— Tenho que estar no trabalho em uma hora.
— Pode trabalhar nesse tempo. Vamos.
Kate segurou em minha da mão e me levou para casa.
Embora houvesse muito trabalho no Clayton`s, as horas passaram-se lentamente. Como estamos em plena temporada do verão, tenho que passar duas horas repondo as estantes depois de ter fechado a loja. É um trabalho mecânico que me deixava tempo para pensar. A verdade é que em todo o dia não pude fazê-lo.
Seguindo os conselhos incansáveis e francamente
impertinentes de Kate, depilei minhas pernas, axilas e sobrancelhas, assim
fiquei com a pele toda irritada. Era uma experiência muito desagradável. Que
mais esperará Dulce? Tenho que convencer Kate de que quero fazê-la. Por
alguma estranha razão, ela não confiava em Dulce, possivelmente porque fosse tão
tensa e formal. Avisei-a que não saberia dizer como, mas prometi que lhe enviaria
uma mensagem assim que chegasse a Seattle. Não falei nada sobre o helicóptero
para que não enlouquecesse.
Também havia a questão sobre José. Havia três
mensagens e sete chamadas perdidas suas no meu celular. Também ligou para casa,
duas vezes. Kate tem sido muito vaga a respeito de onde eu estou. Ele vai saber
que ela me encobre. Kate sempre era muito franca. Mas decidi deixá-lo sofrer um
pouco. Ainda estou zangada com ele.
Dulce comentou algo sobre uns papéis, e não
sei se estava de brincadeira ou se ia ter que assinar algo. Desesperei-me por
ter que andar conjecturando todo o tempo. E para o cúmulo das desgraças, estou
muito nervosa. Hoje é o grande dia. Estou preparada por fim? Minha deusa
interior me observava golpeando impaciente o chão com um pé. Faz anos que está
preparada, e está preparada para algo com alguém como Dulce Grey, embora
ainda não entenda o que vê em mim... a pacata Annie Steele... Não fazia sentido.
Era pontual, é obvio, e quando saí do Clayton`s
já me esperava, apoiada na parte de trás do carro. Abriu a porta para mim e
sorriu cordialmente.
— Boa tarde, senhorita Steele. — Disse-me.
— Sra. Grey.
Inclinei a cabeça educadamente e entrei no
assento traseiro do carro. Taylor estava sentado ao volante.
— Olá, Taylor, — Disse-lhe.
— Boa tarde, Srta. Steele. — Respondeu-me em tom
educado e profissional.
Dulce entrou pela outra porta e brandamente
me apertou a mão. Um calafrio percorreu todo meu corpo.
— Como foi o trabalho? — Perguntou-me.
— Interminável. — Respondi-lhe com voz rouca,
muito baixa e cheia de desejo.
— Sim, o meu também, pareceu muito longo.
—O que tem feito? — Consegui perguntar.
— Andei com Eliot.
Seu polegar
acariciava meus dedos por trás. Meu coração deixou de bater e minha respiração
se acelerou. Como é possível que me afete tanto?
O heliporto estava perto, assim, antes que me desse
conta, já havíamos chegado. Menos de uma hora para Seattle... Nada mal. Claro, estávamos voando.
Eu tenho menos de uma hora antes da grande
revelação. Sinto todos os músculos da barriga contraídos. Tenho um grave
problema com as mariposas. Reproduzem-se em meu estômago. O que me terá
preparado?
— Está bem, Anahi?
— Sim.
Respondi-lhe com a máxima brevidade porque os
nervos me oprimiam.O helicóptero reduziu a velocidade e ficou
suspenso no ar. Dulce aterrissou na pista do terraço do edifício. Tinha um
nó no estômago. Não saberia dizer se eram nervos pelo que iria acontecer, ou
alívio por termos chegado vivas, ou medo que a coisa não acontecesse bem.
Desligou o motor, e o movimento e o ruído do rotor diminuiu até que, só o que
se ouvia era o som da minha respiração entrecortada. Dulce retirou os fones
e se inclinou para tirar os meus.
— Chegamos. — Disse-me em voz baixa.
Seu olhar era intenso, a metade na escuridão e a
outra metade iluminada pelas luzes brancas de aterrissagem. Uma metáfora muito
adequada para Dulce. Parecia
tensa. Cerrou a mandíbula e entrecerrou os olhos. Abriu seu cinto de segurança
e se inclinou para abrir o meu. Seu rosto estava a centímetros do meu.
— Não tem que fazer nada que não queira fazer.
Você sabe, não é?
Seu tom era muito sério, inclusive angustiado, e
seus olhos, ardentes. Pegou-me de surpresa.
— Nunca faria nada que não quisesse fazer, Dulce.
E enquanto lhe dizia, sentia que não estava de
todo convencida, porque nestes momentos certamente faria algo pela mulher que
estava sentado ao meu lado. Mas minhas palavras funcionaram e Dulce se
acalmou.
Encarou-me um instante com cautela e logo, moveu-se com elegância até a porta do helicóptero e a abriu.
Pulou, esperou-me e agarrou minha mão para me ajudar a descer à pista. No
terraço do edifício havia muito vento e me punha nervosa o fato de estar em um
espaço aberto a uns trinta andares de altura. Dulce passou o braço pela
minha cintura e me puxou firmemente contra ela.
— Vamos. — Gritou-me por cima do ruído do vento.
Arrastou-me até um elevador, digitou um número em
um painel, e a porta se abriu. No elevador, completamente revestido de
espelhos, fazia calor. Podia ver Dulce em quantidade, para onde quer que eu
olhasse, e a coisa boa era que ela também podia ver várias de mim. Digitou
outro código, e as portas se fecharam e o elevador começou a descer.
Em poucos momentos estávamos em um vestíbulo
totalmente branco. No meio havia uma mesa redonda de madeira escura com um
enorme buquê de flores brancas. As paredes estavam cheias de quadros. Abriu uma
porta dupla, e o branco se prolongou por um amplo corredor que nos levou até a
entrada de uma sala palaciana. É o salão principal, de teto muito alto.
Qualificá-lo de "enorme" seria pouco. A parede do fundo era de
cristal e dava em uma sacada com uma magnífica vista da cidade.
À direita havia um imponente sofá em forma de “U”
que permitiam sentar-se comodamente dez pessoas. Frente a ele, uma lareira
ultramoderna de aço inoxidável... ou, possivelmente, de platina. O fogo aceso
iluminava brandamente. À esquerda, junto à entrada, estava a área da cozinha.
Toda branca, com as bancadas de madeira escura e um bar em que podiam sentar-se
seis pessoas.
Junto à
área da cozinha, em frente à parede de cristal, havia uma mesa de jantar
rodeada de dezesseis cadeiras. E no fundo havia um enorme piano negro e
resplandecente. Claro... certamente também tocava piano. Em todas as paredes
havia quadros de todo tipo e tamanho. Em realidade, o apartamento parecia mais
uma galeria que uma moradia.
— Dê-me a jaqueta? — Dulce perguntou-me.
Nego com a cabeça. Ainda estava com frio da pista
do helicóptero.
— Quer tomar uma taça? — Perguntou-me.
Pisquei. Depois do que se passou ontem? Está de
brincadeira ou o que? Por um segundo pensei em lhe pedir uma marguerita,
mas não me atrevi.
— Eu tomarei uma taça de vinho branco. Você quer
uma?
— Sim, obrigada. — Murmurei.
Sentia-me incômoda neste enorme salão.
Aproximei-me da parede de cristal e me dei conta de que a parte inferior do
painel se abria a sacada em forma de acordeão. Abaixo se via Seattle, iluminada
e animada. Volto para a área da cozinha, demorei uns segundos, porque estava
muito longe da parede de cristal, onde Dulce abria um vinho. Retirou sua
jaqueta.
— Acha que está bem um Pouily Fumei?
— Não tenho a menor ideia sobre vinhos,
Dulce. Estou certa de que será perfeito.
Falei em voz baixa e entrecortada. Meu coração
batia muito depressa. Queria sair correndo. Isto era luxo de verdade, de uma
riqueza exagerada, tipo Bill Gates.
O que estava fazendo aqui? Sabia muito bem o que estava fazendo aqui, logrou meu
subconsciente. Sim, quero ir para cama com Dulce Grey.
— Toma. — Disse-me ao estender uma taça de vinho.
Até as taças são luxuosas, de cristais grossos e
muito modernos. Tomei um gole. O vinho era ligeiro, fresco e delicioso.
— Você está muito quieta, e nem mesmo está corada.