Suas palavras são minha perdição,
lançam-me pelo precipício. Sinto que meu corpo se convulsiona e venho gritando
e balbuciando uma versão de seu nome contra o colchão. Dulce investe até o
fundo mais duas vezes e fica paralisada.
Desaba-se sobre meu corpo, com o rosto afundado em meu cabelo.
— Porra, Annie, nunca ninguém me deixou assim— ela ofega. Ele retira os dedos e cai, rodando em seu lado da cama. Eu puxo meus joelhos até o
peito, totalmente esgotada, e imediatamente caio em um sonho profundo.
Quando eu acordo, ainda está escuro. Não tenho
nem ideia de quanto tempo eu dormi. Estiro as pernas debaixo do edredom e me
sinto dolorida, deliciosamente dolorida. Não vejo Dulce em nenhum lugar.
Sento na cama e contemplo a cidade à minha frente. Há menos luzes acesas nos
arranha-céus e o amanhecer já se insinua. Ouço música. As notas cadenciadas do
piano. Um doce e triste lamento. Bach, eu
acredito, mas não estou segura.
Jogo o edredom de lado e me dirijo sem
fazer ruído, pelo corredor que leva ao grande salão.
Dulce está sentada ao piano, totalmente
absorta na melodia que está tocando. Sua expressão é triste e desamparada, como
a música. Toca maravilhosamente bem. Apoio-me na parede da entrada e escuto
encantada. É uma música extraordinária. Está vestida em um camisão branco, com o corpo banhado na cálida
luz de um abajur solitário junto ao piano. Como o resto do salão está escuro,
parece isolada em seu pequeno foco de luz, intocável... sozinha, em uma bolha.
Avanço para ela em silencio, atraída
pela sublime e melancólica música. Estou fascinada. Observo seus compridos e
hábeis dedos percorrendo e pressionando suavemente as teclas, e penso que esses
mesmos dedos percorreram e acariciaram com destreza meu corpo. Ruborizo-me ao
pensá-lo, sufoco um grito e aperto as coxas. Dulce levanta seus insondáveis
olhos cinza com expressão indecifrável.
— Desculpe, — eu sussurro. — Não queria
incomodar você.
Ela franze ligeiramente o cenho.
— Certamente, eu deveria estar dizendo
isso para você, — ela murmura. Deixa de tocar e apoia as mãos nas pernas a mostra.
Ela passa os dedos pelo cabelo e se levanta.
A camisa lhe caem dessa maneira tão sexy... oh,
meu Deus. Minha boca está seca quando rodeia tranquilamente o piano e se
aproxima de mim. Ela tem os ombros largos e os quadris estreitos, um corpo maravilhoso ao andar lhe
esticam os abdominais. É impressionante...
— Devia estar na cama, — ela adverte-me.
— Um tema muito bonito. Bach?
— A transcrição é de Bach, mas
originariamente é um concerto para oboé do Alessandro Marcello.
— Precioso, embora muito triste, uma
música muito melancólica.
Ela esboça um meio sorriso.
— Para cama, — ordena-me. — Pela manhã
você estará esgotada.
— Eu acordei e você não estava.
— Tenho dificuldade para dormir. Não
estou acostumada a dormir com alguém, — ela murmura. Eu não consigo discernir
qual é seu estado de ânimo. Parece um pouco desanimada, mas é difícil de saber,
por causa da escuridão. Talvez se deva ao tom do tema que estava tocando.
Rodeia-me com um braço e me leva carinhosamente para o quarto.
— Quando começou a tocar? Touca muito
bem.
— Aos seis anos.
— Oh. — Dulce aos seis anos... tento imaginar
a imagem de uma pequena menina de cabelo acobreado e olhos cinza, e meu coração
derrete... Uma menina de cabelos alvoroçados, que gosta de música incrivelmente
triste.
— Como se sente? — pergunta-me já de
volta no quarto. Ela liga uma luminária.
— Estou bem.
Nós duas olhamos para a cama ao mesmo
tempo. Os lençóis estão manchados de sangue, como uma prova de minha virgindade
perdida. Ruborizo-me, embaraçada e jogo o edredom por cima.
— Bem, a senhora Jones terá algo no que pensar, —
Dulce resmunga na minha frente. Coloca a mão debaixo do meu queixo,
levanta-me o rosto e me olha fixamente. Observa-me com olhos intensos. Dou-me
conta de que é a primeira vez que a vejo assim, sem guardas, ela está sem defesa. Instintivamente, eu
estico a mão, de forma que meus dedos passem pelo seu peito, seu colo. Quero sentir ela. mas, imediatamente, dá um passo atrás.
— Vá para cama, — me diz bruscamente. E
logo suaviza um pouco o tom. — Deitarei um pouco contigo.
Retiro a mão e franzo levemente o cenho.
Eu penso que nunca toquei o seu peito. Ela abre uma gaveta, saca um short e o veste rapidamente.
— Para a cama, — ela volta a me ordenar.
Eu salto na cama tentando não pensar no sangue.
Ela deita-se também e me rodeia com os braços por
trás, de maneira que não veja seu rosto. Beija-me o cabelo com suavidade e
inala profundamente.
— Durma, doce Anahi — ela murmura, e
eu fecho os olhos, mas não posso evitar sentir certa melancolia, não sei se é
pela música ou pela sua conduta. Dulce Grey tem um lado triste.