Fanfic: Como o Vento | Tema: Portiñon

Dulce ficou alguns segundos parada na cozinha tentando entender o que não tinha explicação. Que atrevimento era aquele? Aquela moça que nada mais era do que a sua empregada só podia ter perdido o juízo. Saiu voando da cozinha e num segundo estava á porta do quarto da filha.

--Quem lhe deu o direito de falar assim comigo? -- Olhava intensamente e com toda a raiva do mundo para Anahi que estava colocando algumas roupas coloridas em caixas de papel. Ela não respondeu e continuou a sua tarefa. Dulce detestava ser ignorada e sem pensar duas vezes agarrou-lhe num braço e a obrigou a encará-la. Foi ai que viu que os seus olhos estavam marejados de lágrimas.

Anahi soltou-se das mãos de Dulce e a encarou sem qualquer receio.

--A senhora sabe que dia é hoje? -- Provocava cheia de ironia.

--Claro que sei, deixa de ser irônica...

--Hoje é um dia muito importante para a sua filha, lembra que tem uma? -- Anahi era sarcástica.

--Que dia é hoje? Não é aniversário dela...

--LOUCA! -- Anahi já não se agüentava mais, correu e gritou na cara de Dulce. -- Se amanhã acontecer algo de grave a Sara, que Deus assim não permita, vai chorar lágrimas de mentira ou de remorso?

--Pára com isso sua desequilibrada, eu não lhe dou o direito de falar assim comigo -- Dulce gritava também.

--Ah, agora eu sou desequilibrada, mas deixa a sua filha aos cuidados de uma desequilibrada sua doida varrida. – Anahi estava tão nervosa que as lágrimas caíam sem parar e ela não se dava conta.

--Dona Dulce, hoje é o dia do espetáculo de dança da Sara. Acontecimento mais do que importante para ela, para o qual vem se preparando há tempos. Todos os pais vão estar presentes, ou pelo menos todas as mães com certeza. A sua filha é a única que não tem acompanhamento da mãe, é a única que não teve a ajuda da mãe para escolher os modelos das roupas para dançar, é a única cuja mãe não está minimamente interessada em nada que lhe diga respeito, mas que mesmo assim a ama de uma forma que dá pena...

--Eu esqueci... -- Disse Dulce num fio de voz.

--Claro, a Sara é segundo plano na sua vida, se não estiver mais abaixo...

--Não admito que fale assim comigo...e além do mais é paga para me substituir quando não posso estar presente.—Dulce não sabia mais o que dizia.

Anahi riu com sarcasmo.

--A Sra. me paga para ser mãe da sua filha? Não percebe a estupidez que acabou de dizer? Eu tenho pena da Sara, mas tenho mais pena de si...

--Guarde a sua pena, nós não precisamos dela...

--Dona Dulce, daqui a pouco a sua filha vai virar adolescente e ai já a terá perdido de vez, o que é uma pena, já que possui um verdadeiro tesouro em mãos. Não sei como essa menina pode ser tão doce tendo como mãe alguém como si – Anahi chorava e soluçava. -- Ela é maravilhosa, mas vai chegar fases na vida dela em que uma mãe presente fará toda a diferença, aliás receio que a senhora já esteja a perder a batalha. Já me chamam na escola para dizer que ela começa a não ir tão bem, apesar de todo o meu esforço, ela começa a perder o interesse pelas coisas porque a própria mãe não tem o menor interesse nela. A senhora não sabe nada dessa menina e ela só quer o seu amor. A senhora gritou há pouco que me paga para fazer o meu trabalho, toda cheia de razão e eu agora lhe digo, o que a senhora me paga não representa nada diante do que faço pela sua filha. Não estou a reclamar, pelo contrário, ela devolveu algum brilho para a minha vida, mas só quero que saiba que nem tudo se resolve com dinheiro.

Dulce estava sentada na cama da filha enquanto a babá falava olhando-a nos olhos e com uma calma exasperante.

--Dona Dulce, eu entendo com clareza o que se passa na cabecinha da Sara, porque quando tinha exatamente a idade dela, tudo o que eu queria era alguém que prestasse atenção em mim, com uma pequena diferença, ela tem mãe, eu não tinha. Aliás pensando bem, não há diferença alguma, eu fora abandonada pela minha mãe e a ela de certa forma acontece o mesmo.

Dulce não conseguia dizer uma única frase. Passaram mil filmes na cabeça dela enquanto aquela mulher lhe dizia aquelas coisas todas...e ela estava mais do que certa.

--Pode ir para o seu compromisso dona Dulce. A Sara me terá na platéia para aplaudi-la e incentivá-la naquela que é uma das suas paixões assim como é minha também, mas é claro que a senhora não sabe do que gosta a sua filha. Mas quero que saiba que terá de procurar outra pessoa para cuidar da minha Schatzie...depois disso não tenho mais condição de trabalhar para a senhora.

Deixou o quarto soluçando e Dulce quase foi atrás dela, mas como não fazia a menor idéia do que dizer limitou-se a enfiar as mãos na cabeça e a chorar por um tempo indeterminado.

Júlia estava parada em frente às escadas e ouvira toda aquela discussão entre as outras duas mulheres da casa. Anahi desceu as escadas e passou por ela com os olhos marejados de lágrimas, bateu a porta da frente e foi embora. Júlia queria subir e conversar um pouco com a Dulce, mas sabia que aquele era um momento em que precisaria ficar sozinha e refletir. Agradeceu cada palavra que a colega tinha dito à patroa, ela pensava exatamente igual, gostava muito da dona Dulce, e sabia que ela era boa pessoa, mas em relação a Sara equivoca-se de forma absurda. Só não tinha tido rompante igual ao da Anahi porque faltava-lhe coragem e precisava do emprego para criar os filhos. Graças a Deus Anahi era mais corajosa e amava Sara de uma forma única...

*********************************

Dulce dirigia há horas pelas ruas de São Paulo sem saber ao certo o que fazer. As palavras daquela mulher insolente martelavam na sua cabeça e ela não sabia o que fazer com elas. A filha estava com problemas por causa dela...aquela conclusão causara um desconforto que ela não sabia como lidar. A vontade que tinha era correr atrás de Anahi e gritar bem alto que amava demais a filha, que ela era a pessoa mais importante da sua vida e se, se matava de trabalhar era para que ela tivesse tudo do bom e do melhor...mas reavaliando as suas atitudes não podia deixar de dar razão à babá. Como ela pudera esquecer da dança de Sara? A filha desde de pequena sempre dizia que queria ser bailarina, sempre rodopiando para lá e para cá e ela simplesmente esquecera...há quanto tempo não lia a agenda da pequena? Sim, a Anahi estava lá, mas como tão bem tinha dito, a mãe de Sara era ela.

Chegou aos escritórios da Paulista e foi informada que Maite a aguardava com uns clientes nos escritórios do Itaim. "Droga e pensar que estivera tão perto". O trânsito para variar estava caótico, o que fez com que levasse o dobro do tempo até chegar ao lugar pretendido. Claro que ao chegar a reunião já tinha terminado o que a deixou mais irritada ainda. Maite entrou na sala e com o excelente humor de sempre começou a contar como tinha sido a reunião e que os clientes faziam questão de vê-la na próxima semana. Após fazer um apanhado do que tinha sido discutido e acordado ela começou a falar da enésima volta que tivera com o eterno caso que não atava nem desatava. Dulce não prestava atenção a nada, a sua mente vagava, vagava e caía sempre em Anahi gritando com ela. Maite como boa observadora percebeu que a amiga estava péssima.

--O que foi Dul?

--Acredita que tive de ouvir um sermão da babá da minha filha hoje de manhã?

--Como assim um sermão, o que foi que aconteceu? -- Maite não conseguia imaginar alguém dando um sermão na amiga que sempre tinha a frase certa na ponta da língua.

--Esqueci que hoje era o espetáculo de dança da Sara e ela está tão entusiasmada. Tu não tem noção da petulância daquela mulherzinha, ela me disse cada coisa...

--Tipo o quê? – Maite estava a ponto de sair voando para Santos para abraçar a babá que nem sequer conhecia.

--Que eu sou louca, até demente ela me chamou, que sou insensível, que tudo é mais importante para mim do que a minha própria filha, que só penso em dinheiro, que não sei nada do que se passa com a Sara, que ela esta com problemas de aprendizado por minha culpa, que ela perde o interesse pelas coisas porque eu não tenho interesse nela e no final de tudo demitiu-se. --Dulce estava mais uma vez à beira das lágrimas mas controlava-se ante a amiga.

--Amiga, se quiser me demitir também, faça-o, mas digo-te com toda a clareza, salve essa Anahi que teve coragem de te dizer o que todo mundo tem vontade e ninguém tem coragem. -- Maite a olhava com seriedade e ao mesmo tempo com um olhar fraternal.

--Eu não a demiti...ela se demitiu, disse que não há condições de trabalhar comigo depois de ter dito tudo o que pensa a meu respeito. Maite se me vê fazendo tudo errado com a minha filha e sendo minha amiga, porque não me disseste nada? -- Dulce parecia incrédula.

--Dulce, acha que se fosse fácil eu já não teria dito. Quantas vezes já tentei mostrar-te que trabalha de mais, que nunca esta com a tua filha, aquela menina linda que se fosse minha filha seria o maior orgulho da minha vida, mas sei lá Dul...você é estranha, tem as tuas próprias convicções e acho que se perde nelas.