Kate já tem seu posto para fazer as práticas no The Seattle Time, é obvio. Seu pai conhece alguém, que conhece alguém.
— Como Elliot se sente por você sair de férias? — pergunto-lhe.
Kate se dirige para a cozinha, e pela primeira vez desde que cheguei parece desconsolada.
— Ele entende. Uma parte de mim não quer partir, mas é tentador demais ficar tomando banho de sol um par de semanas. Além disso, minha mãe não deixa de insistir, porque acredita que serão nossas últimas férias em família, antes que Ethan e eu comecemos a trabalhar a sério.
Eu nunca saí dos Estados Unidos. Kate vai por duas semanas a Barbados, com seus pais e seu irmão, Ethan. Ficarei sozinha duas semanas, sem Kate, na casa nova. Será estranho. Ethan esteve viajando pelo mundo desde o ano passado, depois de graduar-se. Por um momento me pergunto se o verei antes que saiam de férias. É um tipo muito simpático. O telefone me tira de meu devaneio.
— Deve ser José.
Suspiro. Sei que tenho que falar com ele. Levanto o telefone.
— Alô.
— Annie, você voltou! — exclama José aliviado.
— Obviamente. — Respondo-lhe com certo sarcasmo e rolo os olhos para o telefone.
Ele fica em silencio por um momento.
— Posso ver você? Sinto muito sobre sexta-feira. Estava bêbado... e você... bem. Annie, me perdoe, por favor.
— Claro que te perdoo, José. Mas não repita isso de novo. Sabe quais são meus sentimentos por você.
Ele suspira profundamente, com tristeza.
— Eu sei, Annie. Mas pensei que se beijasse você, possivelmente seus sentimentos mudassem.
— José eu te amo fraternamente, você é muito importante para mim. É como o irmão que nunca tive. E isso não vai mudar. Você sabe disso. — Eu sei que o estou magoando, mas é a verdade.
— Então, você saiu com ela? — pergunta-me com desdém.
— José, não sai com ninguém.
— Mas você passou a noite com ela.
— Não é da sua conta!
— É pelo dinheiro?
— José! Como se atreve? — grito-lhe, atônita por seu atrevimento.
— Annie, — ele diz com voz queixosa, em tom de desculpa. Eu não estou disposta a aguentar seus ciúmes mesquinhos. Sei que está machucado, mas já tenho bastante lutando com Dulce Grey.
— Talvez possamos tomar um café amanhã. Ligarei para você, — digo-lhe em tom conciliador.
Ele é meu amigo e lhe tenho muito carinho. Mas neste momento não estou precisando disso.
— Amanhã, então. Você me liga? — Sua voz esperançosa me comove.
— Sim... boa noite, José. — Desligo, sem esperar sua resposta.
— O que foi tudo isto? — Katherine pergunta-me com as mãos nos quadris. Eu decido que o melhor quer dizer a verdade. Parece mais obstinada que nunca.
— Ele tentou me beijar na sexta-feira.
— José? E Dulce Grey? Anahi, seus feromônios devem estar fazendo horas extras. No que estava pensando esse imbecil? — Ela sacode a cabeça zangada e segue empacotando.
Quarenta e cinco minutos mais tarde, fizemos uma pausa para degustar a especialidade da casa, minha lasanha.
Kate abre uma garrafa de vinho e nos sentamos para comer entre as caixas, bebendo vinho tinto barato e vendo porcarias na televisão. Essa é a normalidade. É bem recebida e tranquilizadora depois das últimas quarenta e oito horas de... loucura. É minha primeira comida, em dois dias, sem preocupações, sem que insistam e em paz. Qual o problema que Dulce tem com a comida? Kate recolhe os pratos enquanto eu acabo de empacotar o que fica na sala de estar. Só deixamos o sofá, a televisão e a mesa. O que mais poderíamos necessitar? Só falta empacotar o conteúdo de nossos quartos e a cozinha, e temos toda a semana pela frente. Resultado!
O telefone volta a tocar. É Elliot. Kate me pisca um olho e vai para o seu quarto, saltitando como se tivesse quatorze anos. Sei que deveria estar escrevendo seu discurso oficial, mas parece que Elliot é mais importante. O que acontece com os
Grey? O que os faz tão absorventes, tão devoradores e tão irresistíveis? Tomo outro gole de vinho.
Faço uma rápida busca por algum programa de TV, mas no fundo sei que estou me demorando de propósito. O contrato está queimando dentro de minha bolsa. Terei forças para lê-lo esta noite?
Apoio à cabeça nas mãos. Tanto José como Dulce querem algo de mim. Com José é fácil. Mas Dulce... Dulce tem um campeonato totalmente diferente, de manipulação, de entendimento. Uma parte de mim quer sair correndo e se esconder. O que vou fazer? Penso em seus ardentes olhos cinza, em seu intenso e provocador olhar e fico tensa. Ela nem está aqui, e eu estou ligada. Isso não pode ser só sobre sexo, pode? Lembro de sua conversa suave, esta manhã no café da manhã, a sua alegria com o meu prazer com o passeio de helicóptero, ela tocando piano, essa música tão triste, doce e comovedora...
Ela é uma pessoa muito complicada. E agora comecei a entender por que. Uma menina privada de adolescência, sexualmente abusado por uma malvada senhora Robinson... não é estranho que pareça mais velha do que é. Meu coração se enche de tristeza ao pensar no que no que ela deve ter passado. Sou muito ingênua para saber exatamente do que se trata, mas a pesquisa deve me dar um pouco de luz. Embora de verdade, quero saber? Quero explorar esse mundo do qual não sei nada?
É um passo muito importante.
Se não a tivesse conhecido, seguiria tão feliz, alheia a tudo isto. Minha mente se translada para a noite de ontem e a esta manhã... a incrível e sensual sexualidade que experimentei. Quero dizer adeus a isso? Não! exclama meu subconsciente... Minha deusa interior concorda em um silêncio zen, para mostrar que está de acordo com ele.
Kate volta para a sala de estar, sorrindo de orelha a orelha. Talvez ela esteja apaixonada. Eu olho para ela, boquiaberta. Nunca se comportou assim.
— Annie, vou para cama. Estou muito cansada.
— Eu também, Kate.
Ela me abraça.
— Alegro-me que tenha voltado sã e salva. Há algo estranho em Dulce, — ela acrescenta em voz baixa, em tom de desculpa. Eu sorrio para tranquilizá-la, embora pense... Como diabos ela sabe? Por isso ela será uma jornalista tão boa, por sua infalível intuição.
Pego a minha bolsa, vou para o meu quarto com passo desinteressado. Os esforços sexuais das últimas horas e o total e absoluto dilema que me enfrento me deixaram esgotada. Sento-me na cama, tiro da bolsa com cautela, o envelope de papel pardo e dou voltas com ele entre as mãos. Estou segura de que quero saber até onde chega à depravação de Dulce? É tão assustador. Respiro fundo e com o coração na garganta, eu abro o envelope.