Fanfics Brasil - De vermelho, a noite Jeghen Fal 279

Fanfic: Jeghen Fal 279


Capítulo: De vermelho, a noite

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[Jeghenfal279.com]
[Arco Escarlate - Capítulo 4]

De vermelho, a noite.
Por: Laura Ribeiro

O som da grama sob meus pés estalava a cada passo dado. No silêncio obtuso da noite, tudo parecia se ampliar. Ao meu redor, o bater de asas das libélulas ressoava com violência. O chamado distante das cigarras começava a cessar e algumas poucas luzes se acendiam com os vagalumes. Ali, sob a sombra de uma árvore solitária, estava a mais bela flor que já vira em toda a minha vida. Aproximei-me com cuidado, talvez temendo despertá-la. Suas pétalas brancas eram como pequenas lágrimas de veludo, e a única mancha vermelha parecia um ornamento de rubi entalhado exclusivamente para aquela flor. Não havia perfume algum ao redor, mas apenas a sua imagem era suficiente para mesmerizar quem quer que a observasse. Abaixei-me ao seu lado, admirando-a em silêncio. Não sabia se teria coragem de movê-la dali. A paisagem que compunha parecia ter sido feita apenas para ela, apenas para realçar sua beleza.
- É ela! - Fui despertada de meu transe com violência. Uma voz grosseira cortou o silêncio de maneira súbita, fazendo meu coração disparar em um arranque dolorido. Levantei-me rapidamente, fitando a direção de onde vinha a voz. Ao longe, avistei dois homens correndo. Notei que um deles carregava uma espécie de lança, e o outro uma espada embainhada. Não eram de Grimmia, ou pelo menos não se pareciam com ninguém de lá. Minha respiração acelerou. Apontavam e gritavam para mim e, entre risos e sons guturais, não tive outra reação senão correr.
Corri como nunca corri em toda a minha vida. Levantei a saia com uma das mãos, deixando para trás o panfleto e a bolsa que carregava. Não podia arriscar perder tempo, aqueles homens se aproximavam mais a cada respiração que eu dava, e sabia que não seria seguro esperá-los para saber o que queriam.
- Belle! - A voz doce de minha mãe soou, mas não no seu tom habitual. Recheada de medo e desespero, avistei seu rosto distorcido de pavor. Gritei para que corresse, que era perigoso, mas ela continuava vindo na minha direção.
- Mãe...! Não! Corre! - Fiz todos os gestos possíveis e impossíveis para ver se ela entendia que não era seguro continuar, mas nada. Mamãe continuava correndo na minha direção, o vestido verde se agitando a cada passo dado. Olhei para trás. Cada vez mais perto, eu sabia que não daria tempo de chegar na cidade sem ser alcançada. Foi quando pisei em falso sobre uma fenda no chão e fui parar com o rosto apertado contra a grama seca. Nesse instante, ouvi algo passar por cima de minha cabeça. Ergui-me para continuar a corrida, mas, olhando mais uma vez para aqueles homens, notei que um deles não tinha mais a lança que carregava.
- Foi por pouco! - Ele gritou entre risos com seu companheiro. Meu coração parou. Mas não por medo, e sim por uma dor aguda que me cortava o peito. A cicatriz que eu carregava próxima ao pescoço latejou até o meio da barriga, trazendo-me a lembrança daquela última noite com meu irmão. Vi chamas. E uma labareda de sangue que agora jorrava do corpo de minha mãe. A lança acertara-lhe sem erro e agora ela jazia sobre os próprios joelhos. Arrastei-me em sua direção. Não ouvia nem via mais nada além daquele pesadelo que se repetia diante de meus olhos.
- Mãe... - Sussurrei pertinho. Mas não respondeu. Seus olhos vazios não refletiam mais nada. Em seu rosto, a dor transfigurava-se e se perdia aos poucos. Alisei seus cabelos negros. Com uma mão, arranquei a lança. O buraco deixado sangrava ininterruptamente. Com a palma da mão, tapei o ferimento. Mas o sangue continuava a vir. Meus olhos agora embaçavam-se com lágrimas quentes. - Mãe... - Sussurrei mais uma vez, abraçando seu corpo inerte. De longe, notei as vozes que se aproximavam.
- É ela mesmo. Veja bem os olhos. - Falou uma das vozes, já bem próxima de mim. - E o... laranja... erro. - Sua voz falhava em meus ouvidos. Ou talvez eram meus sentidos que iam, aos poucos, me abandonando. Senti quando puxou meu cabelo, mas, sem forças para reagir, apenas apertei o corpo frio com mais força. - Venha logo, seja boazinha! - Gritou, afastando-me de minha mãe. Fui jogada no chão e notei quando ela caiu ao meu lado, inerte. Fitei o homem nos olhos. Sem tempo para pensar, e tomada por uma fúria doentia, agarrei a lança e cravei-a em seu corpo. Esperei enquanto tentava reagir, mas, em um ataque instintivo, puxei e desferi outro golpe com a lança. E outro. E outro, Minha respiração oscilava. O grito de dor daquele homem não me impressionava. Outro golpe. Na verdade, queria que gritasse mais, mais, mais, até que me despertasse daquele horror em que caíra. O segundo homem me encarava atônito. Com lágrimas nos olhos, notei apenas o borrão que ele era sair correndo em direção à flor.
A flor.
Ela me despertaria daquele pesadelo. Ela era capaz de realizar qualquer desejo, não é mesmo? A flor, ela... ela estava ali, em minha mão esquerda. No susto, a arrancara sem perceber. Mas, em vez de branca, aveludada e pura, restava agora apenas um rubro pegajoso e doentio.
- Mãe... - Sussurrei uma última vez, mas ela não estava mais ali. - Você não realiza qualquer desejo? - Questionei, limpando o sangue que cobria a flor. Não voltaria a ser branca, nunca mais.
- Earlibelle!? - Uma voz masculina soou detrás de mim. Incapaz de pensar, responder ou sequer reagir, continuei ali, abraçada com o que um dia pertencera à minha mãe. - Earlibelle, o que houve aqui? Você está bem? - Incomodado com o silêncio, ele se afastou e foi conferir o homem que ainda agonizava com a lança em sua garganta. Voltou-se para mim, em um ar sério. - Vamos, precisamos levar sua mãe. - Levar para onde? Perguntei mentalmente. Não havia mais para onde levá-la. Ela já fora. E não havia nada que pudessem fazer. -Earlibelle. - Chamou mais uma vez.
- Sim. - Murmurei, ou foi o que acreditei ter murmurado. Compreendi então que se tratava do senhor Herbelian. Ergueu o corpo de minha mãe no colo e ofereceu-me a mão para que me levantasse. Sem força nas pernas, cambaleei até conseguir ficar de pé.
- O que aconteceu? - Perguntou. A voz fria. Sabia que se esforçava para não me assustar mais ainda. Mas eu apenas balancei a cabeça, ainda sem saber o que exatamente havia se passado. Seguimos em silêncio pela estrada de terra. Até que, parando na entrada de minha casa, abriu a porta para mim.
- Earlibelle? - A voz de Ngowe soou de dentro de casa. Com dificuldade para focar, apertei os olhos. Ele estava com Suhka, ambos encarando-me com um estupor indescritível. Herbelian entrou logo atrás de mim. Primeiro, um momento de silêncio. Segundo, Suhka começou a gritar, correndo em direção ao corpo de mamãe. Ngowe continuava a me encarar estupefato. Quis perguntar o que tanto olhava, mas ao passar por um espelho, fui capaz de entender. Minha saia azul havia sido tingida de um vermelho intenso. As mangas brancas translúcidas de minha blusa pingavam um sangue que teimava para coagular. Meus cabelos alaranjados estavam ensopados em vermelho vivo, e metade de meu rosto transfigurado por terra, sangue e grama. - O que... - Incapaz de formular o resto da pergunta, decidiu ficar em silêncio, observando.
- Assassina! - Fui golpeada com algum objeto que me acertou a nuca. Fraca, tropecei em minhas próprias pernas e caí de joelhos no chão de pedra. - Você matou a minha mãe! Você! Monstro! - A voz cortante de Suhka misturava-se à tentativa de Herbelian de desmentir a situação. - Você matou a minha mãe! Assim como matou o seu irmão! Seu monstro! Fora daqui! - Matei o meu irmão? Minha memória oscilou. Não... eu não matei ninguém... eu não...
- Eu matei. - Sussurrei, ainda de joelhos. Golpeada novamente, caí no chão, incapaz de me erguer.
- Saia daqui! Saia antes que eu acabe te matando! - Gritou, e ouvi mais objetos caírem ao meu redor.
Levantei-me, sem sentir muito bem as minhas pernas, e saí em disparada pela porta. Deixei que se movessem livremente. Diante de meus olhos, não havia nada. Borrões iluminados iam e viam à medida que eu corria. Logo a luz sumiu e, imersa em escuridão, dei-me conta do cansaço que sentia. Não havia mais força em mim, nem para andar, nem para pensar. E, envolta nas trevas da noite, deixei que meu corpo se rendesse ao leito sombrio da inércia.

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Autor(a): jfal279

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...O que é a mente se não um infindável depósito de memórias que se sobrepõe?


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