Fanfics Brasil - Capítulo 1 Lâmina no pulso

Fanfic: Lâmina no pulso | Tema: Automutilação


Capítulo: Capítulo 1

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Domingo, 26 de agosto de 2012.


 


  Vai ficar tudo bem, menti para mim mesma.


  Eu havia sobrevivido meses dizendo essa frase em minha cabeça.


  Queria poder dizer que ia mesmo ficar tudo bem, mas adivinha, não ia ficar, é claro que não, as coisas nunca ficam totalmente bem. E para mim, elas sempre ficam totalmente ruins.


  Você consegue, vamos lá, limpe esse sangue e saia por ai com o lindo sorriso no rosto que engana tantas pessoas, vamos lá, você consegue, mais uma vez.


  Respirei fundo enquanto sentia a ardência do corte e o sangue escorrer.


  Limpei as lágrimas que banhava meu rosto. Olhei para meu pulso, e, por um momento, pude ver minha alma. Não era como todas as pessoas imaginavam que uma alma seja – o seu físico quase transparente e tremeluzindo – elas eram lembranças, as mais doentias e maldosas que aconteciam na sua vida. Ás vezes, tão antigas quanto Deus, mas causavam estrago na mesma intensidade que as mais recentes.


  Levantei do chão do banheiro e me dirigi a pia. Abri a torneira e deixei que a água passasse pelos meus cortes recém-feitos, levando embora a dor que depositei neles.


  Sentia choque enquanto isso.


  Eu iria ficar bem... Por um tempo. Até outra palavra estúpida ser dita.


  Olhei para o espelho treinando o sorriso feliz que sempre dava as pessoas.


  Como elas podem ser tão cegas a ponto de acreditar nele?


  Devo ter ficado uns trinta minutos trancada, logo, minha mãe desconfiaria.


  Guardei a lâmina no meu bolso e puxei a manga da blusa para cobrir o meu braço.


  Por fim, saí do banheiro como se nada estivesse acontecido. Era no que eu queria acreditar, mas infelizmente a queimação no meu pulso desmentia isso.


  – O que estava fazendo no banheiro esse tempo todo? – perguntou minha mãe, entrando na cozinha.


  – Nada – disse a ela.


  Ela fez uma careta, colocou café em uma xícara e saiu bebendo, se conformando com a resposta que dei.


  Por que ela se conformava? Por que ela não insistia para saber o que eu estava fazendo trinta minutos no banheiro, sem nenhum som de chuveiro ligado? Por que ela não me obrigava a admitir a coisa horrível que eu acabei de fazer?


  Eu fui para meu quarto. Quando olhei para a cama resmunguei baixinho. A desordem era tão grande que combinava com minha mente.


  Tirei a lâmina da blusa e a escondi em uma caixa dentro do meu guarda roupa.


  Quando terminei de arrumar minha cama, deitei, coloquei fones de ouvido e escolhi uma música qualquer, no volume máximo, para não ouvir meus pensamentos.


  E assim fechei os olhos, lembrando da dor do meu pulso, que agora começava a diminuir.


  Se eu não me concentrasse em outra coisa logo antes que a dor cessasse, eu teria que fazer tudo de novo.


  Uma parte de mim gostou totalmente da ideia... Mantive minha concentração.


  Pense em coisas boas, como em seus sobrinhos. Você lembra do som lindo que eles fazem quando riem? Lembra do olhar alegre e com vida que eles dão a você?


  Seja forte. Tente ser.


  Devo ter dormido depois disso. Ou fiquei tão absorta que nem notei as horas se passarem. Só sei que quando percebi, já era madrugada.


  Sentei na cama sentindo minha cabeça pesada. Minha irmã dormia ao lado oposto do quarto. Ela roncava suavemente.


  Me arrumei direito na cama e voltei a dormir. Amanhã eu teria aula. Seria segunda feira. Um dia ótimo para se magoar.


  É o que as pessoas fazem de melhor, machucar umas as outras.


 


Segunda, 27 de agosto de 2012.


 


  Quando o celular despertou as 5:30, eu levantei e me arrumei para a escola.


  – Preciso acordar os meninos para arrumá-los para a escola – disse minha mãe. Ela subiu as escadas que havia na sala e que ia para os quartos, em seguida desceu com o Gabriel no colo, com uma coberta agarrado a ele. Gustavo descia logo atrás, carregando sua coberta e o seu lençol.


  Eles deitaram no sofá e minha mãe ligou a tv para assistirem.


  – Eu já vou indo – disse a minha mãe.


  – Ta bom – respondeu.


  Eu beijei meus sobrinhos, peguei minha mochila e saí de casa, em direção á escola, mais conhecida como inferno. E quer saber, quando você é encarada, xingada e agredida pelas pessoas de lá, não se pode chamar aquilo de céu.


  Metade dos alunos estava na frente da escola, amontoados em grupos, rindo, fingindo gostar de pessoas que, na verdade, odiavam. Mas hoje em dia esse era um passatempo bastante popular que praticavam. Falsidade está super na moda.


  Subi a rampa que havia na escola, sem olhar muito para as pessoas.


  – Mari! – chamou alguém.


  Eu parei e olhei em direção a voz. Ela era de Alice, minha amiga albina que conheci esse ano, por causa de livros.


  Ah, os livros. Já perdi a conta de quantas vezes eles me salvaram.


  Andei até Alice.


  – Oi – disse.


  – Tudo bem? – perguntou ela.


  – Sim – a resposta veio tão automática que mesmo se eu estivesse acabado de ser atropelada por um ônibus, tiver sido atingida por um raio e estar em chamas diria que estava tudo bem.


  – Você vai entrar agora? Fica aqui com a gente – pediu.


  Olhei para as pessoas ao seu lado.


  – Acho que vou pra sala – disse me afastando.


  Ela fez um biquinho. Eu quase ri... Quase.


  – Esta bom então. A gente se vê no intervalo.


  – Ta – disse e continuei a andar.


  Entrei no corredor, andando apressada até minha sala, 1ºD. Era a última.


  No 8ºE, parado na porta, estava o pior idiota do mundo. O nome dele é Bruno, e a única coisa que irei dizer é que, infelizmente, já o namorei. Me odeio por ter feito isso, mas o que posso dizer, se você estivesse totalmente abalada, precisando de algum apoio, e então aparecesse um cara que te faz pensar que é a solução para seus problemas, você acabaria namorando essa pessoa. Tenho certeza que faria a mesma coisa que eu.


  Mas eu nunca, nunca senti nada relacionado a amor por ele. Para ser honesta, nem sei o que é amor há muito tempo.


  E por favor, se a situação que eu acabei de descrever estiver acontecendo com você, se afaste imediatamente dessa pessoa, antes que seja tarde demais. Comigo foi, e o que me aconteceu está gravado no meu pulso agora, e talvez ainda por um longo tempo.


  Ele me encarou, eu pude ouvir as palavras que queria dizer naquele momento: Sua idiota. Sua gorda.


  Desviei o olhar antes que me machucasse. Era cedo demais para isso.


  Quando cheguei a minha sala, não havia ninguém. Eu era quase sempre a primeira a chegar.


  Sentei no lugar em frente ao do professor e esperei o tempo passar.


  A sala se encheu lentamente. A primeira aula era de Educação Física. O professor Márcio entrou na sala. Ele tinha cabelos negros, usava óculos e tinha um cavanhaque mal feito.


  – Bom dia pessoal – disse ele.


  Alguns alunos responderam a saudação.


  – Eu vou fazer a chamada rapidinho e a gente já sobe pra quadra, ta legal?


  Assim que a chamada foi feita, os alunos saíram para a quadra, apressados.


  Eu estava os acompanhando sem pressa.


  – Oi – disse o professor atrás de mim.


  Eu olhei para ele.


  – Oi – disse.


  – E aí, tudo bem? – perguntou ele.


  Sabia que a pergunta ia mais além do que o “tudo bem?” habitual. Ele estava tomando muito cuidado para não me magoar ou algo do tipo, pois na última sexta, quando teve uma festa na escola, eu me descuidei e sem querer ele viu meu pulso. O professor teve um segundo de total espanto. Deve ter olhado para mim e pensado “ela faz isso mesmo ou eu estou vendo coisas?”. Foi o que eu vi em seus olhos. E depois, ele havia perguntado “posso ver?”. Essa pergunta me irritou um pouco. Ninguém além de mim olhava os meus cortes. A não ser que seja uma pessoa que eu realmente tenha amor. Eu disse imediatamente que não. Ele deve ter se intimidado com isso, mas não pedi desculpas.


  – Tô – respondi a ele.


  Ele me analisou, sabia que eu não estava sendo totalmente sincera.


  – Então ta bom – cedeu. Era o melhor que poderia fazer.


  As horas se arrastavam torturantemente. De vez em quando eu recebia um olhar torto. Nada de que não pudesse aguentar. Já estava acostumada.


  No intervalo, fiquei com Alice. Ela conversava com outras pessoas sobre um assunto que eu nada entendia. Fiquei observando ao redor, esperando o sinal bater.


  – Mari, você tá bem? – perguntou Alice.


  – Estou – respondi.


  – É que você ultimamente tem parecido meio triste.


  Olhei para ela como se não estivesse entendendo.


  Droga! Estava perdendo a prática em esconder minha dor.


  – Eu to bem – disse a ela, sorrindo.


  Aquele sorriso não era verdadeiro. Eu odiava ele. Mas tinha que mostrá-lo sempre que alguma pessoa desconfiasse de algo.


  E acredite quando eu digo que ele doía mais do que meus cortes.


  O sinal bateu.


  – Vamos descer? – perguntei a ela.


  Alice assentiu e cada uma foi para sua sala. Alice não era da mesma sala que eu, ela era do 1ºB.


  Hoje eu sairia mais cedo, as 10:40.


  Fui embora com a Cibele e a Giovanna.


  Eu e a Cibele tínhamos um histórico grande de amizade. Ela era o tipo de pessoa que você se sentia bem em ficar perto. Fazia você rir. Eu adorava isso nela. Cibele também era carinhosa, me coloca apelido tipo Máy, e me fazia esquecer a dor por um momento. Ela foi minha melhor amiga, depois não sei o que aconteceu que ficamos mais distantes. Talvez tenha sido eu o problema.


  Tenho o péssimo habito de afastar as pessoas de mim.


  Giovanna era legal. Eu achava. Mas era falsa, e eu sou desesperada demais para ficar bem, então não a afastava de mim, por que ela me fazia rir. Isso era raro.


  Quando cheguei em casa, desejei que ainda tivesse as duas últimas aulas.


  Minha mãe estava chorando sentada no sofá da sala.


  Eu preferia ter levado um tiro a ter visto aquela cena.


  – O que foi mãe? – perguntei a ela.


  – Ah, você sabe. Me dá uma angustia pensar que a Jaqueline está la dentro – disse.


  Jaqueline era minha cunhada, namorada do meu irmão mais velho, Alex. Ela foi presa por engano, uma história muito longa, mas pode-se dizer que foi por causa de meu irmão.


  – Ela vai sair – disse a ela. – Não chore.


  Minha mãe assentiu, depois limpou as lágrimas e saiu da sala.


  Eu fiquei parada pensando em como fazer minha mãe não sofrer.


  Ás vezes juro que queria ver meu irmão morto. Você pode achar isso doentio e cruel, mas se soubesse pelo que ele nos fez passar, iria desejar o mesmo.


  Ele era drogado e participava da quadrilha do meu bairro. Já foi o gerente da biqueira. Policiais já chegaram a ter medo dele, só que agora não passa de um pobre coitado, sem cordialidade alguma.




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Autor(a): nymeriacinzenta

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