Fanfic: Como o Vento | Tema: Portiñon

Já no lounge e com um sorriso nos lábios lembrava das loucuras da amiga Maite que lhe perguntara se Anahi andava sexy dentro de casa nas madrugadas. Agora, dizer que ela estava sexy seria pouco justo, ela estava quase irresistível e o quase existia por conta do bom senso. Dulce sentou no puff maior, abriu o vinho, serviu as duas taças e ficou à espera da babá. Ela voltou e vestira apenas um casaco, deixando as pernas livres de qualquer roupa para deleite de Dulce. Preparava-se para sentar no parapeito como sempre fazia quando Dulce pediu que sentasse com ela no Puff gigante, já que assim as duas poderiam ter a mesma visão do porto. Argumento sem muito nexo, lógico, mas Anahi estava tão feliz com aquela situação que não pensou duas vezes antes de se acomodar ao lado da sua patroa, aceitar uma taça de vinho e brindar...àquele momento.

A conversa que começou meio circunstancial e tímida já estava mais solta, as mulheres já riam quase às gargalhadas e se perdiam em sorrisos carregados de significados que nem elas mesmas entendiam, mas eles estavam lá, e de forma natural. O assunto do momento era viagens da patroa, que pelas contas rápidas de Anahi já conhecia mais da metade do mundo.

--E foi numa dessas viagens doidas que fiz que ganhei meu maior presente. -- Sorriu feliz.

--A schatzie, com certeza um presente dos céus. -- Mais um sorriso e um olhar de admiração. -- A senhora conheceu o pai da Sara e foi amor à primeira vista? -- Normalmente Anahi não ousaria fazer uma pergunta daquela, mas estavam num ambiente tão relaxante, o vinho já surtia algum efeito e a forma como Dulce a olhava a encorajava a fazer todas as perguntas que lhe viessem à cabeça.

--Não! -- Disse Dulce enfática após uma sonora gargalhada.

--Não? -- Anahi fez cara de quem não entendia nada.

--Anahi, eu já fui muito doida e irresponsável...não era promíscua, não me entenda mal...

--Não estou aqui para julgá-la, apenas queria entender...-- Anahi a interrompeu.

--Eu sei Any, e estou a conversar contigo porque quero também. Não me apaixonei pelo pai da Sara, até porque nessa altura da minha vida eu não estava muito disposta a paixões avassaladoras...eu o conheci, ele era lindo, todas queriam ficar com ele e eu fiz uma espécie de aposta com uma outra menina...sei que é uma forma pouco romântica para conceber uma criança, mas foi assim mesmo. Apostei que ficaria com ele, que não dava muito crédito a quase ninguém, estava mais interessado nas ondas, fui lá e consegui...

--Mas não houve paixão? Nada?

--Houve muita atração física, química...eu não tinha muita paciência para sexo, mas com ele foi bom...uma única vez... --Ela morria de vergonha daquela parte da história...

--Uma única vez e ficou logo grávida?

--Para você ver...eu me achava a esperta, a vivida...depois de uma festa na praia com algumas bebidas a mais...aconteceu...

--E vocês esqueceram o preservativo...—Anahi estava quase rindo da cara de Dulce, ela parecia constrangida.

--Pior...a sabichona aqui não sabia que preservativos poderiam se romper...só fiquei sabendo que estava grávida da minha filha dois meses depois de ter regressado das minhas longas férias ao redor do mundo. -- Ela pareceu viajar no tempo e seu semblante denotava exatamente isso.

--E aí, como foi? -- Anahi tinha muita curiosidade em saber como ela lidara com toda aquela situação.

--Nossa Any, foi tão difícil que até hoje eu me pergunto como consegui. Voltei da viagem e meu mundo caiu...meu pai teve um enfarte fulminante e minha mãe desmoronou. As nossas finanças que aparentemente eram sólidas, bom, só eram aparentemente sólidas porque eu só pensava em gastar e não prestava atenção em nada...elas há muito que não andavam bem, mas meu pai fingia que estava tudo bem, minha mãe não entendia nada e eu estava mais preocupada em me divertir. Quando eu pedi para trancar o curso e passar um ano vagando pelo mundo, ele já não tinha condição de sustentar nada parecido, mas preferiu se arruinar um pouco mais a me dizer não...meus pais eram muito complacentes, mais pareciam meus irmãos, eu nunca tive aquela imagem de pai ou mãe austeros que muitas vezes é necessário para a formação do caráter de um adolescente...eles viajavam muito, a negócios, a passeio, meus pais se amavam muito e me tiveram muito jovens ainda, minha mãe tinha acabado de sair da adolescência...

--Então foste concebida com muito amor, isso é muito bom. -- Anahi sorriu enquanto Dulce a olhava com surpresa.

Ela nunca tinha analisado as coisas sob aquele prisma...sim, ela tinha razão, tinha sido concebida com muito amor e viveu num lar onde esse sentimento imperava...embora na altura fosse jovem demais para entender a importância de tal fato.

--É, tens razão...meus pais se amaram como poucos...

-- Quero muito ouvir mais da tua história, também queres continuar? – Anahi percebeu que ela estava um pouco emocionada.

--Quero sim...claro! Meu pai morreu, minha mãe entrou numa depressão profunda e a mim só restava buscar forças para tentar seguir em frente...o que já estava sombrio tornou-se quase um inferno quando descobri que não tínhamos mais dinheiro. Imagina, num dia és a filhinha do papai rico, e no outro não tens mais nada, ou melhor, sobra-te muito pouco comparado ao que tinhas antes, tens uma mãe que mais parece tua filha, dívidas e pior de tudo, nenhuma idéia do que fazer...

--E a gravidez?

--Oh sim, além de tudo isso, um mês depois da morte do meu pai e desse baque todo, eu descubro que estava à espera de um bebê... consegue imaginar o meu desespero?

Anahi sorriu e instintivamente segurou as mãos dela nas suas. Dulce pareceu ficar mais relaxada a ponto de fechar os olhos por alguns instantes.

--Fiquei tão desorientada que não menstruei durante dois meses e não associei tal fato a uma provável gravidez, nem percebi que não tinha menstruado. Comecei a ter tanto sono, mas tanto sono que minha amiga Maite aventou essa possibilidade e na altura eu quase a esganei por achar que era o maior absurdo de todos os tempos...depois vieram os enjôos, seios doloridos e não tive como evitar uma ida ao médico...e estava grávida de dois meses, de um cara que não conhecia...sabia que o meu bebê só poderia ser do Anthony porque apesar de ser doida e meio inconseqüente, não era muito fã de sexo e só tinha feito com ele, e mesmo assim eu não entendia, já que usara preservativo...até a médica me dizer que eles às vezes se rompiam. -- Sorriu, um riso meio triste e  Anahi apertou mais as suas mãos.

--Any eu nunca me senti tão sem chão na minha vida, não sabia para onde olhar, que decisão tomar...estava sozinha e com um bebe no ventre...minha mãe coitada não conseguia fazer nada. Me restavam poucas alternativas e decidi tomar as rédeas de tudo...a principio não sabia direito o que estava a fazer, segui meus instintos e graças a Deus pude contar com um excelente advogado e amigo do meu pai para me orientar, ah e da minha amiga Maite. Se sou formada hoje, devo muito a ela. Sim, voltei à faculdade, afinal precisava de uma profissão para sustentar a minha filha que crescia dentro de mim. A Mai me ajudou muito, muitas vezes não tinha pique para estudar e lá estava ela, já formada, me auxiliando em tudo, fiz exames com um barrigão de quase nove meses e passei em tudo. Minha bebê já tinha uns seis meses quando consegui finalmente pegar meu diploma. Não foi fácil, mas hoje, olho para trás e vejo o quanto fui forte e sinceramente não sei como foi possível...imagina, eu, uma burguesinha idiota, de repente tendo que tomar conta de três vidas, sem dinheiro para esbanjar e sem alguém a quem recorrer, não tinha opção, ou acertava ou então minha família, o que restava dela ia para o espaço...fiz muita merda, me equivoquei em muitas coisas, mas é só olhar para a minha filha que vem a sensação de estar no caminho certo...ainda é difícil, mas já foi mais...o que foi Anahi  porquê me olha com essa cara? Está me achando uma louca...eu sou...

--Não, minha cara é de admiração...eu não sei se seria capaz de tanta coisa e em tão pouco tempo...

--Ah mas fiz tanta coisa errada Any...

--Sim, claro, porque és humana, mas a tua capacidade de lutar é surpreendente, a tua garra...eu gosto de ti Dulce. -- Anahi estava tão emocionada que chamou a patroa pelo nome sem se dar conta.

Dulce teve uma vontade tão grande de abraçar a mulher à sua frente que apertou as mãos dela o máximo que pode para aplacar tal desejo...na realidade queria ser abraçada por Anahi, queria se aninhar no abraço dela...seus olhos brilhavam numa intensidade tamanha...Anahi percebeu e com medo das próprias reações disse:

--Nossa, já é tão tarde...vou dormir dona Dulce. Amanhã nossa princesinha acorda com a pilha toda e eu tenho que estar à altura, afinal é o meu trabalho. -- Anahi precisava repetir para si mesma a toda a hora que ali não passava de uma babá...perdera a conta das vezes em que se sentira fazendo parte daquela família.

Olhou para as suas mãos e percebeu que ainda segurava as da patroa entre as suas, num ato irrefletido levou as mãos de Dulce aos lábios e as beijou desejando boa noite.

--Durma bem Any e obrigada por esse momento. – Dulce estava com voz rouca.

Ela não disse nada, apenas sorriu e desceu rumo ao quarto.

Assim que Anahi saiu do seu campo visual, Dulce levou as mãos para perto da sua boca, cheirou e as beijou. Entre suspiros, sorrisos e pensamentos que inadvertidamente levavam à babá, Dulce permaneceu no lounge até os primeiros raios de sol.