vestígios da viagem que terminara. Parecia inconcebível que iriam se separar, mas teria que ser assim. Christopher não estava lhe oferecendo nada além daquele momento no tempo, daquele íntimo abraço, e ela aceitava a ambos de bom grado, sabendo que poderia viver durante anos de tais lembranças.
 
Pegando-a pela mão, Christopher a conduziu até a cama, afastando as cortinas. Deitou-a de encontro aos travesseiros e beijou-a demoradamente nos lábios, com ímpeto e sofreguidão, como se nada pudesse saciá-lo o bastante. Então, com olhos semicerrados, ela o observou despindo-se, admirando-lhe o corpo másculo e perfeito, embevecendo-se com seu vigor e virilidade de uma maneira que sabia que uma verdadeira dama não faria. Emitiu um gemido abafado, involuntário e abriu os braços, chamando-o para si, impaciente por seu toque. Christopher soltou-lhe o laço na frente da combinação e abriu-a, desnudando-lhe os seios. Beijou-os com ternura, lentamente, fazendo-a suspirar. Intensificou as carícias, sugando-lhe os mamilos como se fossem o mais puro néctar. Ao mesmo tempo, insinuou a mão sob a combinação, erguendo-a, afagando-lhe as coxas desnudas, os dedos experientes avançando ousadamente. Com suas carícias íntimas a fez sentir um prazer tão intenso que Dulce teve certeza de que acabaria gritando e alertando a tripulação inteira. Depois de prolongar a doce tortura ao máximo, Christopher deitou-se sobre ela, posicionando-a para recebê-lo, e penetrou-a lentamente. Numa reação espontânea e desinibida, Dulce arqueou os quadris e começou a acompanhá-lo nos movimentos vagarosos, lânguidos.

Nenhum dos dois falou. Disseram o que era preciso com lábios, mãos e a união ardente de seus corpos. A paixão conduziu-os interminavelmente e, ao mesmo tempo, tudo pareceu prestes a acabar depressa demais. Dulce queria que fizessem amor para sempre, mas, por outro lado, mal podia esperar para que o êxtase os arrebatasse, para ter certeza de que a vez anterior não fora mero fruto de sua imaginação. Os movimentos de ambos tornaram-se frenéticos, e Dulce finalmente começou a entender o que era tornar-se um ser único com um homem. Pois certamente naquele momento sublime no tempo, ambos eram apenas um, um coração, uma mente, guiados na direção de uma satisfação que os dois precisavam tanto quanto do ar que respiravam.

Na floresta tropical, ela achara que havia vislumbrado o paraíso. Imaginara que encontrara um pedaço do céu, mas que aquilo fosse raro, algo para nunca ser visto ou sentido outra vez. Agora, nos braços de Christopher, com a luz do dia penetrando pela cabine e seus pensamentos claros, sentiu tudo aquilo novamente, só que daquela vez as emoções eram mais fortes, mais nítidas, mais cheias de significado.

Daquela vez, sua mente estava inebriada apenas pelas sensações incríveis que a dominavam. Sua paixão elevou-se a um auge de prazer que não demorou a arrebatá-la por completo. Continuou, então, simplesmente deitada ali, ainda maravilhada com a união de seus corpos e tomada por uma emoção profunda quando percebeu que, em seguida, o êxtase também tomou conta de Christopher.

Ele sussurrou seu nome repetidamente, cobrindo-lhe o rosto de beijos. Dulce fechou os olhos e abriu um sorriso secreto.

- Por que está sorrindo? - perguntou ele, enfim, beijando-lhe a fronte.

- Não foi apenas imaginação.

- O que não foi apenas imaginação?

- O.. hã... o momento de prazer.

Christopher rolou para o lado, rindo, a mão roçando-lhe os seios bem-feitos e o ventre firme.

- Você achou que o que sentiu na primeira vez tivesse sido fruto de sua imaginação?

- Bem, como sabe, eu não tinha nenhum ponto de referência. E ainda houve a questão daquele pequeno charuto de ervas. Portanto, achei que talvez a erva tivesse me levado a sentir todo aquele prazer. 

- Carinho, nenhuma droga pode ter o efeito arrebatador da intimidade física com a pessoa certa - assegurou-lhe ele, beijando-lhe os seios.

- Como saber qual é a pessoa certa?

- Não se sabe. Não em princípio, ao menos. 

- Mas uma pessoa acaba sabendo.

- Sim, com certeza.

- Oh, Christopher...

- Você tem que entender, eu não poderia deixá-la retornar a Boston em vestes de viúva.

Ela o abraçou.

- Por que está mencionando isso agora?

- Achei que você poderia estar se perguntando por que eu a trouxe aqui e tirei todas as suas roupas. - Christopher mudou de assunto com toda a naturalidade.

- Porque pareciam vestes de viúva.

- Porque você não é mais aquela pessoa. Você não é mais a Dulce Savinon que subiu a bordo tão envolta em tristeza, tão tímida, com medo da própria sombra. Você viajou, conheceu lugares novos. Teve aventuras.

- Tive aventuras - murmurou ela. - Tive você. - Sentiu um nó na garganta por causa das palavras que não poderiam ser ditas. - Eu...

Christopher tocou-lhe os lábios com a ponta dos dedos, silenciando-a.

- Você tem uma festa para ir.

Ela lançou um olhar desolado para o vestido e a pilha de roupas íntimas no chão.

- Não vestirá aquilo - disse Christopher, levantando-se e vestindo a calça e a camisa. - Tenho uma ideia melhor.

- Mas...

- Nada de “mas”. Enquanto estivermos a bordo deste navio, eu sou o capitão. Fará o que eu disser. Venha até aqui, Senhorita Savinon. - Christopher curvou-se galantemente e estendeu-lhe a mão.

Dulce sentiu-se feminina e desejável em vez de desajeitada quando deixou a cama e se adiantou até o aparador. A água do conjunto de jarro e bacia que o encimava estava tépida, mas era fresca, e Christopher insistiu em banhá-la, usando o sabonete de hortelã feito na cozinha da casa de sua tia. Banhou-a com todo o vagar, ensaboando e enxaguando, detendo-se para beijá-la em lugares que ela deveria proibi-lo de tocar. Mas, ao contrário, permitia-se desfrutar cada toque com abandono. Era como se aquele homem a tivesse enfeitiçado, deixando-a incapaz de objetar a qualquer coisa que quisesse fazer. Confiando nele plenamente, entregou-se por inteiro e o banho acabou tornando-se uma aventura erótica como nunca sonhara.

Depois, ele a envolveu em um robe de flanela e deixou a cabine, prometendo não se demorar. Fiel à sua palavra, abriu a porta minutos depois e arrastou para dentro uma grande caixa do porão que algum dos homens devia tê-lo ajudado a levar até o corredor. Fechando a porta atrás de si, usou uma barra de ferro e abriu a tampa da caixa de madeira.

- Está saqueando a carga? - disse ela, num tom reprovador, embora o sorriso fosse zombeteiro.

- É por uma boa causa. Minha mãe mandou isto de presente a você.

Dulce inclinou a cabeça para ler os dizeres na lateral da caixa.

Seta fina, sedas finas da Itália.

- Além de roupas, há adornos para os cabelos, uma caixa de pinturas, perfumes e um tipo de verniz brilhante para as unhas também.

- E o que eu faria com tudo isso?

- Nós descobriremos.

Com o ar compenetrado de um costureiro parisiense, ele pegou um belo vestido azul-turquesa da caixa.

- Minha mãe disse que esta cor ficaria perfeita em você. Gosta?
Ela riu porque Christopher parecia ridículo segurando o vestido diante de si, mas sentiu-se logo atraída pela maravilhosa cor e o corte perfeito do vestido. Então, uma lembrança povoou sua mente. O dia em que colocara o vestido de linho cru para o jogo de croqué e Thankful a ridicularizara pelas costas.

Baixou o olhar. Um lindo vestido não transformaria um sapo numa princesa.

- Eu não me sentiria à vontade usando isso.

- Engano seu. Acredite.

Dulce, então, lembrou-se do que Christopher lhe dissera, assegurando-lhe que era uma pessoa diferente agora. Talvez até o tipo de pessoa que pudesse usar um vestido tão vibrante numa festa de Beacon Hil.

- Ouça, eu não sei...

Ele interrompeu-a com um beijo sensual que evocou o prazer que já haviam partilhado.

- Não me diga que uma mulher pode beijar assim e, depois, usar preto.

Christopher insistiu em colocar-lhe o vestido, chutando o espartilho para o lado.

- O maldito instrumento de tortura. Vou atirar isso ao mar. - Permitiu-lhe apenas uma anágua, não importando quanto a ouvisse protestar. Depois a ajudou a calçar um par de meias de seda tão fina que ela pôde ver através do tecido. Admitiu que era delicioso sentir o toque da seda de encontro à pele. O vestido tinha o corpete justo, mas não apertado, realçando-lhe a cintura esguia. A saia era ampla, a claridade que se filtrava pelas escotilhas fazendo a seda cara reluzir.

Depois de um longo tempo ajeitando-lhe o vestido no corpo, Harry deu um passo atrás e estudou-a com um ar crítico.

- Isto está além da minha capacidade. Preciso de ajuda. - Dulce corou violentamente, certa de que se tratava de zombaria da parte dele, mas com uma expressão séria, Christopher saiu ao corredor e tocou seu apito de capitão, chamando vários membros da tripulação. Permanecendo no corredor, conversou baixinho com os homens que haviam descido do convés. Longos e terríveis momentos se passaram, Dulce sentindo-se mortificada. Mas a coisa mais extraordinária acabou acontecendo.

Todos entraram na cabine. Cada homem a bordo, como também Delilah. Como se fizessem parte da criadagem de uma rainha, cada um contribuiu para ajudá-la a se arrumar. Comportavam-se como sacerdotes numa cerimônia, sérios e reverentes.
Dino apanhou um par de sapatilhas bordadas da caixa e colocou-as em seus pés. Gerald Craven, fazendo uso de sua habilidade com tatuagens, muniu-se de um pó usado para escurecer os cílios a fim de realçar-lhe os olhos e de carmim para pintar-lhe os lábios. Luigi, o hábil artesão das velas, apanhou linha e agulha para fazer um pequeno ajuste na cintura do vestido, onde ficara um tanto folgado. O Doutor presenteou-a com um colar de contas que tinham a resplandecência de uma um cheia. Até Chips contribuiu com um item inesperado, um frasco de um raro perfume de flores tropicais. Delilah mostrou-se entusiasmada em pintar-lhe as unhas, enquanto as filhas observavam com curiosidade.

Christopher também surpreendeu-a, dando-lhe algo que comprara de um joalheiro quando haviam estado no mercado do Rio de Janeiro, a pequena caixa que o vira guardando no bolso e que achara que ele tivesse comprado para alguma sirigaita. Tocada e sem palavras, Dulce observou a linda pulseira de ouro que ele lhe colocou no pulso.
 
Finalmente, com grande concentração, Timothy Datty arrumou-lhe os cabelos.

Ela acompanhou a tudo atordoada, sentindo-se a própria Cinderela. Aquelas pessoas eram como fadas-madrinhas na pele de rudes marujos, e, enquanto compreendia o que estavam fazendo, sentiu um nó se formando em sua garganta.

- Vocês todos planejaram isto, não foi? - disse, com a voz um tanto embargada.

- Sem dúvida que sim - respondeu o Doutor orgulhosamente. - Não podemos mandá-la de volta ao mundo sem fazermos algo especial pela nossa própria Dulce.

- Não se esqueça de virar ligeiramente o pé quando fizer uma mesura - aconselhou-a Gerald, imitando o gesto.

- E segure o dedo mínimo quando tomar seu chá - disse Dino, demonstrando com uma xícara.

- É o mínimo que podemos fazer, depois de tudo que fez por nós - acrescentou Timothy, colocando-lhe um pente adornado com pérolas nos cabelos.

- Tudo o que fiz - repetiu ela, confusa. - Não entendo.

Christopher observava-a com um brilho intenso no olhar.

- Você tocou a todos nós - explicou. - A sua própria maneira.

- Espere um momento. - Dino entregou-lhe um impecável lenço de renda. - Não vá chorar agora. Vai arruinar a pintura que Gerald fez.

Ela fechou os olhos e apertou os lábios pintados, respirando fundo. Não ajudou, não muito, mas por Gerald parecer tão orgulhoso e expectante, não ousou deixar que as lágrimas borrassem seus olhos.

- Vocês são - disse, seu olhar percorrendo a cabine apinhada - os primeiros e verdadeiros amigos que já tive. - Tentou controlar a emoção, ajeitando de leve a ampla saia do vestido turquesa. - O que, afinal, Boston vai pensar de mim?

- Por que não vê por si mesma? - Chips meneou a cabeça para Luigi, que levou para dentro da cabine uma caixa onde se lia “frágil”. Usando a barra de ferro, tiraram dali um grande e belo espelho de moldura dourada.

Enquanto os dois o montavam, Dulce deu-se conta de que não vira um espelho durante meses. O espelho de barba de Christopher era tão pequeno que mostrava apenas parte do rosto. Teve quase medo de olhar, pois nunca gostara de ver o infeliz reflexo de sua figura desengonçada.
 
Mas a tripulação parecia tão orgulhosa que não queria desapontá-la. Esperou, os ombros retos, o queixo erguido no novo porte que aprendera a manter. Os homens posicionaram o espelho alto e viraram-no em sua direção. Enfim, pela primeira vez desde que deixara Boston, Dulce confrontou-se num espelho de corpo inteiro. O que viu deixou-a estupefata, roubou-lhe a fala.

Estava olhando para uma estranha.

Uma estranha bonita.

O patinho feio, tornara-se um cisne.

Não estava abatida e pálida, mas com ar saudável e forte, graças à comida do refeitório do Doutor e a vida ativa a bordo do navio. Belos cachos ruivo-alourados emolduravam seu rosto de ar surpreso, quase elegante. O sol e o vento haviam substituído sua palidez excessiva por um tom bronzeado, nada convencional, mas curiosamente atraente. O vestido ousado e as sapatilhas de dança completavam a figura de uma beldade confiante, transformada de maneiras que sabia que iam bem além da aparência. Deu-se conta de que não fora tanto o seu exterior, mas o seu íntimo que havia mudado, seu modo de encarar o mundo e a si mesma.

O fato de ter feito aquela viagem, conhecido aqueles homens simples e especialmente Christopher, haviam lhe dado a autoconfiança que sempre lhe faltara e tal confiança se evidenciava em sua postura digna e orgulhosa. Todos os trabalhos de tradução que realizara e os contatos comerciais resultantes haviam-lhe ensinado a sustentar o olhar mais intimidante sem vacilar; suas noites no convés e na Vila de Rose haviam-lhe dado a pose para dançar com o mais bonito dos homens sem se sentir inferior; seu disfarce na Virgínia mostrara-lhe que qualquer coisa era possível se acreditasse em seu próprio valor.

Christopher e a tripulação, sua inesperada escola de vida, haviam-lhe proporcionado tudo aquilo.

Não pôde se conter. As lágrimas fluíram livremente.

- Não, por favor - imploraram todos quase em uníssono, mas ela não conseguia parar. Abraçou cada um dos homens e, finalmente, Dino e Delilah, encharcando o lenço de renda.

- Tenho vocês todos em tão grande estima - disse, emocionada. Indicou a visão adorável refletida pelo espelho. - A amizade de vocês me transformou em alguém que nunca consegui ser antes.

Delilah limpou-lhe o rosto com um pano úmido e Gerald refez a pintura.

- É hora de ir - anunciou Christopher, pegando-lhe a mão.

Como num sonho, ela subiu ao convés e ambos foram baixados até o mar num dos botes. O próprio Christopher foi remando, conduzindo o bote suavemente pelas águas tranquilas do porto de Boston. Ela virou-se para olhar para seus amigos mais uma vez. Todos se enfileiravam junto às amuradas do Cisne Prata, e com as velas dobradas e a tempestade se formando no horizonte distante, havia uma pungência no momento que quase provocou mais lágrimas.

- Não faça isso - disse Christopher, lendo-lhe os pensamentos. - Não tenho a habilidade de Gerald com a pintura e, portanto, não comece a chorar outra vez.
 
Dulce virou-se para fitá-lo.

- Não vou chorar.

Observou-o remando e, com os vigorosos movimentos, cada momento do tempo de ambos juntos passou diante de seus olhos. A noite em que o conhecera, como Baco embriagado em seu trono, uma mulher debruçada em seu colo. Christopher, descontraído e bonito no jardim da casa de seu pai, tendo uma pequena mostra da vida infeliz dela. No convés do navio, dando ordens e rindo enquanto o vento enchera as velas. Finalmente, Dulce pensou em como tinham ficado unidos, íntimos, e em como deveria estar embaraçada, mas não conseguia sentir a menor vergonha do que haviam feito, do que haviam significado um para o outro.

Depressa demais, chegaram às docas e ele a ajudou a descer. O chão pareceu escorregadio e ela se inclinou na direção de Christopher, que a amparou com um braço enquanto fez sinal para a carruagem de Herrera, puxada por belos cavalos. As portas eram pintadas com o familiar emblema da companhia de comércio marítimo. O Cisne Prata sobre um fundo azul.

- Divirta-se no baile de hoje à noite, princesa - disse-lhe ele, com uma piscadela. - Agora você sabe como se divertir, não é mesmo?

Ela sorriu, sentindo o rubor espalhando-se pelas faces.

- Agora eu sei. Você irá à festa mais tarde, não é?

- Sim, mais tarde. - Christopher tocou-lhe o queixo com gentileza. O movimento de trabalhadores no cais desapareceu ao fundo. Dulce não se importou com quem pudesse vê-los, ou o que pensassem. - Eu prometo.

- Christopher?

- Sim?

- Posso lhe perguntar algo?

- Qualquer coisa.

- Por que depois daquele dia na cachoeira você manteve seu distanciamento de mim? Por que não pudemos ficar próximos, como estivemos hoje?

Ele riu, embora seu riso contivesse um quê sombrio de ironia.

- Você não sabe mesmo, não é?

- Não sei o quê?

- Você realmente não entende.

- O quê?

Christopher se curvou ligeiramente e beijou-a.

- Dulce. Eu me apaixonei por você naquele dia.

Por vários momentos, ela ficou aturdida demais para falar. Os gritos das gaivotas soaram como trovões em seus ouvidos.

- Não brinque comigo assim.

- Não estou brincando. - Ele fitou-a com firmeza e, naqueles olhos verdes, Dulce pôde ver uma afeição profunda que quis capturar em seu coração e guardar para sempre.

- Por que você não me disse?

- Do que teria adiantado? - Christopher tornou a beijá-la e, então, virou-se e conduziu-a até a carruagem, entregando-a aos cuidados do cocheiro. - Percorra o caminho com cuidado - instruiu o homem. - Ela é uma carga preciosa.
 
E foi como Dulce o deixou. Parado nas docas, um vento forte soprando-lhe os cabelos negros e a camisa. Ela teve a horrível e irracional sensação de que jamais tornaria a vê-lo, embora ele tivesse prometido ir à festa. 

Um grito de dor formou-se em sua garganta, mas não pôde soltá-lo, pois se o fizesse, todas as emoções em seu íntimo viriam à tona e ficaria vazia, sem nada, nem mesmo lembranças, para ajudarem-na a sobreviver.



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Autor(a): chrisdul

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 49



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  • carolinevondyzinha Postado em 15/04/2015 - 20:09:41

    Meu deuses cadê vc posta +

  • lalita_vondy Postado em 15/07/2014 - 16:40:06

    Oieeeee LEITORA nova!! Posta mais por favor to curiosa!! Nao abandona nao por favor!!! Posta vai!! Bjoes!!

  • mariaeduardavondy Postado em 30/05/2014 - 15:20:42

    Oii! Sou leitora nova!por favor não abandona a web!Por favor!è uma das webs mais perfeitas q eu já li aq no site!por favor volta a postar!

  • samandra Postado em 08/03/2014 - 09:43:26

    Oi, posta mais :)

  • lolawho Postado em 24/02/2014 - 15:15:42

    POSTA MAIS!!! PLEASE...

  • taisa Postado em 03/02/2014 - 16:05:57

    Um MÊS SEM CAPÍTULO NOVO :/

  • taisa Postado em 22/01/2014 - 23:23:52

    QUERO POSTS...

  • lolawho Postado em 18/01/2014 - 19:18:39

    Por favor continua a web!!!! *---*

  • a_letiicia Postado em 03/01/2014 - 20:49:47

    Ahhh espero que você dê-nos esses capítulos enormes todos os dias, todos os dias! hahaha Porque é tão gostoso ir descendo, descendo e descendo o capítulo e ainda ter mais coisa pra ler hahahahahh na verdade é bom porque dá continuidade, não fica aquela história toda picada com meia dúzia de palavras por capítulos, interrompendo as coisas que tem que acontecer sabe? não sei explicar, mas é ótimo!!! hahaha Enfim, eu sabia!!!! Sabia que a timidez, a tristeza, e a inibição da Dulce eram culpa daquele bando de imbecis que ela tinha que conviver. Olha como ela está feliz nesse navio? Ela como ela está se divertindo, se soltando... Ela encontrou o seu lugar ali, perto das pessoas que a 'alta sociedade' provavelmente despreza. Claro que a Dulce tá se livrando pouco a pouco das 'máscaras', o cabelo grande com esses penteados horríveis, os óculos, as roupas enormes e pesadas, os sapatos antiquados... E isso é culpa do Christopher também, que a propósito já está louco por ela.

  • vemkgaabi Postado em 03/01/2014 - 11:37:36

    Por favor posta maaais estou amando a web *---*


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