Fanfic: As Encantadoras
Fase 2: O labirinto rubro.
As terras de Gandânea ficavam suspensas milhares de pés acima das terras do mar. O deserto que cercava Gandânea era tão extenso e inóspito que quando seus habitantes precisavam descer, eles caíam por um buraco no centro do Reino. Era a mesma cratera que escoava as águas frias das montanhas de Gandânea, tão gigantescas e mágicas que roubavam a água das nuvens. Por onde as terras suspensas viajavam, suas águas misteriosas eram despejadas pela cratera no centro. Chovia por onde Gandânea passava.
Ao Norte de Gandânea ficava o castelo de pedra do Reino, ocupando mais de duzentos quilômetros quadrados em uma área que acabou se tornando a vila principal, de grandes negócios. Uma maravilha encantada criou túneis mágicos que cruzavam todo o Reino em direção ao castelo. A cada passo dado dentro dos túneis, mais de quinhentos metros eram percorridos. Esses túneis, sinalizados por poços vermelhos, eram o melhor caminho de alcançar as muralhas distantes do castelo.
A parte mais gelada de Gandânea era ao Sul. Lá, o calor da magia não surtia o mesmo efeito que nas outras partes e acabou se tornando refúgio de malfeitores com medo das Encantadoras. Poucas vilas ainda resistiam no sul; a maioria era completamente sustentada pelo Rei que gostava de treinar seus soldados no frio e recebia abrigo quando suas tropas chegavam.
A parte mais cheia de magia nas terras suspensas ficava a oeste. Cavernas, montanhas, florestas e o deserto mais traiçoeiro. O oeste abrigava a maioria das maravilhas já encantadas.
Os campos do leste eram importantes, pois forneciam o alimento do Reino. Sua terra fofa era fértil e sustentava vários mercados da economia. Das flores ao gado. Foi em um dos campos do Leste que Melina se tornou a nova Encantadora. Ela recebeu os ensinamentos de Maíla e aprendeu facilmente os segredos do Dom. Os elementos da natureza eram parte dela, assim como o poder da criação. Melina protegeu Gandânea por sete anos e encantou maravilhas de Guerreiros que entraram para as histórias dos jogos mágicos. As terras nunca foram tão pacíficas e cheias de vida.
As partes da Lua voltaram a se aproximar, no mesmo dia que Melina foi pedida em casamento por seu noivo Edmond, o maior fornecedor de ferro do Rei. A Encantadora disse sim e Ermes fez chuva colorida cair sobre o lago que admiravam. Enquanto a Princesa Melina comemorava seu noivado, Ricca não conseguia se entender com seu namorado e não disfarçava sua preocupação com o encontro de Ignos e Tário. Logo, a magia iria mudar de mãos; para longe dela.
Melina e Ricca, mesmo com vinte e um anos de idade, continuavam se encontrando na casa da árvore secreta. A casa com três cômodos foi presente da Rainha e Maíla a encantou deixando suas paredes invisíveis para quem não sabia as palavras chaves.
_ A magia sempre deixa um pedaço dela nas Encantadoras. E eu? - Ricca afundava o rosto em uma almofada. - _O que vai ser de mim? Eu preciso de Ermes para costurar. O pouco de magia que vai sobrar pra você não vai dar pra nós duas. Essa é a verdade.
_Você sempre soube que esse dia ia chegar. Nenhuma mulher se torna Encantadora para sempre. Em breve eu terei que esvaziar o Ermes. Eu posso te ajudar com a costura. Sua mãe ia adorar.
Ao invés de rir, Rica abriu os braços para o pássaro fofo que pousou em seu colo e chorou. As amigas inseparáveis cresceram belas e saudáveis. Melina ficou um pouco mais alta e esbelta, mas Ricca tinha os olhos mais fascinantes que os soldados do castelo já paqueraram.
Edmond e Loui podiam se gabar por terem conquistado as preciosidades do Reino de Gandânea. Loui era um bravo domador de feras desconhecidas e, apesar dos talentos que a profissão exigia, não foi o suficiente para conquistar o coração arisco de Ricca. Melina já estava noiva e Ricca não parava de brigar com o forte domador.
A casa secreta da árvore era o melhor lugar para as amigas conversarem sobre seus sentimentos e fofocar descontroladamente. Melina abriu uma das janelas e esticou o corpo pra fora casa mágica. O vento forte soprava eucalipto além dos rios e deixava o início de tarde mais fresco. Ricca levantou do sofá.
_Se você cai daí de cima o tombo é mortal.
_Não se preocupe. – Melina puxou um pedaço torto de madeira e o sacudiu rapidamente no ar. - _Isso que eu estou fazendo é completamente fora das regras da magia.
O galho estalou e rodopiou no ar antes de levitar na direção de Ricca. Ele estava polido e exalava um cheiro rústico. Ricca pegou o galho encantado.
_Uma varinha mágica? Você não sabe quanto tempo eu espero por um presente desses. Não vou mais precisar chamar o Erminho toda vez que... – O pássaro deu dois pios fracos e voou pra fora da casa. - _Olha o sentimentalismo, Erminho. Você sabe que eu não gosto.
_Esta é sim uma varinha mágica. – Maíla explicou com cuidado. - _Mas ela só realiza pequenos desejos, como costurar e algumas magias simples... Assim você pode manter seu trabalho no castelo e continuar sempre perto de mim. É o máximo que eu posso fazer, amiga. E ninguém pode saber que você tem esse privilégio.
Ricca precisou rasgar um sorriso em seu rosto e sentiu dor para disfarçar a decepção. Ela abraçou Melina com força e agradeceu. _Quem eu seria sem você? Você é a melhor Encantadora que já existiu. Agora posso continuar a ser costureira.
Ricca imaginou o quanto de pouca magia aquele galho podia fazer. Ela iria usá-lo muito. As amigas inseparáveis se debruçaram na janela para observar o cair do sol e tomar suco de frutas cítricas. Quando os pedaços da lua brilharam alaranjados, Ricca se assustou com a proximidade das partes. Ignos e Tário estavam se reencontrando para mudar tudo outra vez.
O casamento entre a Princesa Melina e o nobre Edmond tinha ótimos motivos para ser comentado e celebrado por toda a terra suspensa. O Rei e a Rainha de Gandânea voltavam depois de duas estações de ausência. Gandânea tinha duas estações no ano: A estação da beleza era a mais fria, relacionada a Ignos. A estação da inovação era mais quente, lembrava Tário e sua magia transformadora.
O casal Real partiu de Gandânea para realizar trabalhos diplomáticos entre povos das terras do mar. Nem todas as terras eram banhadas por magia, mas todas tinham mistérios e perigos que transformavam qualquer viagem em um evento. A boa notícia era o retorno. Motivo para um evento maior ainda. O Rei Rembrante e a Rainha Isabella retornaram ao meio dia, acompanhados por Ohana, a Encantadora mais velha que caminhava entre os vivos.
Ohana ficou conhecida, muitas décadas atrás, por descobrir a energia inversa. Essa energia era um segredo dos feiticeiros da linhagem direta de Ignos ou Tário. A descoberta da Encantadora Ohana entrou para a lista de leis da magia. “A energia inversa se alimenta de sentimentos perversos e vazios. Essa energia é capaz de atrasar ou inverter o encontro da Lua. No segundo caso, as consequências seriam desastrosas, portanto fica implícito que a obrigação da guardiã da Magia (A Encantadora por direito.) é zelar para que haja felicidade num fluxo infinito através de seus atos além de proteger o poder da transformação.”
Os feiticeiros antigos mantinham a energia inversa em segredo, pois assim eles poderiam detectá-la e agir por conta própria sem que as Encantadoras soubessem. A lei de Ohana mudou tudo e deixou o papel de Encantadora mais importante para o Reino. Outro bom motivo para eternizar o casamento de Melina na história de Gandânea era a exposição dos Guerreiros do Dom. A Encantadora Princesa marcou a exposição no mesmo dia em que nomearia a nova Encantadora e se tornaria uma mulher casada. Assim como sua antecessora Maíla, a noiva não planejava deixar as terras suspensas. Melina amava cada pedaço de Gandânea e as maravilhas que moravam nela.
“Atenção povo de Gandânea!”
Milhares de famílias estavam reunidas de frente para a pedra do amor. A rocha gigantesca era uma montanha partida. Suas fissuras desenhavam dois rostos se beijando. Todas as uniões amorosas de Gandânea começavam naquela rocha. O casal lapidava seus nomes e a data do ocorrido. Se a luz da Lua caísse sobre a montanha na noite seguinte, os apaixonados podiam comemorar uma longa e feliz história de amor. Quando a montanha ficava muito tempo sem receber aquele brilho, era certo que as energias inversas teriam espaço para crescer: Histórias de amor terminavam com rancor e dor.
Um homem gritava de cima do pequeno palco instalado de frente para a pedra do amor.
“Atenção! Hoje celebraremos a exposição dos Guerreiros do Dom. Nós temos grandes candidatos. Também é motivo de felicidade o retorno do Rei e da Rainha, protegidos pela lendária Encantadora Ohana. Olhem também para essas pequenas sortudas aqui perto do palco. Ignos e Tário irão se unir em instantes; uma nova Encantadora será nomeada dentre oitenta meninas sorridentes. E claro, hoje nós vamos celebrar o amor do casal que um dia irá reinar sobre nós: Melina e Edmond!”
Ricca sempre se lamentava por não saber fazer nada, mas ela era uma incrível artista. O vestido da noiva, por exemplo, foi costurado com o encantamento do galho, mas seu desenho foi criado por Ricca. Melina era a única que sabia dos quadros que Ricca pintava e nunca conseguiu encorajá-la o suficiente para levar o seu sonho adiante.
“_Eu vou fazer o que minha mãe me condenou a fazer! Que chances eu teria como Guerreira? Quem iria levar meus quadros a sério? Você não conta, você é minha melhor amiga.”
Ricca sempre tinha uma postura pessimista quando Melina pedia que ela pintasse alguma nova maravilha. Se o trabalho de Ricca como pintora fosse reconhecido pelo Reino, talvez seu coração se aquietasse um pouco. Mas suas obras sempre acabavam nas paredes da casa na árvore e nunca além de lá. O vestido de noiva foi sua primeira criação a ser exposta em público e as pessoas apenas lhe elogiavam pela costura impecável. Era Ricca quem precisava surpreendê-los com a novidade.
_Eu também desenhei o vestido. Foi criação minha.
Nem uma só pessoa deixou de se maravilhar com a beleza de Melina quando ela desceu do balão com asas e caminhou na direção de Edmond. Suspiros a acompanharam junto com a sinfonia dos melhores músicos do Reino.
Os noivos trocaram juras de amor enquanto Ermes escrevia seus nomes dando bicadas mágicas na rocha. Era difícil para o pássaro manter seu corpo rechonchudo parado no ar. Maíla tinha magia o suficiente em seu cabelo para fazer luzes incríveis ganharem formas de corações e pássaros no céu. Os gandâneos que fizeram questão de viajar até a pedra do amor não se arrependeram. Mesmo aqueles que peregrinaram por dois dias a pé.
A Encantadora Melina, já casada, só precisou de um gesto para acender centenas de tochas com chamas brancas. As tochas desenharam um corredor que seguia por toda a extensão da rocha gigantesca. A noite fechou o céu e a luz da lua, quase se chocando, deixava a pedra do amor com um tom vibrante de lilás. Era o sentimento do casal sendo iluminado.
Edmond deu um beijo em sua esposa e se juntou aos convidados. Aquele momento era apenas da Encantadora. O vestido de Melina foi encantado para ter luz própria e ficar sempre enevoado, criando uma visão poderosa. Ricca achou que o vestido merecia ganhar tons mais escuros ao invés do azul turquesa, mas não pôde fugir do tema.
Melina abriu os braços para a multidão hipnotizada.
_Hoje, como manda a tradição, os Guerreiros do Dom irão expor suas criações. Então, a família real irá escolher cinco dessas obras de arte e vocês escolherão mais cinco. Esses dez Guerreiros irão lutar em competições até que três... Apenas três conquistem a glória da vitória. Antes disso tudo, eu preciso nomear a nova Encantadora. Infelizmente... Felizmente para vocês, Ignos e Tário já estão se encontrando e eu não vou poder dizer meu discurso inteiro. A Encantadora vencedora da magia irá usar o Encantamento do Dom para incluir as três obras vencedoras na realidade de Gandânea. - Melina estava nervosa e pausou para tomar fôlego. - _Vamos recordar as maravilhas que eu encantei seis anos atrás?
Ao mesmo tempo em que Melina ergueu seus braços, o povo de Gandânea vibrou e as tochas com chama branca explodiram em luz e calor inofensivo. Nesse momento, três homens desfilaram pelo corredor de chamas até encontrarem a Encantadora. Melina apresentou o primeiro:
_Lesly, do Sudeste. – Um senhor baixo usando macacão amarelo se aproximou com um pássaro fino e comprido; parecia um beija-flor, mas tinha as asas mais compridas e o bico mais curto. - _Lesly inventou o Beija-dor inspirado em um pássaro das terras do mar. Ele esculpiu sua obra na pedra mais preciosa do Reino, a Escama cinza. O Beija-dor fareja o sofrimento alheio e deixa pingar de seu bico encantado, duas gotas de alívio. Qualquer tipo de dor: Da pele ou da alma. O Beija-dor já evitou muito sofrimento.
Lesly foi aplaudido e chorou ao beijar a foto de sua falecida esposa. O Beija-dor deixou pingar duas gotas gosmentas em sua testa calva e ele a colheu para tomar quando a saudade doesse mais.
Melina já sentia a vibração da Lua que produzia o som de ondas mais distantes que o mar abaixo. A cerimônia tinha que ser rápida.
_A segunda maravilha que passou a fazer parte de nossas vidas foi criação de João Batista, também do Sudeste gelado. João pintou o balão voador que me trouxe aqui. Suas asas são úteis para deslocar o balão com precisão e velocidade e são feitas de folhas secas. Os balões de João já foram encontrados por toda Gandânea, já que o meu encantamento criou centenas deles. Basta dizer a direção e o balão te leva.
Vestido como um fazendeiro ocupado, João Batista apertou a mão de Melina com muita força e se juntou á Lesly.
_A terceira maravilha encantada por mim: A canção de Domingos, do Norte. – Domingos foi ovacionado. Ele ganhou o primeiro lugar nas competições dos Guerreiros e eternizou a canção mais cantada em Gandânea. Melina continuou. - _A canção de Domingos é cantada pelas tulipas vermelhas ao menor toque do vento.
A popularidade de Domingos devia-se ao charme rústico em sua voz, o jeito tímido que segurava o sorriso quando estava cantando. As mulheres de Gandânea se derretiam por ele. Plantações enormes nos campos do Leste eram exclusivamente de tulipas vermelhas e sua voz podia ser escutada nas vilas da fronteira do deserto quando ventava muito.
_Finalmente. Ignos e Tário outra vez. – Melina apontou para o impacto eminente das pedras no espaço. - _Todas as candidatas devem me seguir até o labirinto.
As tochas soltaram da terra e levitaram demarcando o círculo que fechava as candidatas enquanto elas caminhavam. Melina seguia na frente e os curiosos vinham atrás, escoltados por organizadores do Rei.
Uma bela colina foi percorrida além da pedra do amor. Então, após vinte minutos de sobe e desce, o campo do labirinto se abriu. Paredes grossas de rubi puro e carregado de história. Todo o terreno ao redor estava escavado e o labirinto abria um buraco profundo na terra. As tochas brancas se posicionaram nas extremidades do labirinto e sua luz alimentou a cor de sangue dentro dele. As paredes externas acenderam dentro da penumbra que a noite cavou naquele campo.
Melina piscou para Ricca, que estava de braços cruzados ao lado da Rainha. Ser a melhor amiga da princesa lhe rendia lugares tão privilegiados que sua mãe, Berta ficava constrangida em aproveitar.
_Quando me tornei Encantadora, - Melina falou em voz postada. – a magia me escolheu pelo coração. Foi a magia quem me achou. Isso dividiu muitas opiniões e alguns aldeões não concordaram que uma princesa pudesse se tornar Encantadora. Uma amiga me confessou certa vez que, por ser da Realeza, meu coração consegue ser mais merecedor da magia. Eu nunca concordei. Para trazer mais felicidade com minhas atitudes, decidi que desta vez a Encantadora deve ser escolhida por competição. Ao contrário do que aconteceu comigo... Vou deixar a magia ser encontrada.
Ouvia-se o som da excitação nos cochichos, pés, palmas e até no estalar das chamas brancas. Melina pediu que as oitenta candidatas fizessem fila e disse as últimas palavras antes de permitir que os portões do labirinto fossem abertos.
_Ermes, meu amuleto, ficará do outro lado do labirinto. A primeira menina que conseguir encontrá-lo receberá toda a magia contida nele e se tornará a nova Encantadora. Se a prova durar mais de um dia, Voluntários andarão pelo labirinto com cestas de comida. Para pedir ajuda, apenas esmurrem as paredes de rubi e estarão seguras.
Havia pânico no rosto da maioria das meninas. Elas conheciam a história daquele labirinto:
O bisavô do bisavô do Rei Rembrante, o Rei Maucon, contratou centenas de ex-detentos que ganhavam a vida como pedreiros ou ajudantes de fazendeiros nos Leste e Sudeste de Gandânea. Sua intenção era escavar todo o rubi encantado mantido debaixo daquele campo. O Rei prometeu um pedaço do Rubi para cada um ao final da escavação. Mas o trabalho durou quinze anos e os trabalhadores queriam pedaços grandes da pedra preciosa. O Rei Maucon fechou as portas do labirinto e deixou que seus trabalhadores morressem de fome, lambendo as paredes rubras. Desde então, o lugar permaneceu intocado em respeito às almas abandonadas lá dentro. A Encantadora na época era Mirna, a irmã do Rei. Mirna deixava seu irmão agir impunemente e seu tempo como guardiã marcou um enorme desenvolvimento das energias inversas no Sul, atrasando o encontro de Ignos e Tário em vinte e cinco anos. Mirna foi a Encantadora que mais ficou sob o domínio da magia. Seu último encantamento foi jogado sobre as paredes do labirinto de rubi. Qualquer ser perdido naquele lugar sombrio encontraria ajuda se batesse em suas paredes pedindo por socorro. Ninguém mais morreria em agonia lá dentro.
Isso não aliviou o coração amedrontado da maioria das candidatas. Algumas desistiram antes mesmo de entrar e correram para seus pais. O jogo começou.
Autor(a): valentinho
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