Fanfic: Jeghen Fal 279
Manhã em flores
Por: Laura Ribeiro [Jeghenfal279.com]
Levantei da cama em um salto. Por entre as frestas da janela, notei o Sol que acabava de se erguer. Iluminava o canto do quarto com uma claridade suave, refletindo-se nas peças de metal que se dependuravam em enfeites na parede. Com pressa, vesti-me com o corpete de couro escuro que repousava sobre a cadeira e arranjei os longos cabelos alaranjados em uma trança lateral. Ajeitei a saia sem muito esmero e aproveitei para prender a franja de lado com uma flor seca. Com cuidado, abri as cortinas. Se meus cálculos estivessem certos, não faltaria muito para que ele cruzasse o caminho que dava para o lado de minha casa.
Debrucei-me sobre o peitoral da janela. Do lado de fora, uma fina névoa cobria a manhã embaçada. O canto distante dos pássaros soava direto do bosque que rodeava a cidade, anunciando o dia que já começava. Grimmia estava silenciosa. A cidade parecia despertar aos poucos, no ritmo lento dos passos dos homens que saíam para os campos a trabalho. Notei um pequeno grupo de trabalhadores se aproximar. Carregavam nas costas cestos vazios, prontos para a colheita que já se iniciava. Acenei de leve, contendo a empolgação que me invadia.
- Bom dia, Belle! - A voz encorpada de Ngowe soou por debaixo da janela. Ajeitei-me rapidamente e devolvi o cumprimento. Seus olhos escuros apertaram-se com o sorriso que agora se esboçava em seu rosto e, de maneira involuntária, se refletia no meu.
- Prontos para a colheita? - Consciente da obviedade daquela pergunta, desejei que não notasse meu esforço em parecer minimamente interessante.
- O ciclo começa hoje, mas ainda teremos trabalho pelo resto da estação. - Ajeitou a cesta sobre um dos ombros antes de continuar a falar. Foi difícil segurar o suspiro que teimava em escapar de meus lábios. Sua simpatia e doçura eram irresistíveis, para não comentar da singeleza que sempre parecia carregar no olhar. - Hoje o trabalho é mais pesado, mas amanhã já pegamos um ritmo melhor de colheita. Por que não vem comigo? Talvez você encontre algo que possa usar nos seus arranjos.
- Claro, amanhã estarei pronta assim que o Sol despontar na planície! - Com medo de soar muito ansiosa, baixei o tom de voz. Mas sabia que meu rosto já começava a corar de leve.- Certo, passarei aqui para lhe buscar então. - Com uma piscadela, deixou que um meio sorriso finalizasse seu aceno e seguiu em frente, caminhando com os outros trabalhadores. Esperei que se afastasse para então voltar para dentro do quarto. Quando já ia começar a cantar de alegria, reparei Suhka, minha irmã, parada logo atrás de mim. Os olhos escuros fixos em meu rosto fizeram com que eu recuasse.
- Earlibelle. - Sua voz soou severa. Suhka era alguns ciclos mais velha que eu. Talvez três ou quatro. E, por esse mesmo motivo, parecia sempre sentir-se responsável por mim.
- Mamãe e eu a estamos chamando há tempos, mas parece que você não ouve! - Protestou, fechando a janela atrás de mim. - Vamos logo, mamãe precisa de ajuda para preparar as encomendas para a feira. - Segui-a em silêncio. Seu longo cabelo negro agitava-se em consonância com seus movimentos. Mesmo não sendo irmãs de sangue, eu ainda sentia aquela frágil sensação de hierarquia que costumamos ter diante de nossos irmãos mais velhos. Sabia disso porque eu havia tido um. Assim como também tivera pais, vizinhos e amigos de infância. Infelizmente estavam todos agora no passado e não valia a pena ficar rememorando essas sensações logo quando acabara de receber um convite de Ngowe. Assim, suspirei fundo e estampei um sorriso no rosto, na esperança de que aquelas lembranças não insistissem mais em minha mente.
- Bom dia, Belle. - Mamãe recebeu-me com um abraço apertado. Sua voz calma era um alento pelas manhãs, soava como uma brisa doce e refrescante. - Vamos, coma antes de sairmos. Não quero saber de ninguém passando mal porque não teve tempo de se alimentar. Você também Suhka, coma algo antes de começar a trabalhar.
Mamãe fazia tortas, bolos e pães para vender na feira da cidade. Seu estande era bastante popular entre o pessoal de Grimmia e, inclusive, costumava atrair gente até de outras cidades. Suhka era responsável pelas contas e distribuição dos lucros para a compra de materiais, enquanto eu fazia as entregas solicitadas e, desde alguns dias, preparava arranjos de flores e cestas para complementar a renda. Era um trabalho que eu realmente gostava, não só por poder ajudar em casa e retribuir, um pouco que fosse, tudo o que fazem por mim, mas também porque era realmente satisfatório observar os rostos de alegria das pessoas quando recebiam um cesto de pães decorado.
- Venha, Belle, precisamos partir antes que o tempo esquente. - Obedeci prontamente, acomodando-me por entre os embrulhos e cestas organizados na carroça. O perfume dos pães recém assados era tentador. Fechei os olhos, esperando sonhar um pouquinho com as delícias que levávamos para a venda.
Cruzamos as calçadas de pedra de Grimmia como fazíamos todos os dias, recebendo os desejos de “bom dia” animados do pessoal que também madrugava. Assim que alcançamos a área comercial da cidade, passamos a montar a tenda e a organizar os produtos em fileiras. Suhka era um tanto rígida com relação à apresentação do produto, e sempre dizia que os pães deviam ficar mais ao fundo para que as pessoas passassem os olhos nos bolos e tortas antes de escolherem os produtos que levariam. Como sempre vendemos bem, mamãe e eu nunca a questionamos. Talvez, em um período de guerra, os lordes de Solana devessem procurar minha irmã para bolar as estratégias de combate. Tenho certeza de que ela saberia articular qualquer tipo de plano que os levasse à vitória.Sob o Sol gentil do outono, o movimento das vendas não foi menor que o esperado. Assim que a feira foi aberta, os pães começaram a se esgotar. Recebemos pedidos de três entregas de cestas de bolos, trabalho que geralmente ficava sob minha responsabilidade.
- Belle, aqui estão os nomes e endereços. - Recolhi os pedidos com mamãe, passando os olhos sobre os destinatários. Senhora Merkel, Dormelia e... um nome que eu não conhecia, escrito em uma caligrafia minuciosamente trabalhada.
- Quem é... Nuoma? - Questionei enquanto começava a contabilizar o material de que precisaria. Mamãe deu de ombros. Provavelmente vinha de algum vilarejo próximo, já que no endereço constava o número de quarto de uma estalagem no centro da cidade. Bem, não fazia diferença. O importante, como disse Suhka, era que a pessoa havia encomendado uma cesta, completamente decorada, para presente, e queria sua entrega para amanhã à tarde.
Decidi começar o trabalho o quanto antes, afinal de contas, já tinha um compromisso inadiável marcado para a manhã seguinte. Não podia perder tempo, então comecei a trançar o primeiro cesto, mesmo que, naquele estado de euforia em que eu me encontrava, fosse difícil concentrar em qualquer coisa.
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Autor(a): jfal279
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