Tudo está em silêncio, as luzes estão apagadas.
Estou muito cômoda e aquecida nesta cama. Que bom... Abro meus olhos, por um
momento estou tranquila e serena, desfrutando do ambiente, que não conheço. Não
tenho nenhuma ideia de onde estou. O travesseiro da cama tem a forma de um sol
enorme. Parece-me estranhamente familiar. O quarto é grande e está luxuosamente
decorado em tons marrons, dourados e bege. Já vi isso antes. Onde? Meu
ofuscado cérebro procura entre suas lembranças recentes. Droga! Estou no hotel,
em Heathman... em uma suíte. Estive em uma parecida junto com Kate. Esta parece
maior. Oh, droga. Estou na suíte de Dulce Grey. Como cheguei até aqui?
Pouco a pouco, as imagens fragmentadas da noite
começam a me torturar. A bebedeira. — OH, não, a bebedeira. A ligação. —OH,
não, a ligação, meu vômito. — OH, não, eu vomitei... José e depois Dulce.
OH, não. Morro de vergonha. Não recordo como cheguei aqui. Estou vestindo uma
camiseta, o sutiã e a calcinha. Sem as meias três quartos e nem o jeans. Droga.
Observo uma mesinha do quarto. Há um copo de suco
de laranja e dois comprimidos. Ibuprofeno. Sua obsessão por controle está em
todos os lugares. Levanto-me da cama e tomo os comprimidos. A verdade é que não
me sinto tão mal, certamente estou muito melhor do que mereço. O suco de
laranja está delicioso. Tira-me a sede e me refresca.
Ouço uns golpes na porta. Meu coração bate tão
forte e minha voz quase não sai por minha boca, mas mesmo assim, Dulce abre
a porta e entra.
Ah, ela estava fazendo exercício. Veste uma calça
de ginastica cinza que lhe cai ligeiramente sobre os quadris e uma regata cinza
de que esta grudada no corpo, empapada de suor, assim como seu cabelo. Dulce Grey estava
suada. A ideia me parece estranha. Eu respiro profundamente e fecho os olhos.
Sinto-me como uma menina de dois anos.
— Bom dia, Anahi. Como se sente?
— Melhor do que mereço — eu murmuro.
Levanto o olhar para ela. Ela larga uma bolsa
grande, de uma loja de roupas, em um divã e pega ambos os extremos da toalha
que tem ao redor dos ombros. Seus impenetráveis olhos cinza me olham fixamente.
Não tenho nem ideia do que está pensando, como sempre. Ela sabe esconder o que
pensa e o que sente.
— Como cheguei até aqui? — pergunto-lhe em voz
baixa, constrangida.
Ela senta-se num lado da cama. Está tão perto de
mim que poderia tocá-la, poderia cheirá-la.
Minha nossa... Suor, e Dulce Grey. Um coquetel embriagador, muito
melhor que as margaritas, agora sei por experiência.
— Depois
que você desmaiou não quis pôr em perigo o tapete de pele de meu carro te
levando para a sua casa, assim te trouxe para este local. — Respondeu-me sem se
alterar.
— Você me colocou na cama?
— Sim. — ela respondeu-me impassível.
— Voltei a vomitar? — pergunto-lhe em voz mais
baixa.
— Não.
— Tirou-me a roupa? — eu sussurro.
— Sim. — Ela olha-me elevando uma sobrancelha e
me ponho mais vermelha que nunca.
— Não fizemos...? — Eu sussurro, com a boca seca,
de vergonha, mas não posso terminar a frase. Eu olho para as minhas mãos.
— Anahi, você estava quase em coma.
Necrofilia não é a minha área. Eu gosto que as pessoas estejam conscientes
e sejam receptivas, — ela me responde secamente.
— Sinto muito.
Seus lábios esboçam um sorriso zombador.
— Foi uma noite muito divertida. Demorarei para
esquecê-la.
Eu também... OH, ela estava rindo de mim, e
muito... Eu não lhe pedi que viesse me buscar. Não entendo por que tenho que
acabar me sentindo como a vilã do filme.
— Não tinha por que seguir meu rastro, com algum
equipamento pertencente ao James Bond, que está desenvolvendo em sua companhia,
— eu digo bruscamente.
Ela me olha fixamente, surpresa e, se eu não me
equivoco, um pouco ofendido.
— Em primeiro lugar, a tecnologia para localizar
celulares está disponível na internet. Em segundo lugar, minha empresa não
investe em nenhum aparelho de vigilância, nem os fabrica. E em terceiro lugar,
se não tivesse ido te buscar, certamente você teria despertado na cama do
fotógrafo e, se não estou esquecida, você não estava muito entusiasmada com os
métodos dele de te cortejar. E muito menos confortável com um garoto perto de você — Ela disse de forma mordaz.
Métodos de me cortejar! Levanto o olhar para Dulce, que me olha fixamente com olhos brilhantes, ofendidos. Eu tento
morder meus lábios, mas não consigo reprimir a risada.
— De que texto medieval você tirou isso?
Vejo que seu aborrecimento se vai. Seus olhos se
adoçam, sua expressão se torna mais cálida e em seus lábios parece esboçar um
sorriso.
— De lugar nenhum, Anahi — Ela me diz com um sorriso zombador. — Jantou ontem?
Seu tom é acusador. Nego com a cabeça. Que grande
pecado cometi agora? Ela tem a mandíbula tensa, mas seu rosto segue impassível.
— Tem que comer. Por isso você passou mal. De
verdade, é a primeira norma quando se bebe.
Passa a mão pelo cabelo, mas agora está muito
nervosa.
— Vai seguir brigando?
— Estou brigando?
— Acredito que sim.
— Tem sorte que só estou falando.
— O que quer dizer?
— Bom, se fosse minha, depois do que fez ontem,
não se sentaria durante uma semana. Não jantou, embebedou-se e se pôs em
perigo.
Ela fecha os olhos. Ela disse, minha? Isso ta indo rapido demais ou lento demais. Minha cabeça ta latejando.Por um instante o terror se
reflete em seu rosto e ela estremece. Quando abre os olhos, me olha fixamente.
— Não quero nem pensar no que poderia ter
acontecido.
Eu a fito com uma expressão carrancuda. O que lhe
passa? Porque se importa? Se eu fosse dela... Bem, não sou. Embora
possivelmente eu gostaria de sê-lo. A ideia abre caminho entre meu
aborrecimento por suas palavras arrogantes. Ruborizo-me por culpa de meu
caprichoso subconsciente, que dá saltos de alegria com uma saia havaiana
vermelha, só de pensar que poderia ser dela.
— Não teria me acontecido nada. Estava com Kate.
— E o fotógrafo? — pergunta-me bruscamente.
Mmm... José. Em algum momento terei que conversar
com ele. E contar tudo que se passa.
— José simplesmente passou da conta.
Encolho meus ombros.
— Bem, na próxima vez que ele passar da conta,
alguém deveria lhe ensinar algumas maneiras.
— É muito partidário da disciplina. — digo-lhe entre dentes.
— OH, Anahi, não sabe o quanto. Fecha um pouco os olhos e ri perversamente.
Deixa-me desarmada. De repente, estou confusa e
zangada, e ao mesmo tempo estou contemplando seu precioso sorriso. Uau... Estou
encantada, porque eu não estou acostumada ao seu sorriso. Quase esqueço o que
está me dizendo.
— Vou tomar banho. Se você não preferir tomar
banho primeiro...
Ela inclina a cabeça, ainda sorrindo. Meu coração
bate acelerado e o cérebro se nega a fazer as conexões oportunas para que eu
respire. Seu sorriso se faz mais amplo. Aproxima-se de mim, inclina-se e me
passa o polegar pelo rosto e pelo lábio inferior.