Fanfic: Historias de Amor e Fantasma | Tema: Portiñon

Desde a adolescência Dulce não era repreendida daquela forma e isto a fez sentir-se novamente uma criança arteira.

--Tem razão, mãe. Não sei, acho que o meu juízo foi passear por alguns instantes. Obrigada por trazê-lo de volta.

--Pense bem no que está se passando aí dentro dessa sua cabeça, minha filha. Analise bem o que sente.

--O que quer dizer com isso?

--Que você deve rever seus conceitos. As coisas mudam e os sentimentos também. Você precisa se conscientizar disto.

Dulce não quis elaborar muito o que a mãe falava, talvez por receio de revelar si mesma coisas que preferia ignorar. Sua voz interior pedia insistentemente que encarasse de frente seus piores temores, mas era tão mais fácil fingir que não ouvia!

*****

Letícia seguia os passos de Maite  pelo apartamento, fascinada com sua tentativa de livrar-se dela. Espalhara velas sobre a mesa de centro e também incenso, apagara as luzes e agora estava de joelhos à frente do seu improvisado altar, os olhos cerrados em concentração e as mãos juntas em prece.

--Isto não vai adiantar, Mai. Já te disse que estou em uma missão, portanto, não posso ser espantada como uma alma penada.

--Que tal ficar quietinha enquanto conjuro alguma alma caridosa para te levar para o céu? Ou para o inferno, conforme o caso.

Letícia riu.

--E o que vai tentar da próxima vez? Galinha preta e cachaça? Isto não serve para almas no plano intermediário. Pense em mim como um anjo da guarda.

Maite teve que rir daquelas palavras.

--Anjo da guarda uma vírgula. Você está mais para um espírito obsessor.

--Que seja. Mas estou aqui apenas para ajudá-la. E você precisa de toda a ajuda que puder reunir. Seu caso é bem sério.

--Apenas terminei com minha namorada. O que tem de tão sério assim, posso saber?

--Ela é o amor da sua vida e está indo embora por sua incompetência em cativá-la de volta.

--Isto acontece o tempo todo com as pessoas. O que me faz tão especial?

--Existe uma razão maior que você não conhece, um caminho traçado que você teima em fugir dele.

--Então me conta qual é esse desígnio misterioso, que é tão importante para Deus, que ele achou necessário enviar um anjo da guarda para me perturbar a existência.

--Tudo a seu tempo, profe. Por ora pare de bancar a beata, desapareça com esse vodu e aceite minha presença em sua vida.

--Nunca! É fato incontestável que estou ficando louca e não vou deixar que isto aconteça sem lutar. Você é uma alucinação e talvez se eu for a um psiquiatra ele me receite um remédio para anular as crises.

--Quem sabe sou o seu inconsciente pedindo atenção? Aí só precisa fazer o que eu digo e tudo vai acabar bem.

--Acredite em mim quando digo que jamais escolheria você para representar meu inconsciente.

Letícia deu mostras de impaciência com a teimosia de  Maite.

--Será que dava para superar o choque inicial e partir para a aceitação do inevitável? Estou ficando de saco cheio de perder meu tempo tentando convencê-la a me ouvir.

Maite sentou-se no sofá esfregando as têmporas onde uma dor-de-cabeça começava a se formar.

--Ok. – respirou fundo para acalmar-se – Acho que o mais razoável neste momento é cooperar com meu delírio para ver até onde vai. E segunda-feira procurar um médico.

--Agora está sendo sábia. E isto faz parte do ensinamento. Você utiliza tanto o método científico em suas pesquisas e, no entanto, ignora totalmente estes quesitos na própria vida privada. Então vamos rever as fases lógicas de uma investigação científica.

--Eu joguei pedra na cruz!

Letícia a ignorou completamente.

--O primeiro item é a observação do fato ou do fenômeno.

Maite não se deu ao trabalho de tomar parte daquela aula estúpida sobre algo que estava careca de saber. Porém Letícia insistiu para que participasse.

--O que exatamente você percebeu de errado no seu relacionamento com Angelique?

--Sei lá. Ela estava mais fria, distante...

--E qual foram as hipóteses que você formulou para explicar este comportamento?

--Que tinha ainda algo a ver com o lance da traição.

--A traição! – Letícia exclamou animada -- Vamos voltar a ela.

--Não, não vamos! -- Maite levantou-se enfurecida.

Contudo, aquele arroubo não abalou em nada a serenidade de Letícia. Ou sua vontade de prosseguir com sua análise dos fatos.

--Do que tem medo?  -- provocou -- Começo a achar que foi você quem não esqueceu o que aconteceu.

--E como esquecer se Angelique me lembra disto o tempo todo?

--De que forma?

--É só olhar para o rosto dela.

Letícia deu um sorrisinho de escárnio.

--Desde quando começou a olhar para mulher que ama e enxergar apenas a mulher que você traiu?

A pergunta a deixou sem resposta por um momento.

--Olha, por que não fica longe da minha vida pessoal?

Estava cheia de ouvir baboseiras de um fantasma imaturo metido a psicólogo.

Fez meia-volta para fugir de Letícia e acabou tropeçando na mesa de centro, quase caindo ao chão.

--Droga! – gritou erguendo o tornozelo acidentado.

As velas balançaram perigosamente com o baque e ameaçaram cair e colocar fogo no tapete.

Maite correu para apagá-las e esbarrou na estátua de Nossa Senhora, que caiu no tampo da mesa, quebrando-se. A cabeça decepada da imagem esculpida rolou sobre os incensos e a água benta, espalhando tudo numa enorme confusão, que terminou com um grande buraco de queimado na camiseta de Maite e uma mancha enorme de cera derretida no tapete da sala.

--Você é meio desastrada, não é? – Letícia ria de se acabar.

--Suma daqui de uma vez! -- a professora gritou a plenos pulmões, ainda coberta de cinzas e essências perfumadas -- Se já não estou louca, vou ficar com você atrás de mim o tempo todo. E estou avisando: no banheiro você não entra nem a pau.

--Nem um tantinho assim enquanto você toma banho?

--Sem chance!

--Cruzes, profe, que falta de esportividade.

*****

Angelique encontrou-se com sua amiga Cristal no shopping e as duas iniciaram um passeio pelos corredores, observando as vitrines enquanto conversavam. Era um típico programa de fim de tarde para relaxar depois de um dia conturbado de trabalho.

--Amanhã tem liquidação de bolsas, por que não vem? -- Cristal convidou.

--Muita gente para o meu gosto. A última coisa que eu quero é me misturar com um bando de loucas passando por cima uma das outras para conseguir uma boa barganha.

--Você costumava ser mais ousada.

--Tudo passa. Agora sou mais da paz e tranqüilidade.

--Sinal que estamos ficando velhas.

--Nós duas ficamos experientes, Cristal. Apenas os outros é que ficam velhos.

E as duas deram risada da colocação jocosa.

--E a Dulce? Ela também odeia movimento?

--Não sei ao certo. Ainda não conversamos muito sobre essas coisas.

--Aposto mesmo que não conversam. Têm coisas tão melhores para fazer, né?

--Até parece que nosso namoro se restringe à cama.

--É exatamente essa a impressão que tenho.

--Pois está enganada. Batemos papo o tempo todo. Falamos de tudo um pouco.

--Menos de assuntos mais pessoais.