Quase não acreditei quando Any me pediu para levá-la ao meu apartamento. Depois de duas semanas respirando o mesmo ar que aquela sogra megera, digo, infeliz que eu arrumei, passar uma noite fora daquela casa, daquele silêncio sufocante, das carrancas de estranhos que não escondem seu desprezo, e mais, revelam com prazer que não nutrem por mim, se quer um pouco de respeito. Estar em casa, e com Any a tira-colo, era mais que especial. Eu sentia novamente o doce sabor da cumplicidade de estar a sós com a mulher da minha vida e eu sabia, mesmo que, apenas velando o sono dela, estaria feliz, realizada, completamente realizada.
Enquanto Any tomava banho, eu revirava a geladeira e os armários em busca de algo que ela pudesse comer. “Se eu soubesse que ela vinha para cá”, pensei, “ Teria passado no mercado... droga!”, disse verificando novamente a geladeira quase vazia.
Pus água para ferver... “Macarrão sempre tem!” Sorri apanhando também uma latinha de atum no armário. Estava abrindo a lata quando Any apareceu na cozinha embrulhada, sedutoramente, diga-se de passagem, em uma toalha. A pele úmida exalava o perfume do sabonete. Suspirei pensando no quão grande era o meu desejo por ela, e como estava sendo difícil todos aqueles dias sem poder tocá-la intimamente.
- Dul... – me chamou como se eu não tivesse notado a sua presença. Impossível, né?
- Oi linda... – girei a cabeça para encará-la, sem deixar de mexer o macarrão que já havia sido colocado na água fervente. Aquela água fervia como o meu corpo vendo-a tão provocante naquela toalha. Tentei desviar os pensamentos pecaminosos da minha cabeça - Vai se trocar, tô fazendo um macarrão rapidinho...
- Melhor não... – ela respondeu deixando a toalha escorregar lentamente e cair no chão – ... tô com fome de outra coisa que já foi incluída na minha dieta – disse enquanto caminhava na minha direção e, nua, encostava-se no meu corpo, aninhando-se e fazendo a minha face enrubescer e o meu corpo desfalecer de desejo.
- Amor... – tentei falar, mas ela laçou o meu pescoço com as mãos e selou os meus lábios com um beijo quente, úmido, provocador, o qual arrancou suspiros de nós duas. Era tanta saudade e medo dentro de mim. Any parecia um cristal, o qual eu temia quebrar.
- Sem medo de... ser feliz, Dul! - sussurrou me conduzindo até o quarto. Ela me despiu pelo caminho. Fiz menção de que acenderia a luz, mas ela apontou a janela aberta, era o começo da noite e a lua apontava lá fora, e deixava o ambiente com a iluminação perfeita para o amor. Abracei-a ainda mais forte. Nossas peles nuas se misturavam numa química perfeita, as pernas tremulavam, o suor começava a fazer com que nossas mãos deslizassem mais rápido pelos corpos famintos, incitados pela espera. Deitei-a na cama, ainda amedrontada, sem pressa me derramei sobre ela.
- Te machuca assim? – perguntei em seu ouvido, apoiando o peso do meu corpo nos cotovelos.
- Machuca de tesão – sussurrou de volta, enquanto suas mãos nas minhas nádegas me puxavam para cobri-la por inteira. Ofegante desvendei o seu corpo com minhas mãos, boca, dentes...
- Que saudade, amor! – falei enquanto beijava o seu pescoço fresco. Sentia o seu sexo deslizar no meu cada vez mais forte. Era uma loucura! Eu nem sabia se ela podia fazer tal esforço, mas a irracionalidade do desejo comprometia a nossa sensatez.
- Eu também senti saudades... muita... – falou desalinhando os meus cabelos com os dedos emaranhados por baixo deles, puxando-os com certa voracidade. Escalei seu corpo beijando cada milímetro de pele; contornei os seus seios com os lábios famintos, ela gemia e me atiçava cada vez mais. Desci pelo seu ventre tocando o sexo com as mãos, eu precisava senti-lo molhar os meus dedos, fazia tanto tempo... O desejo doía, nos atormentava para saciá-lo, era como se gritasse em nossos ouvidos... Mergulhei em seu sexo como quem encontra o oásis no deserto e aquele foi o gozo mais demorado de toda a minha vida.
Abraçadas na cama eu podia sentir as batidas do coração dela junto ao meu, mas...
- Amor...
- Oi, linda! – respondi doce como o gosto dela.
- Tá sentindo cheiro de queimado?
Respirei fundo, logo dei um salto da cama e corri até a cozinha. O nosso almoço-jantar estava perdido. Any veio logo atrás de mim, com as mãos na boca tentava segurar o riso enquanto eu jogava a panela condenada dentro da pia. Abri a torneira e deixei a água escorrer, afastei as janelas para a fumaça que se formou sair de dentro do apartamento.
- Nossos vizinhos vão chamar os bombeiros – disse retornando a sanidade – Tá vendo o que você me faz fazer? – falei com cara de brava, logo desliguei a torneira e a abracei – Me faz perder a cabeça, sua louca!
- Ah, é? Faço? – falou provocante.
- Faz... – beijei-a nos lábios e nós tornamos ao quarto.
Na manhã seguinte nós voltamos ao inferno, digo, à casa de Any. Minha sogra, pra variar estava com cara de enterro nos esperando com chicote nas mãos. A parte do chicote é mentira, mas a cara feia assustava, viu? Any soltou minha mão assim que entramos na sala.
- Devia estar repousando, minha filha. – falou áspera.
- Repousei muito bem, mãe! – disse do corredor – Vou trocar de roupa e já volto – completou antes de desaparecer das nossas vistas. Sentei-me no sofá...
- Acha que desta forma está ajudando-a? – falou me fitando de cima a baixo.
- Não fizemos nada que o médico não tenha permitido.
- Ela precisa descansar, sua... sua...
- A Any está se recuperando muito bem – disse e me levantei do sofá.
- Olha aqui sua... – segurou forte o meu braço, apertou...
- Tá louca, é?
- Eu não aguento mais ver você estragando a vida da minha filha, estou a ponto de... de...
- De quê? – puxei o braço das mãos dela – Fala! – desafiei, vendo o demônio através dos olhos daquela mulher.
- Se você não sair da vida da minha menina, eu juro que...
- Vai fazer o quê? – interrompi-a - A senhora está louca, é? Será que não vê que eu amo a sua filha e nada vai me fazer ficar longe dela? Será que todas as humilhações que eu passei aqui nessas duas semanas não foram suficiente para provar que eu a.m.o – frisei a palavra - ... a sua filha e não vou desistir dela? – falei alterada com lágrimas nos olhos, aquela era a gota d`água, eu não tinha forças para aguentar aquela mulher nem mais um dia – Eu aceitei todas as suas imposições... – comecei a enumerar nos dedos – Você e o seu marido me negaram comida, banho... até para eu tomar um copo de água nesta casa era difícil! – abri os braços indignada – A Any dormia e eu corria naquela padaria da esquina para comer um pão e às vezes, essa era a minha única refeição do dia... e eu... eu nunca me queixei! Nunca deixei sequer que a sua filha desconfiasse das crueldades que vocês faziam comigo porque eu não queria que ela se aborrecesse... Será que isso não é amor? Dá pra parar de me perseguir, pelo amor de Deus! – quando dei por mim, eu não conseguia mais parar de falar, nem de chorar...
- Mãe... – ouvi Any dizer atrás de mim. Me virei assustada enquanto sua face explodia de ira.