Fanfics Brasil - Capítulo 1 Coração de vidro

Fanfic: Coração de vidro | Tema: Amor, música, vida, dor, personagens originais


Capítulo: Capítulo 1

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Paraíso era uma cidadezinha bem pequena que, durante algumas semanas do ano, abrigava meus sonhos. Eu não consigo andar sem meus sonhos. Eles são como uma bagagem bagunçada que eu não posso guardar no fundo do armário e esquecer. E nem quero. Há cinco anos, meus amigos e eu passávamos, pelo menos, duas semanas das férias de verão em Paraíso. Era uma tradição que começou no nosso Ensino Médio. Estávamos todos muito sentimentais, pensando na vida de cada um na faculdade. Para onde iríamos? Quais cursos? Quais amizades ficariam? Viajamos juntos uma vez e, desde então, tem dado sempre certo. Nosso grupo se fragmentou um pouco quando terminamos o colégio, mas quem está imune a isso? A vida muda e estar em Paraíso todos os anos me faz perceber que escolhemos manter alguns laços, algumas tradições. Fico feliz por isso, pois mesmo que o ano todo tenha sido uma droga, a maioria de nós sempre estará esperando com um abraço e gostinho do passado em Paraíso.


Paraíso não tinha esse nome por acaso. Lá estavam algumas das praias mais bonitas que eu já tinha visto. Era como casa de avós, confortável, aconchegante e barrava os nossos problemas: nenhum deles entrava pela fronteira de Paraíso. A maioria das pessoas vinha das grandes cidades se refugiar ali e se deliciar com o barulho das ondas, com o por do sol e com o cheiro de tranquilidade que nos fazia respirar fundo várias vezes, como se fosse possível absorver a boa energia daquele lugar pelos pulmões.


Estacionar em frente à pousada de Dona Sueli já fazia o coração bater mais aliviado. Estávamos ali, estava tudo certo. Era como se entrar por aquelas portas duplas de madeira tornasse tudo realidade novamente. Era a hora de fechar um ciclo para começar outro. Eu estava pronta para reavaliar algumas coisas e, quem sabe, tentar fazer algo diferente. A maioria das pessoas usava a virada do ano para refletir e fazer seus planos, eu usava a viagem à Paraíso. Jamais inventariam um lugar melhor para eu me conectar comigo mesma.


Dona Sueli já estava acostumada com a turma, sabia os quartos que preferíamos e sempre preparava uma mesa enorme de café da manhã no dia da nossa chegada. Era só sentar à mesa, e lá estava todo o tipo de delícia que uma boa avó emprestada poderia fazer: rosquinhas, bolos, bolinhos, tortas, biscoitos. Não tínhamos o trabalho nem levar as malas para o quarto antes de atacar. Nos segundo ano em que estivemos ali a filha de Dona Sueli, uma bela moça de cabelos ruivos, estava prestes a dar à luz a gêmeos e agora, três anos depois, eles estavam crescidos e correndo pela casa. A casa parecia mesmo reunir uma família grande quando nós chegávamos. Ninguém diria que se tratava de uma pensão.


Esse ano, a estadia era de um mês. Embora a regra fosse sempre duas semanas, dessa vez conseguimos nos programar para um tempo maior, afinal, era o nosso aniversário de cinco anos de tradição. Minhas amigas de colégio mais próximas, Camila e Natália, vieram comigo de carro. Embora estivéssemos em caminhos totalmente diferentes na faculdade ainda morávamos na nossa cidade natal e nos encontrávamos com frequência. Isso não acontecia com todo mundo, já que alguns estavam cursando ou trabalhando em outros estados e não voltavam com frequência para a casa dos pais.


Depois de acomodados, era quase hora do almoço quando saímos para dar a primeira saudação para o mar. A pousada ficava bem perto da praia, era só atravessar uma rua larga e dar alguns passos em direção a areia e àquela água gelada que cobria nossos pés, indo e vindo, onda após onda. Além das garotas, Camila e Natália, esse ano a turma contava com quase quinze de meus amigos do colégio. Bruno, que agora estudava administração no sul do País, era o portador do violão e, a beira mar, nós fazíamos sempre o nosso show de músicas antigas. Ele tocava aquelas que mais lembravam nossos anos de colégio e conversas paralelas iam se formando, gente se reencontrando, matando a saudade, contando aquelas piadas antigas e rindo.  


Eu tinha, ainda, outra tradição. Essa era só minha. Sempre que eu sentia aquela areia fina sob meus pés eu sabia que precisava ficar sozinha. Eu nunca deixava passar: na primeira noite em Paraíso eu conversava comigo mesma da maneira mais sincera que eu conseguia. Era meu momento de autoconhecimento mais precioso. Isso não acontecia em casa, em outra cidade, outra viagem. Era só ali, eu precisava daquela energia. Era como se, não importasse o que tinha a confessar a mim mesma, eu estaria amparada. E, assim que consegui dar uma escapada, fui caminhando pela areia até me afastar da pousada. O momento sempre vinha a calhar, porque eu gostava de fugir quando percebia que o pessoal ia me pedir para cantar enquanto Bruno tocava o violão.


Havia uma pequena divisão de pedras entre duas praias, não era tão longe, caminhava por cerca de trinta minutos até chegar lá. Meu lugar preferido no mundo, a Praia dos Sonhos. Quase nunca via ninguém ali durante a noite, já que a maioria dos bares e a concentração de turistas ficavam para o outro lado da pousada. Tudo que havia de especial ali era puramente meu. Para os outros, era só mais uma praia, igual às demais. Caminhei um pouco próxima à água, molhando meus pés e olhando para o céu escuro e a lua. Deviam ser quase 21h00min, mas eu tinha o tempo que eu precisasse ter. Afastei-me um pouco da linha da água e me sentei na areia, trazendo os joelhos na altura do queixo e abraçando minhas pernas. Por eu começaria?


Esvaziando a mente, claro. Eu tinha aprendido algumas técnicas de relaxamento em umas atividades extra na faculdade e era hora de utilizá-las. Deixei as lembranças do dia e toda a agitação da chegada para trás. Eu sentia o ar invadir meus pulmões e o liberava devagar, com tranquilidade. O ar trazia consigo o cheiro do mar e eu o sentia como um abraço me envolvendo: as verdadeiras boas vindas.


O primeiro ponto que precisava da versão mais sincera de mim era a minha relação com a minha irmã. Estava se tornando impossível conviver com ela e no último ano não houve sequer uma semana que não brigássemos. Ela tinha apenas dezessete anos e eu, com vinte e um, deveria me comportar mais como uma adulta, mas ela me tirava do sério. Eu falhava tanto em me controlar como era boa em explodir com suas atitudes. No fundo, eu sabia que já não tinha mais idade para cair nas provocações dela, e por mais que meu coração estivesse dizendo que eu precisava de mais paciência eu, sinceramente, não sabia mais onde conseguir.


Está certo que toda relação entre irmãos deve ter seus problemas, mas a minha era inteiramente problemas. Pelo fato de ter uma irmã sempre achei que, depois de certa idade, compartilharíamos os mesmos interesses, as mesmas roupas. Ela nunca esteve nem perto de querer compartilhar nada comigo. Era mais nova, e era cruel. E, no último ano estava envolvendo nossos avós em sua teia: eu não conseguiria perdoar. Meus pensamentos voaram para várias das brigas mais feias que tivemos: eu dando-lhe uma bofetada na porta da sua escola, ela jogando meu notebook com os trabalhos da faculdade na piscina. Sua perícia em enganar nossos pais e me fazer parecer a quase adulta com comportamento de criança. Eu sentia que tinha que fazer alguma coisa, mas estava falhando nas minhas ações. Como descobrir se alguma coisa dentro dela ficaria realmente sensibilizada com a doença do vovô?  – abri meus olhos e encarei a lua. Eu precisava entender isso antes de conversar com mais alguém. Não aguentava mais ouvir “brigas entre irmãos são comuns mesmo”. Era mais sério que isso.


- Com licença, a senhorita não pode permanecer aqui. – escutei uma voz séria que quebrou por completo meu devaneio e me trouxe à realidade. Fiquei imóvel por um segundo, recuperando-me do susto daquela abordagem inesperada e imaginado que o homem parado ao meu lado devia ter pensado que eu era uma estátua.


Segundos depois, processei essa aproximação – que não deveria estar quebrando meu ritual – e me virei para o homem, fingindo que não tinha escutado o que ele havia dito.


- Pois não? O senhor está perdido? – perguntei, colocando-me de pé e sacudindo a areia dos meus shorts. Ele não parecia perdido. Usava um uniforme composto por calça jeans azul, uma camisa branca e sapatos. Eu não sabia de onde era a logomarca bordada em seu bolso.


- A senhorita precisa deixar esse local. Só é permitida a visitação para além daqueles cones. – ele apontou uma sequencia de cones espaçados, bem antes do paredão de pedras que, por algum motivo, eu nem tinha notado. Não eram muitos e eu estava distraída quando passei. Eles estavam longe, eu via pequenos traços alaranjados, bem antes da entrada da Praia dos Sonhos.


- Eu poderia saber o motivo? Essa é uma praia como qualquer outra e eu... – comecei a argumentar quando ele me interrompeu.


- E você, certamente, não leu o aviso junto com os cones que ultrapassou. – revirei os olhos para ele. Que diabos? – O acesso dos banhistas a essa praia esta restrito para algumas pesquisas. Temos uma equipe trabalhando aqui.


Olhei ao redor. A menos que a equipe dele fosse feita de grãos de areia, eu diria que trabalho não era muito o forte deles a essa hora da noite. E eu não tinha a menor intenção de me banhar ali. Estar sentada em um pedaço mínimo de areia era algum tipo de crime agora?


- Meu senhor, eu não vou me banhar aqui. Prometo que, quando decidir fazê-lo, eu estarei em um lugar permitido e durante o dia. – acrescentei um sorriso forçado, demonstrando a minha irritação.


- Perfeitamente, senhorita, mas não pode ficar. – repetiu ele. Eu conseguia perceber, por sua postura, que essa discussão não acabaria tão cedo. Enchi meus pulmões de ar, pronta para rebater. Eu mal tinha chegado e era a minha tradição-só-minha-no-mundo.


Antes que eu pudesse falar, outra voz se aproximava pelas minhas costas, outro homem.


- Senhor Mathias – um rapaz se aproximou e me virei para encará-lo. Gente demais no meu espaço – Está tudo bem, ela está comigo. – falou, casualmente, cumprimentando o homem de uniforme com um aperto de mãos enquanto deslizava a outra para o bolso de sua bermuda e se colocava entre nós.


- Com o senhor? – desconfiou o homem. Sua desconfiança também me fez perceber que estava havendo um engano. Eu só queria ficar sozinha, era tão difícil assim?


Antes que eu pudesse organizar as minhas ideias e falar, o rapaz abriu a boca novamente.


- Isso, é a nova estagiária. – ele passou o braço pelo homem, abraçando-o de lado, ficando diretamente de frente para mim. Lançou-me uma ligeira piscadinha com o olho direito – Marquei com ela agora para repassar algumas coisas básicas para amanhã, o senhor sabe como é, durante o dia as coisas estão apertadas para esse tipo de reunião.


Reparei nele enquanto ele falava: cabelos caídos moldando rosto, formando alguns cachos, em um tom de loiro escuro. A mão que estava em seu bolso passou por sua testa, afastando algumas mechas que estavam caídas ali enquanto ele falava. Estava usando uma bermuda e uma regata branca, além de estar descalço, o que dizia claramente que ele era um surfista. Devia ter uns vinte e poucos anos, não muito mais. E podia ficar na minha praia – apertei meus olhos para eles ao constatar isso.


- Está tudo bem então, filho. – o homem concordou, apertando a mão dele – Mas estarei de olho, você sabe como é. Regras são regras. Nada de bagunça.


Que mania desse homem em achar que eu era uma bagunceira. Quando percebi que aquele rapaz estava me confundindo com outra pessoa, chutei discretamente um pouco de areia: cadê a privacidade no meu lugar? Nunca, em cinco anos, ninguém havia aparecido ali naquele horário: era estratégico.


- Ela não tem mesmo cara de quem faz muita bagunça, não é? Só ficou sozinha porque, adivinha só, me enrolei com o macarrão de novo. Por falar nisso, me desculpe. – Essa ultima frase era direcionada a mim e eu me vi concordando com a cabeça sem saber o motivo. Eu não era essa estagiária. Talvez eu só tenha achado de bom tom não agir como uma estátua novamente.


Observando o homem se afastar, tentei organizar o que eu ia dizer: em primeiro lugar, eu não era nenhuma estagiária e, se ele não sabia nada sobre macarrão, a moça que ele esperava não sabia nada sobre horários. E eu também não ia me desculpar e nem sair dali. Minha mente funcionava, mas eu não conseguia dizer nada. O silêncio estava começando a ser constrangedor, então eu deveria perguntar quem era ele, certo?


- Daniel. – ele disse, olhando fixamente para mim antes que eu verbalizasse a pergunta. Porque ele estava lendo a minha mente? – Mesmo que não tenha perguntado, meu nome é Daniel.


Meu raciocínio era realmente muito mais rápido do que estava parecia naquele momento. Talvez por eu ainda estar concentrada em uma parte das minhas reflexões antes da primeira interrupção. Finalmente, consegui respirar e formar uma frase:


- Quem é você? – falei.


- Daniel. Já disse. – ele ficou olhando para o mar e passou a mão pelos seus cabelos novamente.


- Não. Eu quero dizer, o que é você? Por que aquele homem te escutou, quando nem sequer me deixou falar? Eu não sou a sua estagiária, você está me confundindo, desculpa. – emendei todas as perguntas, respirando no final, olhando para ele que voltou a fixar o olhar em mim com um sorriso lateral jogado no rosto.


- Ei, calma. Não precisa se desculpar. Eu sei que você não é a estagiária. – o olhar dele era forte, mas tinha um sorriso dissolvido em sua voz, eu não sabia exatamente que imagem ele queria passar: era descontraído? Sério? Estava brincando com a minha cara?


- Sabe?


- Sei. Não tem uma estagiária, na verdade. – ele deu de ombros.


- Mas então... – eu estava entendendo. Por algum motivo ele estava me ajudando?


- Aquele homem é um segurança. Eu estava observando vocês lá de trás e ele ia te tirar daqui a colo em questão de minutos. Você não tinha nenhuma chance.


- E você interferiu porque... – comecei, olhando para meus próprios pés, esperando que ele completasse.


- Porque trabalho aqui. – ele falou naturalmente e eu não pude conter uma risada.


- O que é? – ele perguntou, fixando seus olhos nos meus dedos, que enrolavam insistentemente uma mecha do meu cabelo na lateral.


- Achei que você fosse um surfista e que ele poderia se preocupar com você e me deixar em paz – respondi, sem editar meus pensamentos. Eu estava rindo exatamente por isso. Esse cara podia ser tudo, mas não parecia pesquisador de nada.


- Bom, eu sou. Mas não aqui. Aqui eu sou um pesquisador. – ele apertou os olhos para mim, quando tentei conter uma nova risada forçando meus lábios.


- De qualquer maneira, obrigada. – mudei o assunto.


- Tudo bem. A proibição é, na verdade, para evitar festas por aqui e qualquer coisa que possam atrapalhar os trabalhos. Você sozinha não é uma ameaça.


Quando ele mencionou “eu” e “sozinha” na mesma frase foi inevitável não sentir uma pontinha de esperança de poder voltar ao meu ritual, depois disso tudo. Tão rápido quanto nasceu, a esperança acabou quando ele se sentou na areia, acenando com a cabeça para que eu fizesse o mesmo.


 Respirei fundo e me abaixei, cruzando minhas pernas à minha frente. Ok, eu já havia agradecido a ajuda. Precisava encontrar um jeito de manda-lo embora também.


- Você disse que estava observando de longe... Por acaso eu estava sendo espionada? – perguntei. Eu estava grata por ele estar olhando para frente, pois minhas bochechas ficaram vermelhas por essa ideia constrangedora.


Ele passou a mão pelos cabelos, porém, dessa vez, não estava afastando-os do rosto. Passou a mão bagunçando os fios atrás, na nuca. Alguns cachos tocavam o seu pescoço. Eu olhava para esses cachos e sua imagem ficava ainda mais distante da de um pesquisador na minha cabeça.


- Eu que devo pedir desculpas, agora. – ele riu. Virei minha cabeça para olhá-lo de perfil e reparei no contorno de seu rosto, levemente quadrado, e o sinal no ângulo de sua mandíbula de que ele estava apertando um dente no outro – É que eu também faço isso, às vezes.


- Espionagem? – perguntei com um leve tom de ironia.


- Não exatamente. – ele olhou para mim sem se virar totalmente, apenas pelo canto dos olhos, arqueando suas sobrancelhas – Isso de ficar sentado na praia sozinho, martelando qualquer coisa dentro da cabeça. – ele voltou a encarar o mar a sua frente – Te vi aqui sozinha e decidi ficar um pouco longe, lá atrás. Até que vi também o Senhor Mathias passar e dei um tempo para ver se ele ia mesmo te mandar embora ou se te deixaria ficar porque é uma garota.


Revirei os olhos, apertando um pouco de areia entre os dedos. Descruzei as pernas e as estiquei a minha frente, inclinando meus braços para trás e me apoiando. Agora eu podia ver as costas dele, que ainda estava abraçando os próprios joelhos a minha frente.


- Parece que alguém leva o trabalho a sério por aqui. – falei brincando. Ele só conseguiria ouvir que eu estava rindo, pois não via meu rosto.


Ele se virou, apoiando-se na sua perna que estava ao meu lado – Está, por acaso, insinuando que eu não levo o meu trabalho a sério? – ele me metralhou com os olhos. Encarou os meus e não tinha nenhuma expressão de diversão ou de que estava brincando.


- Não. Desculpa, eu não quis dizer isso. – levantei-me da minha posição confortável rapidamente e cruzei as pernas novamente. Movi minhas mãos em um sinal defensivo antes de passa-las nos meus cabelos, constrangida. – Era só uma brincadeira, por favor, desculpa.


Agora ele soltou seu corpo e se deitou de costas na areia, apoiando a cabeça com as mãos e começou a rir. Gargalhava, contemplando minhas costas e percebendo o momento em que escondi meu rosto com as mãos de maneira envergonhada, mesmo que ele não pudesse vê-lo daquela posição.


- Era só uma brincadeira também. – ele ainda ria entre as palavras.


Olhei para ele apertando os olhos e tombando minha cabeça, reprimindo-o. Não adiantou, ele continuou rindo até que sobrou só um grande sorriso em seu rosto. Ele parecia confortável deitado ali.


- De qualquer maneira, obrigada. – voltei a olhar para frente, deixando que ele olhasse meus cabelos caindo pelas minhas costas.


Os segundos que se passaram se tornaram um interminável silêncio constrangedor. Eu sentia que os olhos dele estavam cravados nas minhas costas, mas não sabia o que dizer. Eu já tinha agradecido e só queria retomar minha autorreflexão, mas era impossível com ele ali, me olhando.


- Você não falou o seu nome. – ele quebrou o silêncio.


- Luciana. Desculpa.


- Você só sabe pedir desculpas.


- Desculpa. – ri ao perceber que eu tinha falado novamente e ele também riu.


- Atrapalhei você, não é? – ele se levantou, sentando-se a meu lado novamente, virando a cabeça para me olhar.


- Não. Imagina, eu estava sendo expulsa. Na verdade, eu só venho aqui pra pensar mesmo, nas coisas, na vida. É como a minha resolução de ano novo. – expliquei.


- Só que um mês antes do ano novo.


- É. – eu ri – Prefiro fazer isso aqui e só estou por aqui nessa época do ano.


- Eu posso ficar quietinho, como eu estava lá atrás sem você saber. Só que dessa vez aqui, pra garantir a sua permanência. – ele voltou a se deitar, se sentindo confortável, apoiando a cabeça sobre suas mãos e dobrando os joelhos.


- Tudo bem. – concordei por impulso e depois percebi que concordar com aquilo era absurdo. Primeiro porque ele olhando para as minhas costas me incomodava. Eu sentia os olhos dele em mim, mesmo que ele estivesse olhando para a lua.


Sentindo-me sem jeito e totalmente constrangida, deitei-me também, com a mesma postura que ele. Talvez, se ele não tivesse toda essa visão privilegiada de mim enquanto eu não podia ver mais que seus joelhos minha cabeça funcionasse melhor. Senti a areia fria nas minhas costas e afastei meu cabelo, enrolando-o e apoiando a cabeça nas mãos. Fiquei em silêncio e tentei parar de pensar sobre a minha postura, encontrando o ponto no qual eu estava antes de ser interrompida. Sem sucesso, tudo que martelava minha mente eram os minutos anteriores e aquele estranho deitado ao meu lado.


De repente, ele começou a assobiar. O toque de uma música que eu conhecia bem. Uma canção de The Beatles, banda que estava entre as minhas favoritas. Lucy in The Sky With Diamonds. Eu tentara aprender a assobiar quando mais nova, mas nunca consegui. Ele conseguia copiar o ritmo da música com perfeição. Sorri, mas não para que ele pudesse perceber.


O tempo se arrastou e eu já não sabia quantos minutos tinham se passado desde que o silêncio se instalou ali. Esse momento entraria, com certeza, para a lista de momentos mais constrangedores da minha vida. Uma vontade súbita de olhar discretamente para ele me preencheu. Para onde ele estaria olhando? Para a lua? No que ele estava pensando? Só eu era incapaz de me concentrar nos meus pensamentos e ele estava totalmente envolvido nos seus? Se eu o observasse eu teria a resposta a essas perguntas? Movi minha cabeça de lado lentamente, o mínimo para que eu pudesse olha-lo, e fixei meus olhos primeiro em seu peito, coberto pela regata. Subi até seu queixo e logo parei em seu rosto. O vento tinha soprado algumas mechas de seu cabelo que estava bagunçado. Quando parei meus olhos nos seus, ele estava me olhando fixamente também. Sustentei o olhar por um segundo, mas eu sentia minhas bochechas queimarem. Eu era tão branca, elas sempre ficavam tão coradas. Eu tinha certeza que agora não estariam diferentes. Virei-me de volta imediatamente, na infeliz tentativa de ser sutil, mas acabei fazendo um gesto grotesco com a cabeça.


- Isso não está funcionando, não é? – perguntou ele.


- Desculpa.


- Pare de me pedir desculpas.


Respirei fundo e não me desculpei novamente.


- No que você estava pensando antes de ser interrompida? – ele me perguntou. Não parecia curioso ou interessado em se meter. Parecia apenas querer manter um diálogo normal.


- Na minha irmã. Na minha família como um todo. Nós temos alguns problemas sérios. – respondi, suspirando sinceramente.


- Famílias...


- É. Se não fossem complicadas, não seriam famílias. Você tem irmãos? – perguntei.


- Não, mas tenho uma amiga que é como se fosse minha irmã, inclusive, sou meio filho dos pais dela. – eu estava olhando para ele agora, com minha cabeça virada para ele.


- Como é ser meio filho dos pais de alguém? – eu perguntei.


- Sabe quando você vai à casa dos seus amigos e chama os pais dele de tios? Eu chamo de mãe ou pai, emprestados. – explicou ele.


Não fazia muito sentido na minha cabeça, mas talvez fizesse na história dele. Eu não queria perguntar muito e me meter demais. Eu sempre odiei me meter na vida dos outros e já estava contente com o que ele queria compartilhar.


- O que você faz da vida? – ele mudou de assunto.


- Curso economia.


- Hm. Mulher de negócios. – ele sorriu.


- Pelo menos você não disse que isso é coisa de homens. – agradeci, trocando de posição. Deitei-me de bruços agora, apoiando-me nos meus cotovelos. Era mais fácil olhar para ele assim e, se íamos conversar, eu gostaria de poder olhar para seu rosto. Meu cabelo se soltou e caiu uma mecha sobre meu rosto. Coloquei o cabelo atrás da orelha de um lado e deixei que caísse pelo outro, sem que prejudicasse minha visão.


- Eu pareço machista? – ele perguntou, encarando-me.


- Como eu saberia? – continuei encarando-o. Minhas bochechas vermelhas não mudariam mais de cor mesmo. Eu esperava que a fraca iluminação da lua não deixasse isso tão óbvio.


Conversamos por mais algum tempo sobre assuntos diversos. Ele me explicou a sua pesquisa e se interessou pelos motivos por eu ter escolhido economia. Não falamos mais sobre nossas famílias. Tagarelei durante vários minutos sobre como ele deveria cuidar bem das praias de Paraíso, porque eram as mais bonitas do mundo e ele compartilhou outros lugares que já tinha conhecido a trabalho. Por alguns momentos senti inveja de não estar cursando Biologia. Rimos bastante quando chegamos ao ponto de contar alguns micos em viagens. Contei sobre quando atravessei um aeroporto correndo e quebrei o salto. Ele me contou sobre quando foi acampar, confiando que seu amigo levaria uma barraca decente, que encarasse lama e chuva, e ele levou a pior barraca do mundo.


- Você não devia andar sozinha por aí durante a noite. – ele falou, segundos depois.


- Nada de ruim acontece em Paraíso. – respondi.


- Mesmo assim. Na verdade, eu nem sei que horas são. – ele se sentou, passando as mãos pelos cabelos já bagunçados. Depois se colocou de pé e se alongou – Não tenho relógio.  


- Nem eu. – lamentei. – Mas então, eu preciso ir. – eu estava me colocando de pé, quando ele me ofereceu sua mão. Segurei, naturalmente, e me levantei, batendo as mãos pelos meus shorts para tirar o excesso de areia.


- Eu acompanho você. Vamos supor que está muito tarde. – ele falou.


- Não precisa se incomodar. Acho que já fui incômodo o suficiente. Além do mais, não é tão perto assim.


- Não é tão perto quanto? – ele apertou os olhos para mim.


- Uma leve caminhada de, hm, trinta minutos. – respondi olhando para meus próprios pés e enrolando uma mecha de cabelo entre meus dedos – Não precisa se incomodar, mesmo.


- Você anda muito, menina. – ele riu e já começou a caminhar na minha frente para que eu o seguisse.


- Você acha que eu não sei me defender sozinha, então? – usei um tom provocativo de brincadeira. Eu me sentia estranhamente familiar depois de termos conversado tanto.


- Não, mas talvez eu ache que você tem um bom papo. – ele sorriu, me deixando passar na frente para mostrar o caminho.


Logo ele me alcançou e fomos caminhando lado a lado pela beira da praia. Voltamos ao ponto da conversa em que tínhamos parado e começamos a falar dos nossos amigos. Ele me contou que não tinha muitos amigos, pois já tinha morado em diversos lugares e alguns se perderam no meio de tudo isso. Eu contei sobre como encontrava meus amigos mais antigos pelo menos uma vez por ano, há cinco anos.


- Isso é muito legal, Lucy! – ele exclamou surpreso com o fato de como fazíamos isso dar certo.


Parei por alguns segundos para perceber que ele havia me chamado de Lucy. Lembrei-me dos segundos que ele ficou assobiando a canção e, incrivelmente, eu gostava. Eu não era muito chegada a apelidos. Todos os meus amigos reduziam meu nome apenas para “Lu” sem me consultar, mas Lucy, com aquele ritmo assobiado anteriormente ainda em meus ouvidos, foi uma combinação que me surpreendeu.


Indiquei a entrada da pousada, já estávamos quase em frente. O tempo havia passado muito rápido, foram trinta minutos velozes. Paramos um pouco antes e o silêncio voltou a se instalar ali.


- Então, obrigada. Mesmo. E me desculpe por qualquer coisa que...


- Você não para, não é mesmo? – ele me interrompeu e eu o olhei com uma expressão desentendida – De pedir desculpas.


Movi levemente meus ombros para cima, evitando pedir desculpas novamente.


Ele não se moveu, apenas ficou me encarando com um olhar forte. Na iluminação da rua próxima a pousada, eu conseguia enxergar melhor. Seus olhos eram de um castanho claro, quase cor de mel, e ele não parecia se constranger por ficar me encarando. Segurei o olhar o máximo que pude, mas eu, inevitavelmente, ficava envergonhada e vermelha com facilidade.


- Então, até mais. – estendi minha mão, para me despedir dele. Tomei essa decisão depois de considerar qual seria a maneira mais apropriada de despedida: um aperto de mão, um abraço ou os tradicionais dois beijinhos no rosto que eu dava nos meus amigos? Por fim, decidi pelo primeiro.


- Talvez amanhã você queira... – ele começou a falar enquanto apertava a minha mão, mas parou. Sem nenhuma palavra, senti-o segurar minha mão de um jeito firme, como se quisesse massageá-la.


O que ele fez em seguida foi uma grande surpresa. Aproveitou o aperto de mão firme e me puxou para bem perto dele. Ele era um pouco mais alto que eu. Nossos corpos estavam quase colados, nossas mãos ainda unidas, e eu podia sentir seu cheiro perfeitamente. Era bom. Continuei concentrando-me na minha respiração, mas era difícil quando eu sentia a respiração dele tão perto. Ele aproximou seus lábios dos meus, de modo a deixa-los quase colados. Quase. Uma fina camada de ar estava entre eles e eu praticamente podia senti-los. Ele ficou assim por alguns segundos, ainda segurando a minha mão. Imaginei que esses segundos eram para auxiliar meu raciocínio. Eu poderia me afastar se quisesse. Só que eu não queria.


- Tenho que ter algo pelo qual me desculpar também. – falou sem se afastar, escondendo um sorriso. Tão perto. Seu hálito. Tão... Tão...


Quando ele finalmente tocou meus lábios com os seus, meus olhos se fecharam e senti minhas pernas bambearem. Nossas mãos se soltaram e as minhas foram se apoiar nos seus braços, sentindo seus bíceps fortes e firmes. As mãos dele se posicionaram na minha cintura, uma de cada lado. Seu beijo era suave e conforme eu abria meus lábios ia sentindo sua língua encontrar a minha, ambas se conhecendo. Sem pressa, um beijo tranquilo.


Não sei ao certo por quanto tempo exploramos nossas bocas, mas assim que nos afastamos senti minhas bochechas arderem. Eu devia estar ridícula e não sabia o que fazer agora. Arrisquei levantar meus olhos para o rosto dele, que escondia um sorriso.


Suavemente ele pousou outro beijo sobre meus lábios, apenas um estalinho, antes de se virar para ir embora.


- Desculpa! – a última coisa que disse, e não olhou a olhar para trás. Fiquei olhando-o caminhar de volta por uns instantes antes de, finalmente, abrir a porta e entrar em casa. 


 




Espero que gostem do primeiro capítulo! Deixem suas opiniões e sugestões. Ah, e divulguem para os amigos! :D 


Um beijo. 



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Autor(a): karla_ntp

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