— "Puxa vida?" — Ele se forçou a não rir alto.
— A maioria das pessoas usa xingamentos bem mais fortes.
Ele suspeitou que ela deu com os ombros. Então, ela disse:
— É uma mistura satisfatória de consoantes e vogais que eu posso murmurar quando estou com raiva. Não gosto de usar... ou escutar... palavrões.
— Puxa vida. — repetiu ele. Dulce também não gostava de linguagem chula. Era uma das coisinhas que ele amara nela. — Funciona para mim.
De repente ele percebeu que fazia muito tempo desde a última vez em que pensara em sua noiva.
— Em todo caso, eu estava no meio de um pedido de desculpas. — disse Anahí.
— Desculpas desnecessárias. Você não precisa censurar seu vocabulário.
Ele deu mais uma mordida no biscoito e fez questão de expressar com clareza seu prazer. Dulce fora a primeira mulher que Alfonso amara. Eles romperam alguns meses depois que ele perdera a visão, e desde então Alfonso passara a evitar relacionamentos.
— Que bom que você gostou dos biscoitos. Quer jantar lá em casa amanhã à noite? Há mais de onde esses vieram.
— Obrigado, mas não?— Sua resposta foi automática. Ele podia ter dominado a arte de comer sem ver a comida, mas ainda morria de medo de passar vergonha. — Eu tenho de cuidar dos cães e...
— Pode levá-los. Um pouco de pêlo de cachorro não vai arruinar minha casa.
— Você realmente não precisa fazer isso.
— Eu quero. Na verdade, não conheço ninguém aqui. Você pode me falar a respeito da cidade.
Bem, ele podia imaginar a cidade.
— Tudo bem. A que horas?
— Seis e meia está bem?
— Sim.
— Algum pedido especial?
— Por favor, nada de espaguete.
Ela riu.
— Aposto que há algumas comidas problemáticas, não é? Tudo bem. Nada de espaguete, eu prometo.
Ele não conseguia identificar o sotaque dela. Às vezes parecia britânico, mas, de vez em quando, ela arrastava as sílabas como uma nativa do Sul dos Estados Unidos. Talvez na noite do dia seguinte ele conseguisse fazer com que ela falasse um pouco sobre si mesma. Seria uma mudança agradável da rotina de responder a perguntas sobre sua cegueira e seus cães.
Anahí finalmente retirou a última caixa de mudança de sua casa nova. Em apenas dois dias, depois que a mobília chegara, ela conseguira colocar quase todas as coisas em seus devidos lugares. Por enquanto, não havia muitos quadros nas paredes, nem qualquer outra decoração pessoal.
Depois de terminar a arrumação, passou o aspirador de pó na casa e foi fazer mais uma fornada de biscoitos. Decidiu preparar galinha assada com batatas, e pãezinhos de aveia e mel. Depois que colocou a massa na máquina de fazer pão, lavou o brócolis para cozinhá-lo no vapor.
Cozinhar ainda era uma diversão, com um leve sabor de coisa proibida. Passara quase dez anos trabalhando como modelo, sempre preocupada com cada grama extra adquirido, mantendo o corpo num peso bem abaixo do que teria naturalmente. Desde que interrompera a carreira, engordara quase seis quilos. Mas fizera isso de forma cuidadosa e, quando se sentira mais como um ser humano do que como um espantalho, passara a se concentrar em manter o peso. Era ridiculamente fácil em comparação com a dieta rígida! que seguira no passado.
Relaxando na água quente da banheira, massageou a panturrilha dolorida. Ela precisava admitir que estava extenuada depois de passar o dia arrumando a casa e, em seguida, cozinhando. Seria terrível se bocejasse na frente de Alfonso ou, ainda pior, se dormisse!
Um pouco antes das seis e meia ela tomou um refrigerante cheio de cafeína enquanto punha a mesa, e então correu para o quarto para pentear o cabelo.
Sua mão parou no meio de um movimento quando ela percebeu o que estava fazendo. Alfonso não podia ver sua aparência!
Essa lembrança foi um pensamento surpreendentemente libertador. Naquela noite ela seria julgada unicamente por sua personalidade e conversa, por como era como pessoa. Sua aparência não iria importar.
Era uma sensação libertadora, mas também aterrorizante. E se ela não fosse uma pessoa digna de interesse?
luizaportilla14: que bom que está gostando, capítulo postado! :D