Fanfic: Ao caso do acaso | Tema: Cotidiano, High School Drama, Real Life

Ressaca de whisky era uma coisa infernal, ela tinha ciência disso. Porém, lá estava ela com a cara completamente inchada, sentada no fundo da sala e sem encarar nenhuma das pessoas a sua volta. Seu salvador estava rodeado de amigos, Paola e Marisa comentavam sobre a festa do dia anterior com algumas amigas. Isabelle e Tabata estavam sendo monopolizadas por três caras fortes e nada bem-intencionados, isso era evidente.

 - Bom dia, panda do dia! – Hugo pulara pra cima da cadeira a frente dela. Literalmente pulara.

 - Panda? Como assim panda?!

 - Acho que as mulheres perdem a habilidade de passar aquele treco na cara que tira as pinturas quando estão bebadas, Sofia querida.

 - Ah, não... Sério isso? Vou abaixar a cabeça e dormir até o intervalo então, como se já não pretendesse fazer isso antes. – Ela esfregou instintivamente as bolsas abaixo dos olhos, se lembrando de não ter passado maquiagem alguma. Suas olheiras que deviam estar gritantes, então.

 - Dormir? Na aula? No Brasil você conseguia fazer isso? Porque aqui não rola, acho bom você nem pensar nisso se não quiser tomar uma suspensão na primeira semana. – Deu um tapinha de leve na testa da garota, fazendo com que sua cabeça latejasse – Acorda, panda. No intervalo eu deixo você babar no meu sanduíche.

Nada muito diferente acontecera em sua primeira manhã de aulas. O modelo de trabalho apresentado pelos professores era um pouco diferente da proposta brasileira, mais nada que ela não pudesse se adequar no fim das contas. Os colegas de turma eram, de certa forma, como quaisquer outros colegas de turma no mundo. Grupo das gostosas mimadas, grupo dos nerds, grupo das retraídas, excluídos diversos (onde ela se encaixava até então, e não pretendia sair) e pessoas apenas legais que viviam de forma normal. Rafael estava entre as pessoas normais, juntamente com Marisa e Paola. Sorte a dela, não?

Pegou qualquer coisa pra comer no almoço, seu notebook, e se isolou em alguma parte dos jardins procurando um pouco de paz. Aquele recado de Marco não tinha sido respondido até então. Era mais fácil que se mantivesse ausente da vida do garoto, e mais justo também. Não é como se ela estivesse apenas passeando de férias, ela havia se mudado, e quanto mais desse esperanças a ele de que as coisas poderiam funcionar assim, estaria machucando aos dois. Encarou aquele recado por mais alguns minutos, e resolveu finalmente responder. “Sinto sua falta. Mas sejamos honestos, eu fiz de tudo pra te ter de volta nos últimos meses que passei aí. Você não queria me ver de forma alguma, Marco. Sei que você ‘tá sofrendo, mas a gente vai superar isso. Espero que esteja tudo bem. Sofia.”

 - Sabia que toda essa frieza sua quase escorre dos teus olhos as vezes? – Rodolfo sentou ao lado dela na grama – E por sinal, bela cara inchada de ressaca pro primeiro dia de aula, madame.

 - Sabia que é típico de carioca abusado fuçar a conversa alheia? Principalmente quando ninguém pede a opinião deles. Incrível! – Ela ria enquanto abaixava a tampa do notebook, mesmo tendo visto que Arthur estava desesperado lhe enviando mensagens.

 - Mais você é venenosa, hein Sofia?! – Tirou um cigarro do bolso, e o acendeu rapidamente. Como ele conseguia ser charmoso até fumando um cigarro?!

 - E você acha que é esperto demais, Rodolfo. Vai, me conta, por que tá com a Belle? Além da parte óbvia, por favor.

 - Além do óbvio? Por mais motivo nenhum. Eu tava sozinho quando cheguei aqui, ela grudou em mim de primeira, me apresentou o pessoal, e sei lá. Não to querendo pensar muito ultimamente, to reservando os neurônios pra quando eu realmente precisar ter alguma inteligência emocional, coisa que eu definitivamente não preciso agora.

 - Uau. Pensei que ia me responder só “é, to só comendo ela mesmo, porque?”. Boa resposta, quase te achei um cara inteligente.

Ele ria enquanto a olhava, sentada com as pernas cruzadas no chão e o computador no colo, com um coque mal feito, olheiras gigantescas e havaianas nos pés. A visão do rosto risonho dela só lhe transmitia uma ideia: conforto.

 - E eu já quase acho que você não é tão mosca morta quanto parece, Bermond. Nem tão imatura quanto a sua idade diria que você seria. Vai se inscrever nas aulas de algum studio?

 - Eu? Rodolfo, meu querido, eu sou uma topeira no quisito musical, não sei tocar nem um triângulo. A única coisa que eu faço é estourar o tímpano das pessoas quando tento cantar, e rancar as unhas dos caras que me chamavam pra dançar forró. Mais pode ficar tranquilo que seus tímpanos estão preservados, e os pés da população masculina também. Duvido muito que eu encontre um pé de serra em terras portuguesas, pra minha má sorte.

 - Studios 1 e 3 podem te interessar. – Ao se levantar, colocou a mão no rosto dela – Relaxa um pouco, garota. Se enturma aí com umas meninas legais, vai beijar na boca. – Terminou o cigarro e o jogou na lata de lixo mais próxima, e virou-se pra ela uma última vez – E te cuida, sei que você não é trouxa, mais todo cuidado é pouco. Homem é babaca e mulher é víbora em todo lugar.

E foi assim que aquela misteriosa criatura a deixou sentada no chão e com a cabeça nas nuvens, pensando apenas uma coisa: “Vai pra casa do caralho, seu surfista de merda! Fala sério, ninguém precisa perturbar minha cabeça, faço isso muito bem sozinha.” Ir beijar na boca? Como assim “ir beijar na boca”? Só se fosse na do Hugo ou do Guilherme, eram os dois únicos caras interessados até então, e Hugo tinha tudo pra ser um grande amigo. Guilherme, apesar de extremamente babaca com mulheres, pelo que ela já tinha ouvido das fofocas de Paola e Marisa, parecia ter um carinho por ela. Sacudiu a cabeça como de costume para espantar os pensamentos ridículos e voltou a abrir o computador, tinha se lembrado da mensagem de Arthur.

“Sofia, o que você tem nessa sua cabeça além de vento? Mais que porra! Sei que você já deve ter feito mil amigos europeus, mais vê se não esquece que quem te carregava bêbada pra casa era eu! Breno também tá com saudades. Você era a melhor companhia feminina que a gente tinha, cara. Vai estar livre esse domingo agora durante a tarde? To tendo que marcar hora pra gente conversar, né! Te cuida, fôfia.”

Não tinha nada mais difícil no mundo do que fazer amigos verdadeiros como os que ela tinha. Respondeu a mensagem de forma breve, marcando um horário pro fim de semana e mandando alguns recados pros outros amigos. O verão português em nada deixava a desejar ao Brasil quando se tratava de um calor infernal. Respirou fundo, a cabeça ainda pesando um bucadinho, e decidiu. Piscina. Ah, com certeza ela iria mofar na piscina até todo aquele álcool evaporar.