Fanfic: A Dama e o Guerreiro - AyA | Tema: AyA (adaptada)

Claro que tinha partido e evitado que o desprezível Gireaux pedisse sua mão ao rei, mas, por uma dessas ironias do destino, tinha acabado nas mãos dos escoceses. Aliás, não apenas de um simples escocês, mas do mesmo bárbaro com o qual se deparara na batalha de Falkirk.
Ainda que a face angulosa tivesse ficado gravada em sua memória para sempre, o tempo tinha mudado seu belo inimigo, transformando-o em um homem de feições e porte impressionantemente másculos. Mas não tanto a ponto de não reconhecê-lo.
Naquele dia, após feri-lo na cabeça, Anahí tinha ouvido o som das patas de animais ecoando por toda a floresta e fugira junto com alguns dos homens de Clarin, deixando-o caído no meio de uma enorme poça de sangue.
Verdade que saíra sã e salva da batalha, mas ainda assim nunca tinha esquecido aquele momento. Por mais que repetisse para si mesma que por certo nunca mais veria o impressionante guerreiro das Terras Altas, sonhava com ele com freqüência. Algumas vezes, chegava a pensar que aquela guerra sangrenta era tão terrível para o inimigo, para os jovens guerreiros escoceses, quanto para os ingleses, pois todos estavam morrendo e perdendo seus entes queridos. Mas então lembrava-se de que eles haviam ateado fogo à vila que se formara em tomo do castelo, ao celeiro onde guardavam toda a colheita, e revoltava-se. Não podia perdoar os escoceses. Eles eram bárbaros que espalhavam dor e sangue por onde quer que passassem.
Por sorte, Falkirk tinha sido uma grande vitória para Eduardo I, os escoceses tinham se refugiado mais ao norte do país e tão cedo não se aventurariam a atacar as propriedades inglesas da fronteira outra vez. Portanto, os moradores do Castelo de Clarin estavam em segurança e ela própria também.
O navio jogou de um lado para outro, tirando-a daquele estranho estado de torpor em que sonho, realidade e lembranças misturavam-se desordenadamente, Anahí sentiu a cabeça latejar. Fungou e tossiu inúmeras vezes, só então se deu conta de que ainda estava molhada e, o pior, ardendo em febre.
Foi nesse instante que ouviu a porta da cabine sendo aberta. Quis levantar. Não conseguiu. Não tinha forças para fazê-lo.
De repente, ali estava ele, seu inimigo escocês. O homem dos olhos verdes. Podia ver-lhe a face angulosa exatamente como a vira em seus sonhos. Ele era tão alto e forte que sua presença fazia com que a pequena cabine parecesse ainda menor. Tinha trocado suas vestes e mais uma vez o tartan de lã estava preso em um dos ombros largos por um broche com inscrições em celta.
Anahí o viu com clareza, e então, por uma fração de segundo a imagem impressionante desapareceu. Será que estava sonhando ou era tudo real? Havia muita luz. Seria possível que a manhã já houvesse raiado no horizonte? Todavia, a luz parecia nebulosa e estranha e ela teve a sensação de que ainda enfrentava uma forte tempestade...
— Venha comigo, milady. Agora! — ele ordenou em sua voz de trovão.
Apesar de ainda não saber se a figura alta e forte parada a poucos metros de si era real ou fruto de sua imaginação, Anahí fez menção de levantar-se, mas não teve forças para fazê-lo, tentou abrir os lábios para dizer algo, porém não foi bem-sucedida em seu intento.
— Mulher teimosa! — ele praguejou e cruzou o espaço que os separava. — Estou tentando não deixá-la aqui trancada sozinha em meio à tempestade. Mas será que existe alguém no mundo a quem você dá ouvidos?
Os dedos de aço se fecharam em tomo do pulso delicado, mas Anahí não teve forças para lutar contra ele.
Alfonso praguejou outra vez:
— Pelos deuses! Você está molhada até os ossos. Pior, lambem está ardendo em febre.
Sem hesitar, ele curvou-se e ergueu-a nos braços, movendo-se com firmeza a despeito do forte balanço do navio.
Saíram da cabine e uma luz difusa chegou até eles enquanto subiam as escadas que levavam ao deque superior. De repente, um relâmpago cruzou o céu e um forte trovão ecoou pela imensidão do oceano. Era como se a natureza estivesse determinada a expulsá-los de seus domínios. O vento, a chuva, os trovões, os relâmpagos, todos estavam gritando “fora, invasores!”.
Mas Anahí não se importava. Não agora. Estava com a cabeça apoiada no peito largo de seu maior inimigo e sentia-se estranhamente protegida.
Apesar disso, a escuridão logo tomou conta do dia e a ira dos deuses recaiu sobre eles com toda a sua força.