Fanfic: Como o Vento | Tema: Portiñon

Angelique ouvia tudo o que a amiga tinha para lhe contar com muita atenção. Um misto de emoções tomava conta de si, por um lado uma raiva crescente de Dulce, que sem dúvida era uma idiota insensível, ou seja, não merecia alguém como Anahi nem na décima encarnação, por outro lado, sentia uma felicidade desmedida por ter conhecido alguém como ela. Sabia que aquela mulher tinha passado por alguma coisa má na vida, talvez várias coisas. Ela não era de falar muito, mas nas entrelinhas, as suas reações a muitas coisas, deixavam claro muito sofrimento, mas mesmo assim estava sempre disposta a pensar no próximo, a se doar intensamente...o amor que sentia por aquela criança era admirável, comovente...Anahi era uma pessoa como poucas e claro, não merecia sofrer por causa de uma fútil como Dulce.

--Coma tudo Any. Preciso de ti muito forte porque estamos a entrar num período crucial dos nossos ensaios...amiga, vamos arrasar, eu tenho certeza.

Ela sorriu, aquele sorriso meio tímido e encantador. Ela era forte, Angelique poderia ver nos seus olhos, até porque só uma pessoa muito forte conseguiria se entregar à vida como ela fazia, só os fortes tinham a capacidade de amar sem pedir nada em troca...gostava cada vez mais daquela menina/mulher de cabelos encaracolados e de sotaque sexy.

--Angel , se eu comer mais do que isso não vou conseguir levantar um pé do chão que dirá rodopiar na dança. Já estou satisfeita, mas tens razão, estava muito fraca, mas agora estou pronta para encarar tudo.

--Oh meu Deus e esse R sexy, ai mulher que delicia! - Risos

--Para com isso...eu sou tímida...--Mais risos e a normalidade voltando a reinar.

--Amiga, agora falando sério...acho que essa doida da Dulce  vai te implorar para ficares como babá da Sara...vi isso nos olhos dela...ela é louca, mas sabe que como tu, nem em sonhos cor-de-rosa, e ela tem que pensar na menina...e aí, vais aceitar?

Anahi, ainda estava um pouco anestesiada com aquela história toda. Tinha sim muita raiva pela forma como Dulce a tinha expulsado da sua casa, sem ao menos terem tido uma conversa, mas sentimentos melhores dominavam o seu coração, e os olhos meigos da sua schatzie amoleciam qualquer um...

--Não sei o que se passa naquela cabeça Angel, mas se ela pedir a minha volta, eu volto, mas morar lá não dá mais...-- Estava certa daquela decisão.

Angelique pulou da cadeira, literalmente.

--Não? Jura? Vai morar comigo? Diz que sim, please please please -- Angelique parecia uma criança.

--Vou! Posso? -- Anahi ria da loucura da amiga.

--Já, agora! Amiga, vou te mostrar tanta coisa, vais esquecer essa Dulce sem noção em três dias. – Angelique era o espelho da empolgação. -- Vamos poder dançar até a perfeição...

--Calma Angel, vou continuar a trabalhar lá, isso se ela quiser. Vamos dançar sim, mas de acordo com os horários da Sara, e também poderemos dançar à noite, quando houver necessidade. -- Anahi, como sempre mais ponderada.

--Meu bem, só o fato de morarmos juntas já me deixa no céu...eu fico muito sozinha, carente...-- Risos altos, Angelique era doida, definitivamente.

--Ah e já está a pensar em se aproveitar de mim? Só vou dormir contigo...dormir...-- Anahi ria sem parar.

--Uiiiiiii jura? Na minha cama, agarradinhas? -- Ela ria e Anahi ficava vermelha.

--Aham...louca! Tem dois quartos que eu saiba... -- Anahi brincava, sabia que a amiga jamais faria algo que ela não quisesse, e dela, só queria a amizade, para sempre.

--Posso brincar? Pateta! Vou deixar o teu quarto limpíssimo, já tem uma cama enorme que comprei outro dia, um colchão maravilhoso...e os toques pessoais tu dás com o tempo.

Um pouco mais séria, Anahi disse:

--Não ver Dulce vai ser muito bom para mim. Ela trabalha demais...

--Sim, mas seja firme Any, não deixe ela abusar e voltar para casa quando lhe apetecer...a Sara não tem culpa de nada, mas a Dulce precisa aprender que a filha é dela, ou seja, a responsabilidade é dela...cuidado com esse teu coração mole...

--Angelique, tem um lado meu que não conheces...quando decido uma coisa, não volto atrás, posso demorar para decidir, mas quando a decisão é tomada, vou até ao fim. Adoro a Sara, minha menina não tem nada a ver com as atitudes da mãe, mas quem sofre na pele e na alma sou eu...chega de ser maltratada. Sei que não me comportei bem, problemas meus que ainda não sei lidar, mas nada justificava aquele descaso...fui tratada como escumalha...me senti um lixo...-- A dor queria voltar mas ela sacudiu a cabeça como que a exorcizá-la.

--Olha, eu nem voltava mais para aquela casa, mas sei que és melhor do que eu...

--Aquela menina me ajuda tanto Angel, ela é uma espécie de anjo para mim, não a deixaria sozinha em hipótese alguma...

--Gostas da Dulce, Any? -- A resposta era óbvia, mas queria ouvir em voz alta.

--Muito...-- O semblante se iluminou. -- Sou boba, eu sei, mas gosto tanto...às vezes ela é um doce, vejo tanta coisa boa nos seus olhos...ela é inteligente, brilhante, engraçada...linda...

--Sem contar no quesito sexual...-- Angelique riu e Anahi ficou vermelha...mais uma vez.

--Umhum...às vezes sonho com os beijos...muito bom...-- Apertou os olhos e sorriu.

--Amiga, mudemos de assunto que ela vem aí.

Angelique estava de frente para a porta de entrada do refeitório e viu quando Dulce entrou e percorreu a sala com os olhos.

Quando Dulce alcançou a mesa delas, encontrou duas mulheres com semblante muito sério.

--Desculpa interromper. -- Ela estava totalmente sem graça. -- Mas queria aproveitar que a Sara está a dormir para conversarmos Anahi...tudo bem?

Antes que Anahi pudesse dizer qualquer coisa, Angelique levantou-se e apertou os ombros da amiga, transmitindo-lhe firmeza...e como ela precisava ser firme.

Dulce sentou-se e olhou nos olhos de Anahi, enquanto esfregava uma mão na outra...apreensão? Nervosismo? Muita vergonha, com certeza.

--Antes de qualquer coisa, muito obrigada Anahi. Eu sei que gostas muito da minha filha, mas o que fizeste hoje...--Ela estava engasgada e emocionalmente abalada.

Anahi não disse nada, apenas a olhava...já aprendera a ficar na reserva com Dulce.

--São tantas coisas...e todas de repente. -- Respirou fundo e os olhos encheram-se de lágrimas.

--Anahi, a Sara é a pessoa mais importante da minha vida...eu sei que faço muita coisa errada, tu mesma já me fizeste ver que estava perdendo o afeto da minha filha e és testemunha, que da minha forma, às vezes atabalhoada, eu moldei a minha vida para mudar tudo. -- Respirou fundo mais uma vez. -- A minha filha veio numa altura tão dramática da minha vida, mas em momento algum eu pensei em não tê-la, ela nasceu e deu sentido a tudo, passei a viver por ela...nada era mais importante, a saúde dela, o bem-estar...vê-la naquela cama causou-me uma dor que nunca experimentei, nem quando o meu pai morreu. Eu sei que muitas vezes faço confusão, não dimensiono bem o papel de cada coisa na minha vida, mas Sara é a razão dela, o motivo que dá sentido a tudo...

Os olhos não estavam mais marejados, as lágrimas corriam soltas e ela olhava o vazio.

Anahi, estava emocionada, a vontade do coração era carregá-la no colo e dizer as coisas mais lindas do mundo, mas a razão mandava que ela ficasse quieta e escutasse tudo até ao fim...ouviu a razão, essa poucas vezes a enganava.

--Estou exausta Anahi, emocionalmente fragilizada. Sei que não tenho o direito de te pedir isso e provavelmente vou levar com um não categórico na cara mas...

Tentando amenizar aquele sofrimento todo, Anahi a interrompeu:

--Eu volto dona Dulce. -- Disse da forma mais doce possível.

Dulce a olhou espantada. Sorriu quase sem acreditar...Anahi...Ela a confundia...mas era bom tê-la de volta e era isso que importava.

Anahi quase se derreteu ante a beleza daqueles olhos novamente brilhantes.

--Obrigada Any, por mim, mas mais ainda pela Sara, ela te adora.

--Volto sim Dona Dulce, mas não vou mais morar na sua casa. Serei a babá da Sara, mas terei a minha casa. -- Doía, mas era necessário.

Dulce sentiu um emaranhado de sensações no seu peito...não contava com aquilo, mas se recuperou e disse:

--Ok! Vou adaptar os meus horários. Vai dar tudo certo.

Fingia uma naturalidade que não sentia, na realidade estava a sentir-se muito mal.

Naquele momento o telefone de Anahi tocou, ela pediu licença e atendeu.

Falava com alguém que queria saber de Sara. Dulce ouvia extratos da conversa já que a mente fervilhava. O mais importante era ter Anahi como babá, sim, claro...mas então porquê aquela sensação estranha no seu peito, como se algo estivesse fora do lugar. Teria trabalho em explicar à filha que a babá não dormiria mais sob o mesmo teto, que provavelmente aos finais de semana ela não estaria mais presente...mas será que era aquilo mesmo que provocara aquela súbita sensação de perda?

Talvez fosse melhor assim, precisava resolver logo aquela confusão que se instalara na sua vida. Praticamente não se veriam mais, já que momentos juntas mesmo, aconteciam à noite, contava com aquilo para esquecer de vez aquela babá que levara sua vida do paraíso ao inferno na passagem de um raio.

Ela finalmente desligou o celular com um sorriso nos lábios e uma expressão meiga que fez Dulce esquecer tudo o que acabara de pensar.

--Era a Júlia querendo saber notícias da Sara...ela ficou muito preocupada.

--Minha filha mobiliza todo mundo...vais morar com a Júlia? -- Não tinha nada a ver com aquele assunto, mas ouvira uma conversa de malas e...bom, a realidade é que estava muito abalada com a saída de Anahi da sua casa e queria saber para onde ela iria...

Anahi não entendeu a pergunta, mas respondeu:

--Não, vou buscar minhas malas em casa dela...dormi lá ontem...

--.E já sabes onde vais morar? -- A curiosidade falava mais alto, e ela estava no mínimo sendo inconveniente.

--Já! -- Sorriu. -- Vou morar com a Angelique. Há muito que ela me convidava, mas agora é o momento certo.

Aquele aperto no peito ganhou contornos quase sufocantes, mas ela precisava manter o controle e era eximia naquela arte...

Adotando a postura profissional e quase fria disse:

--Combinamos todos os outros detalhes depois, o novo contrato, os novos horários, essas coisas práticas. Vamos ver se a princesa já acordou? -- Dulce se sentia uma atriz e das boas naquele momento...queria dizer tanta coisa, perguntar outras tantas, mas não se sentia no direito...a vida precisava seguir o seu curso...