Fanfic: - A marca de uma lágriima (finaliizada)

O inimigo, rachado de alto a baixo, dividia Dulce. Uma das duas deveria amar Christopher, e a outra devia estar apaixonada por Annie. Mas ela sentia-se inteira de Christopher, cada pedacinho de seu corpo e de sua mente vibrava, pulsava, pertencia a Christopher. Só que Christopher pertencia a Annie. Como, então escrever uma carta de amor para a rival? Como ajudar seu amado a declarar-se mais ainda à garota que a estava destruindo?

“Mas eu prometi, eu prometi..."

À sua frente, folhas rabiscadas, papéis amarrotados, um respondendo ao outro, um querendo agarrar, outro querendo ser agarrado, um forçando, outro permitindo. Era como se a mão esquerda escrevesse para a direita, era como se um ouvido falasse para o outro.

Por sobre aquela divisão, pairava a voz rachada do inimigo, provocando, torturando,

gozando, mas, ao aumentar a dor, fazendo ferver ainda mais o caldeirão de misturadas paixões, promessas e desesperos que queimavam  Dulce por dentro.

Antes de ti, Christopher,

eu nem sabia sequer,

fui metade de mim mesma,

fui pedaço de mulher...

Vou deixar meu peito aberto,

Annie de amor sem fim, sem

porteiro, sem vigia,

para que entres em mim...

— Ah, Dulce, idiota! Ouve, sou teu inimigo... Esquece essa promessa cretina. Ele adora o

que você escreve. Ele adora você!

Do outro lado do corredor, mesmo com duas portas a separá-los, a voz do inimigo fazia-se

ouvir perfeitamente por Dulce.

"As palavras de Annie devem ser mais ingênuas. Acho que Christopher espera que seja assim. Ai, Chris..."

Era metade de mim,

era pedaço inocente,

pois eu era quase nada

e pensava que era gente...

Entre aqui dentro, Annie,

aqui não há nada de mal,

mas vais achar em meu peito

um verdadeiro arsenal!

— Você cozinha os versos com o seu melhor tempero, não é? E pra quê? Pra morrer de fome enquanto os dois se empanturram com a emoção que você criou?

"Quando as cartas são de Christopher, acho que têm de ser mais fortes, mais ousadas. Ah,

Christopher, eu quero que você seja assim..."

Hoje sou ré, sou culpada,

sou o sul e sou o norte,

confesso meu crime de vida

que dá luz em vez de morte!

É só transformar em granada

os pulmões e o coração,

espalhando aos quatro ventos

estilhaços de paixão!

— Cretina! Rasga isso! Seja mulher, Dulce Maria. Vá atrás dele. Lute por ele!

"Sou Dulce... Sou mulher, me escute... estou perdida..." Sou gente! Socorro, Christopher... me escute ... estou perdida...”

Quero que venham juizes

dispostos a me condenar

e te nomeiem carrasco

pra eu viver a te adorar

Pois que venha a medicina,

pois que berre, pois que zangue!

Nós vamos juntos gritar:

— Um... dois... três... sangue!

— Rasga! Esquece!

Christopher me agarra, sou tua!

Vem morar dentro de mim!

Te entrega, Dulce!

CALEM A BOCA! TODOS VOCÊS!

***

— Fique tranqüila, Annie. Aqui a gente pode conversar sossegada. A mãe saiu, com

enxaqueca e tudo. Temos a tarde inteirinha pra fofocar à vontade.

Annie experimentou um batom de Dulce, espremendo os lábios.

— Precisa trocar este espelho. Nem sei como você consegue se maquiar com esta rachadura... Como é que quebrou?

— Sei lá. Quebrou. Só isso.

Dulce já havia separado uma pilha de livros e cadernos, mas olhou sorrindo para a amiga.

— Você não estava pensando exatamente em estudar biologia quando veio para cá, não é?

Annie olhou através do corredor, sorrindo de volta para a amiga, que a aguardava no quarto. Deu uma última olhada no espelho e andou sonhadoramente até à cama de Dulce, onde se jogou, sem se preocupar em tirar os tênis.

— Não sou como você, Dulce. Você está sempre interessada em tudo, ligada em todas as

coisas. Eu tenho só uma idéia fixa. Uma idéia fixa que já dura quase um mês. Não consigo

pensar em nada senão em Christopher. Você não sabe o que isso significa...

— Ah...

A pilha de livros caiu das mãos de Dulce. A menina ajoelhou-se no chão e começou a

reempilhá-los apressadamente, como se um rio estivesse por correr ali e pudesse arrastá-los

consigo.

— Posso fazer uma idéia, Annie...

— Acho que você não pode. Ninguém pode saber o que é amar alguém como Christopher. Eu... eu acho que estou te traindo, Dulce...

— Traindo? Como?

E a pilha de livros espalhou-se de novo pelo chão.

— Estou escondendo um segredo de você. Christopher adora suas cartas...

— Adora? Adora mesmo?