— Ethel?
— Tínhamos Lucy, também. Mas Ethel era a problemática. Todos os cães-guia são bem comportados como os seus?
— Quase todos. Mas continuam sendo apenas cães, é claro. Sempre que eu começo a ficar convencido de que meu cão é perfeito, ele faz alguma coisa para me lembrar que continua sendo um animal.
— Eles exigem muito tempo de adestramento, não é?
— Nós apenas os treinamos para que sejam obedientes e atendam a comandos específicos. O crédito por seu comportamento agradável é todo dos criadores de filhotes.
— Criadores de filhotes?
— As pessoas que cuidam deles quando são filhotinhos. Os criadores ensinam aos filhotes obediência básica e os socializam com muitas pessoas e outros animais. Eles também os ensinam a serem bem-educados dentro de casa.
— Como não roubar comida da mesa de seus donos.
— Ou do lixo, ou de qualquer lugar onde a vejam. Ensinar um cão a não fazer essas coisas pode ser um tremendo desafio, principalmente se o cão for um labrador. O cão aprende a não caçar gatos na casa, a não pular em cima de pessoas, a não subir na mobília...
Ela pigarreou.
— Ah, eu odeio lhe dizer isso, mas acho que tem um enorme cachorro preto deitado na sua poltrona.
Ele riu.
— Não conte isso à escola de treinamento dele, por favor.
— Você pode ter problemas por causa disso?
— Não. Depois que nos tornamos parceiros de um cão, esse cão se torna nosso. A escola só removeria o cão de um usuário se suspeitasse que ele é violento com o animal. E eu pessoalmente nunca ouvi falar de um caso desses.
— Feather não sobe nos móveis?
— Feather não sai do meu lado. Ela nunca se interessou por dormir no sofá ou na cama.
— Reparei que ela entrou e saiu da cozinha com você.
— Feather está tendo dificuldade de se ajustar à aposentadoria.
—Todos eles precisam se aposentar quando chegam a uma certa idade? Ela ainda parece bem animada.
—Ela é bem animada, para um animal de estimação. Mas está com quase 10 anos e sofrendo de artrite. Ela estava começando a ter dificuldade de caminhar tanto quanto eu precisava. E estava começando a hesitar.
— Hesitar?
— A perder a confiança. Ela não queria atravessar a rua, mesmo quando não passavam carros. Um dia ela parou no meio de uma passagem de pedestres e empacou. Ainda não sei se foi por medo ou se ela simplesmente perdeu a concentração. Mas foi nesse dia que eu soube que precisava de um novo guia.
— Isso deve ter sido difícil.
— Muito. — Ele ainda sentia dificuldade de falar sobre isso. — Fomos parceiros por mais de oito anos. Tinha a impressão de que estava me desfazendo dela. Alguns usuários ficam com seus cães aposentados, outros os devolvem à pessoa que os criou. Alguns cães são adotados por parentes ou amigos do usuário, ou por desconhecidos aprovados pela escola de adestramento. Eu achei que seria doloroso demais ficar sem ela. Mas agora... Agora não tenho certeza. — Pigarreou. — Desculpa, estou bombardeando você com informações.
— Não se preocupe com isso. Estou achando tudo muito interessante. Coma um biscoito. Eles são mais gostosos quentes.
— Onde estão?
— Na mesinha de café. Ah, mais ou menos à sua direita...
— Pense nos ponteiros de um relógio — disse ele.— Se estou voltado para o 12, onde estaria o prato?
— Você está no meio do relógio ou no 6? Ele teve de sorrir. Era uma pergunta lógica.
— O meio.
— Duas da tarde — disse ela prontamente.
Ele estendeu a mão e sentiu-se gratificado quando seus dedos encontraram a beirada de um prato. Ele pegou um biscoito e o aproximou do nariz.
— Não tenho certeza se vou conseguir comer isto. Eu poderia passar o resto da minha vida sentindo este cheiro.
— Posso lhe dar a receita — disse ela. — Não é como se você nunca mais fosse vê-los de novo.
Ele percebeu que ela se arrependeu instantaneamente do que dissera. Houve um silêncio breve.
— Puxa vida, sinto muito. — disse ela. — Falei sem pensar.
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E aí? hahaha..