Fanfic: - A marca de uma lágriima (finaliizada)

Dulce não respondeu. Já tinha dito tudo. Da morte da diretora já tinha cuidado. O resto era

com a polícia. A professora levantou-se bruscamente.

— Ah, não! Chega de atormentar a pobrezinha. Ela já passou por muitos apertos hoje. Agora, precisa descansar. É hora de irmos embora. Deixemos as tais comparações e eliminações para amanhã. Trate de dormir, minha querida. Amanhã, tudo parecerá mais cor-de-rosa.

O investigador concordou.

— Está bem. Descanse sossegada, Dulce. Vou deixar um policial aqui em frente, na rua, a

noite toda. Você estará perfeitamente segura.

Dulce fechou a porta atrás dos dois. Agora, estava sozinha, com seu último dever cumprido.

Colocou um disco na vitrola e estendeu-se no sofá, embalada por uma canção suave, que falava em desalento, em solidão, em amores perdidos.

Sobre a mesinha, o pacote de bombons tinha sido esquecido, com um último, solitário,

bombom dentro dele.

Dulce ainda não tinha jantado. Aliás, nem tinha almoçado naquele dia.

Pegou o bombom.

***

O telefone precisou tocar três vezes para arrancar Dulce do agradável torpor que aos poucos

tomava conta de todo o seu corpo.

— Alô...

— Dul?

— Chris... É você...

— Eu preciso de você, prima.

— Eu também preciso muito de você, Chris...

— Priminha, ouça: Annie deixou uma carta aqui em casa que... sei lá! Nem sei como

explicar. Quando eu me encontrar com ela amanhã, nem sei o que falar...

— Você não gostou do poema?

— Não é isso. É que... Ei, como você sabe que é um poema?

— É fácil adivinhar, Christopher. Annie sempre manda poemas para você, não é?

— Só que desta vez... é um poema estranho...

— Estranho...

— Eu queria que você me explicasse o que Annie quis dizer com isso. Eu não estou

entendendo nada...

— Ah, Chris...

— Eu vou ler para você, prima. Quem sabe, até amanhã, você me prepara uma resposta?

— Até amanhã...

— Ouça, Dul.

Christopher começou a ler o poema, pausadamente, com a voz insegura. Do outro lado,

estendida no sofá, Dulce acompanhava cada sílaba, cada verso, de olhos fechados, sem um som, mas pronunciando tudo para dentro de si mesma.

—...a cabeça o possui, manipula, e faz dele o que quer!

— Bonito, Chris...

—... haja o que houver, do meu amor esse garoto foi o rei... O que ela quis dizer com foi o

rei?

— Continue, continue...

—... a marca desta lágrima testemunha que eu o amei perdidamente...

—... perdidamente...

—... assinei com minhas lágrimas...

—... com minhas lágrimas...

—... mas a cabeça apaixonada delirou...

Embalada pela voz do seu amado, Dulce agarrou seus próprios versos e declamou,

esquecendo-se dos segredos e das promessas:

—... foi farsante, vigarista, mascarada, foi amante, entregando-lhe outra amada, foi covarde

que amando nunca amou!

Durante um segundo de surpresa, Christopher emudeceu do outro lado. E foi quase com um

grito que a compreensão de todos aqueles enganos veio à tona:

— Como? Como você conhece este poema? Acabei de encontrar debaixo da porta!

Apesar da tontura, Dulce percebeu o que fizera. Desorientada, tentou consertar o erro:

— Eu... eu não conheço...

— Você sabe de cor o poema! Você...

— Não, não é isso, Christopher... Annie me mostrou. Ela...

— Você sabe!

— Não, Christopher, eu não sei de nada...

— Essa voz... Aquela tarde, ao telefone...Dul! Era você!

— Não, não, Christopher, não era eu...

— As cartas, os poemas, o tempo todo! Era você, Dulce!

— Não, não...

— Como eu fui ingênuo! Pedi a você que respondesse suas próprias cartas! Todo aquele

amor, toda aquela paixão, era você!

— Não era eu, não era eu... era Annie...

— O tempo todo era você! O tempo todo eu a amei através das cartas, pensando que eram de Annie!

— Eram de Annie... de Annie...

— O tempo todo você me amou, Dul! Esse tempo todo!

— Não, não...

— Você me amou, Dulce!

— Não, meu amor, eu nunca te amei!

— Dulce, minha querida! Eu sempre te amei pelas tuas cartas, pelos teus poemas. Era você,

Dul! É você, meu amor!

As palavras de Christopher ressoavam longínquas dentro da cabeça de Dulce, que mergulhava cada vez mais num torpor de ausência, mas agora leve, gostoso, cheio de todas as palavras que ela tanto ansiara ouvir.

— Christopher...

— Dulce!

— Tarde demais... tudo tão lindo... mas tarde demais...

— Dul! Eu não consigo ouvi-la direito...

— Estou tão tonta, Chris... sono... amor... tão tonta... tão lindo... tão tarde... eu...

— Dul!Dul! Fale comigo!Dul! Responda!

Do outro lado da linha, só o silêncio.

— Dulce! Não me deixe!Dul! Vou correndo para aí! Me espere! Meu amor, espere por

mim!