Fanfics Brasil - Capítulo um Confrontantion

Fanfic: Confrontantion | Tema: Originais, Guerra, Futuro, Distopia, Pós-Apocalíptico


Capítulo: Capítulo um

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Misha calçou as botas de couro por cima das calças de mesmo material e saiu do aposento, rumo a sua última aula de treinamento por obrigação. Parou pra fechar a porta da casa. Aquela escavação não era bem o que se podia chamar de lar, mas ela vivera ali a sua vida toda e era assim que se sentia para com o local. Não conhecia outros lugares — e tampouco poderia; nenhum jovem abaixo da maioridade era autorizado a conhecer o mundo lá fora — senão semelhantes ao quarto onde ela e seu irmão dormiam, então também não podia dizer que havia algo melhor.


Conseguia ouvir seus próprios passos no chão pintado de vermelho — o que era estranho, pois o corredor subterrâneo costumava estar cheio e barulhento. Devem estar todos reunidos no Centro, pensou. Todos, não. Adolescentes como ela estariam no Campo de Treinamento, ouvindo as últimas instruções de seu mentor antes de partirem para o que antes fora deles. Mais tarde, não só ouviriam isso como também o discurso do presidente sobre como eles vinham tentando sobreviver e reconquistar o mundo externo há décadas, e as despedidas de seus familiares. Apesar de tudo, ela estava ansiosa. Tudo o que sabia do lá fora foi contado por seu falecido bisavô, cujo pai era adolescente quando presenciou a tomada da Terra pelos extraterrestres e a triste rendição de muitos humanos. Quer dizer, o que ela sabia do ambiente. Sobre o combate, o instrutor lhe ensinara o preciso para sua sobrevivência. Sentia pena de deixar o seu irmão, de apenas nove anos, sozinho. É óbvio que sentia. Abandonar a única pessoa que lhe restara era duro. Mas, pensou, se consolando, ele vai sentir o mesmo quando estiver no meu lugar. E mesmo que eu não sentisse, não tenho escolha.


Foi até o arsenal do Campo de Treinamento e pegou um arco e flecha. A aljava era relativamente pesada em suas costas, mas ela não ligou. Estava acostumada ao peso maior de uma espada. Só não usaria nenhuma porque o seu objetivo não era o combate corpo-a-corpo, e sim ataques de longe. Até porque ela achava que nenhum dos humanos que se renderam (não teria que lutar com os extraterrestres, apenas em circustâncias muito remotas) seria burro ou antiquado a ponto de usar uma espada ou qualquer coisa de curto alcance. Eles tinham tecnologias mais avançadas. Armas de fogo e muitas outras coisas que Misha só ouvira falar; ninguém ali, exceto os que conseguiam roubar do lado de fora, possuía alguma. A população conseguira sobreviver muito bem, mesmo estando escondida debaixo da terra, mas sua evolução foi obviamente afetada.


O homem de cabelos grisalhos que tinha como instrutor entrou no lugar. Ela se virou. Apesar da aparência velha, ainda aparentava ter forças para voltar a fazer o que fizera por dez anos.
— Você está pronta? — perguntou, os braços cruzados na altura do peito. Misha acenou com a cabeça, afirmativamente. — É muito fácil falar isso quando não se está lá. Mas você vai precisar de todo o conhecimento que lhe dei até agora. Tanto teórico quanto prático. E força, principalmente psicológica. Matar pessoas que são humanos como você não é simples como parece.

Ela se recordou da história. Há cerca de duzentos anos, seres de outro planeta desceram à Terra. Mataram milhares de humanos, mas uma grande parte, assustada, se rendeu. Concordaram em servir a eles, desde que não fossem assassinados. Uma minoria se escondeu e conseguiram criar pequenas civilizações debaixo da terra, em lugares completamente aleatórios, onde os invasores não poderiam encontrá-los. Foram chamados de Abrigos. No início, as condições não eram muito boas. Havia falta de comida, higiene e, devido à precariedade, algumas pessoas morreram. Então, os líderes dos Abrigos se juntaram e resolveram criar um sistema que garantisse sua sobrevivência. De seis em seis meses, todos os jovens que tivessem dezoito anos seriam mandados em grupos para o mundo externo. Passariam a roubar os recursos — qualquer recurso — das criaturas que viviam lá fora. Voltariam de semana em semana, compartilhariam os mantimentos obtidos com todos e seriam novamente lançados ao mundo hostil. Isso por uma década inteira, a não ser que a pessoa ficasse deficiente ou, claro, morresse antes disso, o que era comum. Depois de muitas baixas, foi concordado que, dos dez aos dezoito anos, as crianças e adolescentes receberiam um treinamento especial sobre como sobreviver lá fora, ensinadas a usar todo tipo de arma, que seria dado por quem já tivesse tido contato com o exterior.


Não havia muito problema com os extraterrestres em si. Na verdade, eles não faziam nada, a não ser que fossem desafiados em suas próprias bases: torres muito altas com formatos peculiares. Os que atacavam e que precisavam ser combatidos eram os Rendidos, descendentes daqueles que se entregaram, que agora trabalhavam para os novos "mandachuvas" do mundo. Pareciam não ter piedade, como se não tivessem conhecimento de estarem assassinando outros da mesma espécie. Ou como se apenas não se importassem com a própria raça.


Depois, lembrou-se de quando era uma criança. Sempre que ouvia essa história, amaldiçoava as pessoas que a colocaram naquele mundo. Queria estar lá fora, sendo uma dos Rendidos que todos ali tanto abominavam. Ou estar em qualquer lugar, desde que não fosse num dos Abrigos. Sentir o ar puro e olhar a beleza que o bisavô lhe descrevera era um dos seus maiores desejos. Não lembrava direito o que lhe fez mudar de ideia, só sabia que agora repugnava os seus pensamentos de quando era menor. Talvez por ter amadurecido. Agora, queria a todo custo matar os humanos covardes que continuavam tendo suas vidas rotineiras, sem ao menos tentar defender o próprio planeta. E vinha treinando cada vez mais arduamente para isso. 

— Misha? Está me ouvindo? Falei com você. — ela tentou afastar os pensamentos, voltando sua atenção para o homem a sua frente. — Está pronta?


— Estou.


— Sabe o que fazer quando chegar a hora de subir?


— Eu não preciso de mais orientações. — fitou o rosto do velho. Não, ele não estava preocupado. Na verdade, sua expressão era firme e dura, não havia tremor algum em sua voz. Não que ela esperasse que houvesse. Sabia que, com tantos anos de ensino, ele já vira muitos garotos irem embora. Alguns talvez nem tivessem voltado. Ele não se abalaria por apenas mais uma, mesmo que viesse treinando-a por oito anos.


O homem assentiu, sorrindo, e fez um gesto com a mão por cima do ombro, em sentido de "venha". Ela o seguiu, curiosa. O caminho por onde ele entrou costumava estar quase sempre trancado. A loira o vira aberto pouquíssimas vezes, e sempre nos dias da Recolhida. Supôs que tivesse algo a ver com isso. Quando conseguiu se esgueirar pelo pequeno túnel, pôde concluir que foi a coisa mais estranha que já tinha visto. Muito legal, mas estranha. Não de peculiaridade, mas porque jamais vira algo parecido. Era uma sala alta e ampla, seu teto devia chegar à altura de cinco humanos de estatura mediana (se desse pra empilhá-los). Os tetos por ali não costumavam ter mais do que dois metros. Muito larga, também. Diferente de tudo que havia ali. Mas com certeza, o que mais lhe chamava a atenção eram os alvos que ela podia ver numa altura de cerca de quatro metros, cada qual em uma plataforma que aparentava ser de pedra. Correntes de metal os suspendiam, e logo acima, passava uma espécie de correia. Entrou um pouco mais na sala e viu que, na parede atrás de si, havia o mesmo sistema. Porém, ao lado, dezenas de buracos na parede se alinhavam, como se feitos para encanações. Dezenas, não, centenas, pensou melhor. Ao contrário das paredes dos alvos, em que só havia uma fileira, nessa o muro todo era ocupado pelos orifícios, com uma distância considerável entre cada um.


Ela encarou o professor, boquiaberta, e finalmente tomou coragem pra falar. Ao mesmo tempo que era extremamente legal e bizarro, também dava medo. — O que é isto?


— Vamos ver se você realmente não precisa de mais nenhuma ajuda. — virou as costas, indo pra um lugar que Misha não vira ainda. Era uma espécie de cabine de algum material transparente que ela não conhecia.


Permaneceu ali parada, olhando para seu mestre. Ainda não entendia toda a engenhoca do local. Observou-o pressionar um botão numa espécie de placa na cabine, e várias coisas começaram a acontecer ao mesmo tempo. Talvez o mais perto de tecnologia que um Abrigo pudesse chegar. O barulho produzido por tudo aquilo era ensurdecedor — Algumas correntes começaram a levantar os alvos de tiro, enquanto outras arrastavam-nos pelas correias. E mal teve tempo de digerir a informação, pois os buracos, que ela pensava que realmente fossem usados pra encanação, começaram a disparar lâminas, fazendo stick e zuim. Ela correu pra perto da cabine, apavorada.


— O que é isto? — repetiu, gritando, e não notou que uma tira de couro da calça jazia no chão, arrancada por uma daquelas coisas lançadas dos orifícios.


— Use a capacidade analista que eu sei que você tem. — o velho respondeu. O sorriso era sarcástico no rosto marcado pelo tempo. Ela olhou assustada para a porta da sala, que, como esperava, estava fechada. Trancada, supôs, e resolveu não perder tempo tentando sair dali. Existia alguma maneira de parar aquilo, ou o instrutor não a teria fechado dentro de um lugar que disparava facas.


Não conseguiu pensar em muita coisa, exceto que havia alvos de tiro ali. E se havia alvos, eles tinham que ser acertados. Não teriam começado a se mexer sem motivos. Não sabia se isso iria parar as pequenas pecinhas de metal que estavam sendo disparadas, mas talvez o superior a deixasse ir embora. Sacou o arco, que estava cruzado em suas costas, e tirou uma flecha da aljava. A posicionou, mirou e tlinc. Acertou no centro do primeiro alvo, cuja base voltou a ter o seu ocupante, como se nada tivesse acontecido. Pegou outra flecha e correu para o centro do campo, se arriscando devido às lâminas cortantes que estavam sendo lançadas a mil. Atirou e, para seu desânimo, acertou na parte de cima, não no centro. Ele continuou se mexendo, com uma flecha cravada em seu topo. Tentou de novo, errou. Mais uma vez, e finalmente acertou no centro. A placa bicolor redonda retornou à sua posição inicial, tal qual a primeira que ela havia acertado. Agora que sabia pelo menos parte do sistema, tentou isso com os outros alvos de tiro. Após um tempo — não sabia dizer quanto; para ela pareceram horas, mas para o homem na cabine foram apenas alguns minutos —, metade dos alvos já haviam sido estabilizados em suas posições comuns, e boa parte das fileiras de facas tinham sido desativadas. Mas a parte racional do seu cérebro substituiu a parte desesperada. Tenho que sair daqui, as lâminas vão me cortar em fatias, pensou, com razão, e correu para Doggins, o instrutor. Porém não terminou; o barulho parara repentinamente e o "ataque" das lâminas cessou.


Misha olhou para Doggins, mas o pouco tempo que ficou parada foi o suficiente para que a adrenalina a deixasse e ela percebesse cada parte de seu corpo que doía. Ficou com medo de olhar pra baixo e ver o quanto devia estar ferida, mas o resultado foi até bom. Apenas a calça estava incrivelmente rasgada em tiras, como se em quinze minutos ela tivesse se tornado uma punk hard. Escorriam fios de sangue pelo rosto, nada que a ensopasse. Mas a dor que ela sentia estava em tantos lugares que não conseguiu perceber de primeira que havia um triângulo afiado cravado na sua panturrilha. O retirou, e a parte desespero de sua mente voltou ao lugar. Retirar aquilo doeu, mas não tanto quanto a dor ou o pânico que sentiu ao ver o sangue escorrer e tornar a calça mais escura ainda. Sabia que teria de lidar com sangue muitas vezes quando estivesse lá fora, mas desde pequena tinha hematofobia. Não conseguia controlar. A ação mais racional que pôde fazer foi virar a cabeça e conter o grito. Deixou o líquido escarlate escorrer e molhar as botas, logo o sangramento pararia. Mas de qualquer jeito, não conseguiria tratar daquilo sozinha. O instrutor ainda mexia em o-que-quer-que-fosse na cabine. Olhou pra trás e viu a porta da sala aberta, pensando em ir à enfermaria. Pensando. No meio do caminho, uma flor negra se abriu diante dos seus olhos, e ela perdeu a consciência.



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Autor(a): Kash

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