Fanfic: Marido e Inimigo | Tema: Vondy

Durante a madrugada, Dulce pegou um cobertor e arrumou-se como pôde no sofá. Acordou assustada quando o jornal foi empurrado por baixo da porta. Seus olhos estavam secos e ardiam; as costas lhe doíam.

O sofá-cama não era como lhe tinham dito quando o comprara nada confortável.

"Um anão se sentiria melhor aqui", pensou ela, enquanto tentava se espreguiçar. Levantou-se, quebrada. Foi até á porta, pegou o jornal e o leite, e dirigiu-se para a cozinha.

Quando o café ficou pronto, na cafeteira, ela já tinha feito suco de laranja e torradas. Sentou-se à mesa e começou a comer, dando uma folheada no jornal. Seus olhos se arregalaram com o que leu na primeira página. Baixou o jornal devagar. Então era por isso que Christopher parecia tão cansado e perturbado!

Havia estourado uma rebelião sangrenta no país em que estivera trabalhando, na África. Ele presenciara nada mais, nada menos que o massacre de mais de trezentas mil pessoas!

Como tinha escapado vivo? Dulce estremeceu, atirando o jornal para o lado. Não conseguia mais ler. Os detalhes eram tão dolorosos que, mesmo não estando lá, sentia o estômago embrulhar.

Levantou-se e jogou a torrada na lixeira. Perdera a fome.

Por que ele insistia em manter aquele emprego de correspondente internacional? Já não tinha visto a morte de perto o suficiente? Não estava cansado de presenciar tanto sofrimento? Um dia sua boa sorte o abandonaria e ele terminaria como os homens, mulheres e crianças massacradas daquela cidade: abandonado numa vala qualquer.

Olhou novamente para o jornal, com os lábios trêmulos e os olhos úmidos. Num impulso de raiva, amassou-o e jogou-o para o outro lado da cozinha.

— Nossa, que; zanga!

Ao ouvir a voz irônica e grave, Dulce virou-se depressa, tensa.

Christopher fitou-há por alguns instantes.

— Vejo que você andou se informando sobre as novidades do mundo — falou, com frieza.

— Não se preocupe, a primeira página é sua — ela respondeu amarga.

— Claro que é! — Concordou Christopher, com o mesmo tom de voz.

Dulce tornou a sentar-se; seu corpo estremeceu num longo suspiro.

— Deve ter sido horrível.

— Está subestimando a verdade. — Ele foi até o bule de café. Suas pernas estavam nuas sob o robe negro.

— Ainda está quente?

— Está.

Ela o observou enquanto se servia. Christopher pôs um pouco de leite e depois bebeu devagar, com os olhos semi-fechados. Estava absorto e muito cansado.

— Foi pior do que aquilo que você escreveu no jornal? — Perguntou Dulce, em voz baixa.

— A cidade parecia o inferno.

Dulce prendeu a respiração, controlando a raiva.

— Tenho certeza de que você está louco para voltar — disse, com ironia.

Christopher sorriu amargamente.

— O consulado britânico de lá já me avisou: se eu voltar, serei morto na hora.

— O consulado?

— Sim. — Foi por intermédio deles que voltei. — Senão, ainda estaria preso por lá. — Deus sabe se vivo ou morto.

Dulce estava à beira da histeria. Tinha de sair de perto dele, ou seria capaz de gritar e descabelar-se. Levantou-se num ímpeto, deixando a cadeira cair para trás, e correu para a porta.

— Aonde você vai? — E o meu café?

A voz de Christopher estava calma, controlada. Ela parou, mas não se virou.

— Sirva-se. — Aí tem pão, ovos, manteiga e geléia. — Vou tomar um banho e me vestir, e a seguir quero que saia do meu apartamento.

Não esperou para ouvir a resposta dele, pois as lágrimas já corriam livremente por seu rosto.

Bateu a porta da cozinha e entrou no banheiro. Apoiou-se na pia, aos prantos, odiando-o mais do que nunca.

A ducha quente a acalmou. Ficou ali bastante tempo, sentindo a água correr pela pele, aliviando sua tensão.

Tinha que se livrar de Christopher antes que o seu convidado chegasse. Martin sabia de Christopher, claro, embora os dois nunca tivessem se encontrado. Não iria ser fácil explicar a presença do ex-marido ali, ainda mais seminu.

Martin a ouvira com toda a delicadeza, quando ela lhe contara sobre o seu casamento com Steve.

— Não foi um casamento de verdade, foi? — Perguntou. — Ele não a merecia.

— Verdade — concordou ela, irônica. — Gostaria que ele pudesse ouvi-lo agora, Martin.

— Pois eu lhe diria algumas verdades. — Homens assim não devem casar-se. — Ele é do tipo que tem uma mulher em todos os portos. — Imagine todos esses meses trabalhando fora!

Dulce cerrou os dentes. É lógico que já imaginara isso. Nos primeiros meses de casamento, já questionara Christopher sobre o assunto.

— São histórias, querida — dissera ele. — Não acredite nelas. — De que adianta reviver o passado, afinal?

— Então há um passado?

O olhar dele se modificara.

— Por que é que seus olhos ficaram verdes, de repente? — Eu lhe contei tudo sobre meus ex-namorados. — Por que não me fala sobre as suas também?

— Meu passado é bem mais movimentado do que o seu, minha querida. — Sou dez anos mais velhos, lembra-se? — E já viajei por todos os cantos do mundo.

— Sei disso.

Christopher rira baixinho, divertido com o ciúme dela.

— Dulce, você é pior que a polícia secreta! — Escute querida, não há nada mais antigo do que um velho caso de amor. — Esqueça o passado. — Não precisamos de nada disso.

Começara a beijá-la com prazer, até que ela sucumbisse às suas caricias.

Dulce ensaboava-se, tentando afastar as lembranças. Pensou em Martin. Ele sempre fora pontual, certamente chegaria exatamente ao meio-dia. Isso lhe dava duas horas para livrar-se de Christopher. E antes que ele saísse, pegaria aquela chave de volta, ah, se pegaria! Imagine, ele era bem capaz de usar o apartamento enquanto ficasse em Londres!

Esticou o braço para apanhar a toalha, pingando. Recebeu-a na mão. Abriu os olhos depressa, chocada.

Os olhos azuis de Christopher passeavam pelas curvas bem-feitas do seu corpo. Dulce sentiu os seios enrijecerem, o corpo acanhar-se diante daquela inspeção. Amarrou a toalha em torno de si com as mãos trêmulas.

— Como ousa entrar aqui? — Saia.