Fanfic: Jeghen Fal 279
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[Arco Escarlate - Capítulo 3]
O RUBRO QUE TINGE
Por: Laura Ribeiro
O Sol já queimava forte quando cheguei às portas da estalagem. Entrei com cuidado para não tropeçar na soleira e me dirigi ao balcão principal, onde uma senhora repousava a cabeça sobre uma das mãos.
- Bom dia Earlibelle. - Sua voz desanimada não parecia nem um pouco convidativa. - Veio fazer mais uma entrega? - Confirmei com a cabeça, indicando o endereço que tinha. Ela observou um instante o papel em minha mão e logo indicou o quarto para que eu fosse sozinha.
Subi as escadas de madeira notando o esforço inútil que vinha fazendo de não deixar que os degraus rangessem. Com a cesta em mãos, bati na porta uma vez, o que, para minha surpresa, fez com que ela se abrisse prontamente. Do quarto escuro, surgiu uma mulher de beleza exuberante. Os cabelos negros caiam em ondas sobre seu ombro direito, emoldurando-lhe o rosto como uma pintura. A pele branca era tão lisa e brilhante que mais parecia estar coberta por um fino pó perolado. Encarou-me nos olhos demoradamente, e fiz o mesmo, como que presa por seu encantamento. Notei sua expressão passar da curiosidade para a surpresa e logo então repousar em claro espanto.
- Você... - Sussurrou com a voz baixa, e logo me vi repetindo sua expressão em meu rosto. Era óbvio para mim que fitava a cor de meus olhos, e isso me deixava um pouco desconfortável. O cinza claro de minhas pupilas tinha uma estranha mancha amarela vibrante que cobria até a área da íris em uma figura disforme. As pessoas de Grimmia já haviam se acostumado com isso, então não ficavam encarando dessa maneira, mas a história sempre se repetia quando eu me encontrava com alguém de fora. - Oh, você trouxe a cesta! - Exclamou, desviando o olhar com pressa.
- Sim, senhora... Nuoma? - Questionei enquanto lhe entregava a cesta recheada.
- Isso mesmo. Ouvi muito bem de seu trabalho, menina. - Desembrulhou o papel lentamente, revelando os ornamentos trançados que havia feito com flores. - Ora, mas é maravilhoso... Não menos do que eu esperava de sua fama, mocinha. Qual o seu nome mesmo?
- Earlibelle, senhora. - Comentei reservadamente. Atrás dela, o quarto parecia vazio. A cama estava arrumada e a janela ainda fechada. Talvez estivesse se preparando para ir embora da cidade hoje ainda. - Bem, eu já vou...
- Oh não! Espere um instante... - Pediu, correndo para dentro do quarto. Aguardei em pé do lado de fora, e ouvi quando pareceu abrir uma mala e revirar alguns papéis. Voltou instantes depois carregando um panfleto pintado. - Você é tão jovem, tenho certeza de que tem interesse nessas coisas. - Aceitei o panfleto. Sobre o papel envelhecido havia uma flor majestosamente representada. Suas quatro pétalas brancas formavam juntas o desenho de um coração, e a quinta pétala, na parte inferior da flor, apresentava um tom rubro maravilhoso. Admirei-a por alguns instantes, até notar que devia parecer uma tola boquiaberta a encarar um desenho.
- Essa flor não é apenas bela. - Sorriu, e foi como se uma luz se acendesse ali naquele corredor. - Essa é a Orchadia. Ela é conhecida, principalmente, por realizar desejos do coração. - Encarei-a desacreditada.
- Uma flor que realiza desejos? - Questionei, sem muita fé.
- Exatamente. Eu vim para Grimmia à procura dessa flor. Existe uma área, próximo à estrada norte, em que ela cresce solitária. Fica ao pé de uma árvore muito grande, que proporciona sombra suficiente para sua floração. - Observei o panfleto mais uma vez. A flor era realmente exuberante. Mas não havia como acreditar naquela história de que ela era capaz de realizar desejos. Ainda por cima do coração. - Bem, eu devo me recolher agora. A idade infelizmente não permite que eu continue seguindo atrás dessa flor. Mas caso a senhorita deseje chamar a atenção de alguém especial, tenho certeza de que essa flor poderá lhe ajudar. - Com um aceno leve da cabeça, despediu-se, fechando a porta com cuidado.
Desci as escadas da estalagem em direção à porta. Não havia como acreditar nessa história de desejos magicamente realizados por uma flor. Na verdade, nem sabia se essa flor realmente existia por aqui. Ngowe não pararia para olhar para mim por causa dessa flor, principalmente depois de hoje. Talvez ele tenha até se atrasado para a colheita por minha causa. Eu devia fazer algo para pedir desculpas. Não sei exatamente o quê. Talvez escrever uma carta, ou cozinhar alguma coisa que ele gosta. Talvez preparar um relaxante corporal com algumas ervas, já que o trabalho é muito puxado nessa época do ano. Pensando bem, em alguns dias teremos o festival da colheita. Acho que a melhor opção é preparar algo bem gostoso e levar para ele no que eu faço melhor: uma cesta decorada. Mas não uma cesta qualquer. Essa deve ser a cesta mais bonita que já fiz em toda a minha vida, capaz de fazê-lo compreender realmente o que eu sinto.
Decidido!
Seria isso, e eu devia começar agora mesmo. Que tipo de flores usaria na cesta? Olhei para o panfleto em minha mão... Tinha de ser aquela flor. Sabia que se eu conseguisse pelo menos uma, essa cesta se tornaria a mais bela e desejada de todo o continente.
Caminhei até a ponte que levava à estrada de terra que rodeava Grimmia. Seria melhor avisar mamãe sobre as entregas, certeza de que ela estava ansiosa para saber as reações das clientes. Mas, se eu fosse até lá, não daria tempo de voltar e checar os arredores. A noite com certeza viria antes de eu alcançar a floresta ao norte. Se quisesse ter tempo suficiente para essa cesta, devia partir agora. Assim sendo, decidi pegar a estrada em direção ao bosque, lado contrário à área de plantio, onde eu provavelmente encontraria a flor de Nuoma. Sabia que meu senso de direção nunca fora exatamente perfeito, mas seguir a estrada marcada na terra seria o suficiente aquela tarde. Se não encontrasse, poderia voltar amanhã e avançar um tanto mais nessa busca.
O Sol ia aos poucos pousando no horizonte, fazendo com que o tempo se tingisse de amarelo. Vaga-lumes e mosquitinhos da noite foram surgindo à medida que avançava mais fundo no bosque. E logo a avistei. Majestosa, solitária sob uma árvore centenária. Era de um branco que eu jamais vira antes, reluzindo em meio a um tapete de flores rubras.
Ngowe finalmente me notaria.
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[Arco Escarlate - Capítulo 3]
Autor(a): jfal279
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