Fanfic: Historias de Amor e Fantasma | Tema: Portiñon

Dulce acomodou-se confortavelmente na cadeira de espaldar alto de seu escritório, colocou os pés desleixadamente sobre a mesa de trabalho, como era seu costume, e discou o número que estava no cartão de visitas que tinha em mãos, rolando-o entre os dedos.

No quarto toque uma voz suave, mas firme, atendeu do outro lado.

--Alô.

--Angelique? É a Dulce. Sua sócia no táxi.

Do outro lado da linha um sorriso iluminou o rosto da psicóloga, que acabara de atender ao último paciente e recolhia suas coisas para ir para casa.

--Oi Dulce, Fico feliz que não tenha perdido meu cartão.

--E como poderia? Guardei feito um tesouro.

Dulce ouviu uma risada deliciosa vindo do celular.

--Posso ver que seu repertório de galanteios é inesgotável.

--Engano seu. Normalmente sou um completo fracasso nesta área. Você é que me inspira.

Pôs a mão sobre a boca para deter o riso. Cada vez mais se superava na cantada.

--Vou fingir que acredito. – a voz do outro lado respondeu sem se deixar impressionar pelas palavras da conquistadora.

--E eu vou insistir que estou sendo sincera. Espero provar o que digo durante o jantar.

--Então o convite está de pé?

--E como não? Tem alguma preferência por um tipo de comida?

--Não, deixo a seu encargo a escolha. Só espero não terminar comendo churrasquinho no palito.

--Como pode pensar por um momento sequer que eu seria capaz de levar uma dama como você para comer em um lugar menos digno do que merece?

--Fico mais aliviada.

Tanto Dulce quanto Angelique sorriam como tolas, cada qual no seu lado da cidade, com seus celulares no ouvido e o olhar passeando ao redor de si distraidamente.

--A que hora passo para pegá-la? – Dulce resolveu arrematar o pedido para não correr o risco de Angelique mudar de idéia.

A psicóloga pareceu hesitar. Estava pensando se era uma boa idéia ir de carona. E se algo desse errado e quisesse sair correndo? Mesmo sendo a possibilidade bastante remota, gostava de ser precavida em suas decisões.

--Por que não nos encontramos no restaurante?  -- propôs delicadamente, não querendo ofender Dulce.

--Pelo simples motivo de que deste jeito não poderei roubar um beijo seu na hora de nos despedirmos em frente ao seu prédio.

--Ah, então eu estava certa e você tem segundas intenções com este convite.

--Achei que tinha deixado bem claro minhas reais intenções. Mas também disse que respeitarei sua vontade e que sua companhia era o mais importante. Deixo o rumo de nosso encontro totalmente em suas mãos.

--Neste caso, aceito sua carona. Assim poderemos conversar um pouco mais. E descobrirei que tipo de música você gosta. Isto é muito importante na minha lista de itens a serem observados no primeiro encontro.

--Neste caso vou deixar meus cds de heavy metal em casa.

--Excelente idéia.

--Se me disser onde mora estarei pontualmente à sua espera na portaria.

Angelique deu-lhe o endereço e marcaram a hora.

--Vai me dar uma dica do tipo de música que gosta de ouvir? Quero começar a marcar alguns pontos na sua lista logo de saída.

--Quem disse que ainda não marcou?

O sorriso de Dulce ficou ainda maior.

--Até mais. – Angelique despediu-se.

--Até.

Finalizou a ligação e ficou por algum tempo ainda sorrindo. Aquela mulher a intrigava e isto era por demais excitante. Angelique era material para namorada e não apenas um rolo casual. Quem sabe naquela noite surgisse algo significativo em sua vida? Não queria criar expectativas, mas mesmo assim acabou com aquela idéia plantada em sua cabeça.

*****

Cristian ouviu a porta de sua sala se abrindo precipitadamente e nem se deu ao trabalho de voltar-se para olhar quem era. Pelo modo brusco só podia ser sua irmã. E pelo jeito estava ansiosa.

--Preciso do seu porta-cds emprestado.

Desta vez o rapaz obrigou-se a abandonar o que fazia e girar a cadeira para encará-la. O pedido era por demais inusitado para ser levado realmente a sério.

--Desde quando gosta de música clássica e jazz?

--Desde nunca. Me revira o estômago escutar essas chatices, mas trata-se de uma ocasião especial.

Cristian deu um sorrisinho malicioso.

--Quer agradar alguém, né?

--Quero. E tenho quase certeza de que ela não gosta de música eletrônica.

--Como pode saber? Perguntou para ela sobre seus gostos?

--Perguntei, mas ela saiu pela tangente.

Crsitian riu de se acabar. Dulce estava realmente inquieta com o encontro.

--Está mesmo a fim de impressionar essa mulher ao ponto de se submeter à tortura dos meus cds?

--Para ver até onde vai minha carência afetiva.

Crsitian sacodiu a cabeça diante da cara-de-pau da irmã.

--Está consciente de que em algum momento ela vai descobrir o seu segredo macabro?

--Aí ela já estará irremediavelmente apaixonada por mim. Vai ouvir Armin Van Burren e David Guetta como se fosse Beethoven.

Cristian franziu a testa.

--Acabou de falar uma heresia tão grande que nem vou me dar ao trabalho de rebater.

--Vamos lá. Não vai se negar a ajudar sua irmã mais velha a desencalhar, vai?

Cristian foi até sua mesa e tirou as chaves do carro de dentro de uma das gavetas, jogando-as em seguida para Dulce.

--Pegue, mas devolva intacto. Nada de passar acidentalmente com o carro sobre ele. Não faça com que eu me arrependa de ceder aos seus apelos desesperados.

--Juro que devolvo inteiro. – fez uma cruz com os dedos e beijou -- Mesmo achando que o lixo seria melhor destino.

--Saia daqui, Dulce e me deixe trabalhar. Quero esquecer que cometi a blasfêmia de deixar em suas mãos minha coleção de clássicos. Espero que pelo menos esta mulher valha a pena o sacrifício que nós dois estamos fazendo.

--É o que pretendo descobrir hoje à noite. – deu uma piscadela para o irmão e virou-se para sair.

Cristian voltou para o projeto que desenvolvia, ainda temeroso por seus cds. Não confiava nem um pouco nos cuidados que Dulce teria no manuseio daquelas obras únicas. Mas ao mesmo tempo estava alegre em saber que após tanto tempo ela resolvera dar uma nova chance ao amor. Era uma boa notícia, pois ela merecia ser feliz e sozinha isto seria impossível, mesmo ela dizendo o contrário.

*****

Dulce ficou dentro do carro batucando os dedos no volante, inquietamente esperando por Amanda. Quando a viu sair do prédio, imediatamente desceu do SUV e cavalheirescamente abriu-lhe a porta para que entrasse. Não era um gesto isolado simplesmente para impressionar. Aquele era seu modo normal de agir e as garotas adoravam.

Em retribuição recebeu um belo sorriso de agradecimento que a deixou mais à vontade, dissipando um pouco sua ansiedade.

Ao acomodar-se de volta no banco do motorista, imediatamente inseriu no aparelho de som um dos cds do irmão, preenchendo o ambiente com os primeiros acordes de As Quatro Estações de Vivaldi.

--Espero que goste de comida japonesa. Resolvi optar por algo tradicional, não me arriscando a levá-la para algum lugar muito exótico onde seriam servidos escorpiões ao vinagrete.

Angelique sorriu com alívio, remexendo em busca de algo dentro da bolsa.

--Esqueceu alguma coisa? – Dulce indagou curiosa.

--Estou procurando a cadernetinha onde anoto os pontos ganhos pelas minhas acompanhantes. Você acaba de fazer jus a pelo menos dois.

Dulce apreciou o senso de humor de Angelique e relaxou.

--Tenho que passar no escritório por um momento, você se importa?

Havia esquecido um maldito pendrive onde estava o projeto que teria que apresentar no dia seguinte para um cliente, bem cedo. Era melhor pegá-lo agora do que mais tarde, caso a noite rumasse para algo mais excitante.

--Claro que não me importo. – Angelique respondeu com tranqüilidade -- Fico aguardando aqui no carro.

Dulce concordou e acelerou o passo para não deixá-la esperando muito tempo ali sozinha.