Fanfics Brasil - Capítulo XXX - What The Water Gave Me Fixed At Zero

Fanfic: Fixed At Zero | Tema: Original, Originais, Terror, Horror, Suspense, Terror Psicológico, Thriller, Romance, Segredos, Pass


Capítulo: Capítulo XXX - What The Water Gave Me

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[A música tema será anexada no momento exato em que deverá ser executada.]


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Alex Montini deixou a delegacia após longas horas preso em um fatigante interrogatório. Rose havia sido levada para o hospital. Retiraram a bala de suas costas, mas nada mais pôde ser feito. Ela não resistira.


Ter dado seu depoimento à polícia havia sido uma tortura para Alex. Imagens do corpo pálido e sem vida de Rose invadiam sua mente, deixando-o atônito.


Anoitecera rapidamente. Ele estava voltando para sua casa, seguindo seu rumo com a cabeça baixa e a mente repleta de perturbadores pensamentos. Sentia-se culpado pelo que ocorrera naquela tarde. Rose tinha razão. Ele arruinava a vida de todos que se aproximavam dele. Era por isso que evitava tanto as pessoas.


Lembrava-se claramente de sua infância e adolescência em Chicago. O modo como os outros alunos de seu antigo colégio o tratavam. O desprezo. A solidão. Alex aprendera desde cedo a viver por si mesmo e mais ninguém. Mas deixava-se levar facilmente pelas provocações das outras crianças. Revidava com golpes e insultos. Isto, consequentemente, resultara em um péssimo histórico escolar e social.


Quando seus pais mudaram-se com ele e a irmã mais velha para Middletown em busca de paz e tranquilidade, ele prometera não se meter mais em encrenca. E, de fato, estava se saindo bem.


Até o dia em que conhecera Emma Connors.


A cena ocorrera há quinze anos, mas ele lembrava-se dela nitidamente. A garota prensada contra a parede do lado de fora de uma boate, levando uma bofetada de um imbecil, fizera com que Alex se enfurecesse em questão de segundos.


E desde então, desde o dia em que apartara ela do ex-namorado, Alex sentira-se completamente preenchido por uma estranha necessidade de protegê-la. Ele havia tentado. Mas falhara. E aquela falha o assombrara desde o dia em que Emma deixou de fazer parte de sua vida. Desde o dia em que ela mesma havia perdido a vida. Todavia, a culpa maior tinha uma ligação com a morte de Emma em si, não com o fato de Alex ter falhado em sua promessa.


Ele tinha uma apresentação no Mancini’s naquela noite. Desejava muito que ela estivesse presente. Tanto que a fizera prometer que estaria lá. Para ele, aquele seria o início de algo. O início da realização de todos os planos que passara a fazer desde o dia em que a vira pela primeira vez.


Entretanto, as coisas não haviam saído como o planejado. Alex dissera à Emma que passaria em frente à casa dela para buscá-la dez minutos antes de sua apresentação no Mancini’s.


Cumprindo com o prometido, Alex Montini seguiu até a casa de Emma. Chamou por ela e logo a viu abrir a porta.


Sua expressão era melancólica, deixando evidente que ela havia chorado.


– O que houve? – ele perguntou.


– Me desculpe. – respondeu sem olhar para ele. – Não irei com você, Alex.


– O quê? – Alex a encarou, surpreso. – Por que não?


– Meu avô pediu para que eu ficasse em casa.


– Mas, Emma... Nós combinamos...


– Eu sei, eu sei. – ela o interrompeu. – Ele não quer que eu o acompanhe, Alex. Sinto muito.


Ele bufou, dizendo:


– Você sabia que isto seria importante para mim.


– O que eu posso fazer? – Emma tentava conter as lágrimas.


– Mas que droga, Emma! – exclamou com raiva. – Será que você não pode enfrentar as pessoas pelo menos uma vez na vida?


– O-o que? – indagou com a voz trêmula. Ele jamais falara com ela naquele tom.


– Isso era importante para mim. Para nós. Quando é que você vai parar de se esconder de seus problemas? Quando é que você vai deixar de ser tão... Fraca?


Emma levantou o olhar e fitou-o, incrédula. Por um instante julgara ter ouvido mal, mas não. Ele havia mesmo dito aquilo. Ela havia agido como eles. Como todos eles. Ele também não a compreendia. Ninguém conseguia compreendê-la. Era este o maior fator para toda a solidão que ela sentia.


– O que está dizendo? – a voz de Emma soou baixa e carregada. Já não conseguia conter as lágrimas que escorriam por seu rosto.


Alex arrependeu-se imediatamente do que havia dito. Havia cometido um erro. Havia agido de forma completamente egoísta. Censurou-se mentalmente pelo que dissera a ela.


– Emma...


– Saia daqui! – declarou ela em voz muito alta. – Saia!


– Por favor...


– Não quero que me procure nunca mais! Vá embora! – lágrimas de indignação e tristeza desabavam de seus olhos. – Você é como eles!


– Emma, eu não...


– Vá embora! Vá embora! – ela gritava freneticamente. Alex viu quando Arthur Connors surgiu por detrás da neta. Seu olhar era severo e ele demonstrava total desaprovação quanto àquela cena.


– Emma, venha para dentro. – ordenou ele. Ela obedeceu sem sequer lhe dirigir uma única palavra. O olhar do velho Sr. Connors imediatamente caiu sobre Alex Montini que se encontrava parado à sua porta, sentindo-se impotente em relação ao que causara.


– Nunca mais procure minha neta, me ouviu? – disse em tom autoritário. – Desapareça de nossas vidas!


Alex olhou assustado para o homem que lhe falava em tom ameaçador. Virou-se e se afastou dali o mais rápido que pôde. Aquela fora a última vez que vira Emma. Naquela mesma noite, segundo as informações a respeito de seu assassinato, Emma havia fugido de casa rumo ao Mancini’s. Certamente queria se reconciliar com Alex. Ou queria lhe pedir para que não a deixasse. Mas jamais fora capaz de fazer com que aquilo acontecesse. Ela partira naquela noite e Alex não pôde dizer-lhe que a amava e que não queria magoá-la outra vez. Mas era tarde demais.


Com a mente presa à estas lembranças, Alex Montini seguia seu caminho para casa. As ruas estavam vazias. Nenhum sinal de veículos ou pessoas. A brisa vinda do rio era suave, tranquilizadora. O céu estava forrado com nuvens carregadas, ameaçando uma forte chuva.


Conturbado e perdido com mil pensamentos em mente, Alex não notara a presença que vinha logo atrás dele.


Mas sentiu quando algo colidiu fortemente contra sua cabeça, fazendo com que ele perdesse os sentidos e caísse ao chão.


–--


Trevor Williams sentia-se forçado a se recuperar de seus ferimentos que, agora, já não se encontravam em estado tão crítico. Guiou com seu carro acinzentado até a casa de Heather.


A casa que antes pertencera à Emma e seu avô. Estacionou o automóvel em frente à casa e saltou para fora, caminhando na direção da porta. Bateu nela por diversas vezes. Não houve resposta. Girou a maçaneta. Estava trancada.


Concluindo que Heather não estava lá, Trevor olhou ao redor para se certificar de que não havia mais ninguém ali por perto. Recuou, afastando-se da porta e, em seguida, avançou para a mesma em alta velocidade, jogando o peso de seu corpo para frente. A porta foi aberta rapidamente e, quando isto aconteceu, ele teve de manter seu equilíbrio para não cair.


Olhou para todos os lados. A casa estava limpa. Arrumada. Heather realmente não estava ali. Não havia qualquer sinal dela. Ele analisou a sala de estar por alguns minutos. Decidira investigar tanto a morte de Emma quanto o passado de Heather. Para isso, o primeiro passo era seguir para o local mais privado de ambas. A casa.


Começou a vasculhar as gavetas da estante, o sofá, as mesas. Abrindo e fechando portas, Trevor Williams chegou à irrelevante conclusão de que não havia nada ali. Pelo menos nada que pudesse ajudá-lo a chegar a algum lugar. Na verdade, tudo aquilo estava levando ele a lugar nenhum.


Deixou-se cair no sofá da sala, soltando um suspiro de derrota. Passou os olhos pela mesa de centro logo à sua frente. Apenas um objeto se encontrava ali. Um livro. Ele instintivamente lembrou-se da noite em que toda a cidade sofrera umblackout. Na noite em que ele fora àquela casa para se certificar de Heather estava bem. Lembrou-se também do que ela havia dito a respeito daquele mesmo livro.


Foi um presente de Charles, meu falecido marido... Disse-me que isto faria algum sentido para mim uma vez que eu coloque um fim em todos esses problemas...


Trevor rapidamente inclinou-se para frente, tomando posse do livro. Encarou a capa por segundos e então começou a folheá-lo, passando seus olhos sobre as palavras em busca de qualquer coisa que lhe fosse útil naquele momento.


A ansiedade o sufocava, mas não era apenas isto. Também temia por Heather. Onde ela estaria agora? O que estaria fazendo? Precisava encontrá-la. Decidiu que faria isto depois que tivesse em mãos algo que pudesse ajudá-la a descobrir toda a verdade. Olhou para o livro novamente.


Subitamente, sua mente foi iluminada por algo. Um detalhe. Um pequeno e quase imperceptível detalhe que, naquele momento, fazia toda a diferença. Estava ali. Claro. Óbvio.


Trevor Williams amaldiçoou-se por ter deixado algo tão importante ter passado por ele de modo despercebido.


–--


Alex abriu os olhos. Sua nuca latejava violentamente. Sua visão estava embaçada e ele sentia sua cabeça rodar. Encontrava-se em pé. Mas algo lhe apertava. Balançou a cabeça e, de repente, sua visão começou a se normalizar.


Viu uma silhueta feminina parada em frente a ele. Levou tempo para identificá-la, mas só teve certeza de quem se tratava quando ela começara a falar.


– Não acredito no que fez com ela.


– H-Heather... – balbuciou ele. Sua cabeça pendia para frente, mas sua visão finalmente estava de volta ao normal. Foi quando ele se deu conta de que estava preso à uma árvore. Olhou ao seu redor. As outras árvores cobriam a estrada que se encontrava à frente deles. Alex reconhecera aquela estrada. Era River Road, do outro lado da cidade. Um lugar muito afastado.


O Rio Connecticut encontrava-se logo ao lado. O som de suas águas era inebriante, calmo. Alex tentou encarar Heather. Os olhos dela eram frios. Rudes. Acusadores. A raiva que a consumia era perceptível.


– Como pôde ter feito aquilo? – inquiriu em um tom de voz ríspido e severo.


– Eu não fiz nada... – ele respondeu com certa dificuldade. A garganta estava seca.


– Mentira! – protestou Heather. Tinha as sobrancelhas franzidas e parecia ranger os dentes. – Tudo o que você diz é mentira.


– Heather...


– Você a matou, Alex! Você a matou!


– Está enganada...


– Já chega! – ela virou-se de costas e começou a caminhar de um lado para o outro. Ela estava proferindo palavras que Alex não pôde ouvir. Era como uma prece. Uma prece articulada em sussurros repetitivos. – O peso da culpa... O peso da culpa...


– Heather! – Alex a chamou. Viu-a se virar para encará-lo. O olhar no rosto dela era insano. Irreconhecível. – Você precisa entender de uma vez por todas. Eu nãomatei Emma!


– Mentiroso! – gritou ela. – Você é como eles!


Alex arregalou seus olhos, surpreso. Um choque se alastrou por seu corpo. Uma sensação de familiaridade o invadiu.


Ouvira aquela mesma frase antes. Quinze anos atrás. No mesmo tom. Em meio aos mesmos sentimentos.


Era como um déjà vu. Um flashback que estava sendo interpretado por outra pessoa.


– Você sabe que não é verdade. – afirmou ele.


– Cale-se!


– Você sabe que eu não fiz aquilo, Heather. Sabe que eu jamais machucaria Emma. Assim como eu jamais machucaria você. – Alex não se limitou às palavras. Prosseguia firmemente, certo de que a faria enxergar a realidade da qual ele falava.


– Você... É... Um... Mentiroso... – dizia ela com os dentes cerrados. O ódio refletido em seus olhos causara o pânico de Alex.


– Por que acha que eu fiz aquilo? Por que acha que eu matei Emma?


– Porque ela disse. – respondeu rapidamente.


Alex fitou-a, surpreso.


– Ela lhe disse isso? Ela disse que eu a matei? – perguntou ele. – Porque essa não é a Emma que eu conhecia. Emma não mentiria. Ela sabe que eu não fiz nada.


– O peso da culpa cairá sobre ele e o revelará. – ela repetiu a frase dita durante sua sessão de hipnose.


– O que está dizendo? – Alex estava confuso e assustado.


– Foi isto o que ela disse. – Heather explicou. – Foi você mesmo quem sempre disse se sentir culpado, com um peso na consciência. Emma deixou claro que foi você. Era você o tempo todo!


– Heather, por Deus!


– Não quero ouvi-lo! – interveio ela. – Basta! Chega de mentiras! – Heather voltou a caminhar de um lado para o outro. Parecia estar planejando algo. Calculando passos a serem dados a partir daquele momento.


– O que pensa que vai fazer? – ele indagou.


– Vou fazer com que confesse toda a verdade. – ela enfiou uma das mãos no bolso de sua calça, retirando o celular que Trevor Williams havia lhe dado anteriormente. Fazendo algumas seleções no aparelho, Heather depositou-o sobre o chão logo à sua frente. – Vamos. Diga.


– Mas que diabos é isto?


– Gravarei a sua confissão e entregarei à polícia. – respondeu. – Você tem duas opções: confessar... Ou começar a rezar.


O ódio de Heather era imenso. Alex estava seguro disto. A mulher que lhe falava naquele tom estava disposta a qualquer coisa para conseguir a verdade. Verdade da qual ele não sabia.


– Heather, por favor... Eu não matei Emma.


– A verdade. Anda, diga! – ela se aproximou dele, fitando-o nos olhos. – Você brincou com ela, não foi? Aposto que se divertiu muito à custa dela. Foi divertido para você, Alex?


– Eu não a matei!


– Diga-me. Foi divertido ter brincado com os sentimentos dela?


– Não a matei!


– Foi divertido ter feito com que ela perdesse a cabeça e começasse a se automutilar?


– Eu não sou o assassino de Emma!


– A vomitar todas as refeições do dia?


– Não fui eu!


– Foi divertido ter feito com que ela se sentisse um lixo, chamando-a de fraca? Vamos! Responda!


– Eu. Não. Matei. Emma. – disse ele em pausas, tentando manter sua calma.


– Eu não ouvi direito.


– Eu não a matei! – ele gritou.


– Você é um excelente ator. – Heather emitiu um riso irônico, afastando-se dele. – Ela confiava em você. Ela amava você.


– E eu a amava, Heather. – afirmou ele calmamente. – E eu juro que me culpei todos os dias pelo que aconteceu. Eu juro. Eu realmente poderia ter evitado aquilo se não tivesse discutido com ela antes. – Alex falava com o coração aberto, deixando que raras lágrimas de emoção surgissem em seus olhos. – Mas eu não a matei. Eu não a matei.


Heather olhava fixamente nos olhos dele. As lágrimas escorriam pelo rosto do sujeito cujo qual ela designara culpado pela morte de Emma. Lágrimas que, certamente, não convenceriam Heather tão facilmente.


– Eu não a matei, Heather. Tem que acreditar em mim.


– Pela primeira vez na vida, acho que devo concordar com você, Alexander. – uma voz surgiu por detrás das árvores que balançavam devido à brisa vinda do rio.


Instintivamente, Heather virou-se para trás, olhando na direção da voz. Seus olhos se abriram por completo quando se encontraram com os da pessoa que lhes falava.


Parada ali, no meio de toda aquela grama amarelada, com ar triunfante e um olhar indiferente, Amanda Thornton assistia à cena como uma espectadora insatisfeita.


– Amanda?! – Heather arqueou as sobrancelhas. Seu coração batia violentamente rápido. Sua respiração agora cessara. – O que está fazendo aqui?


– Quando você chegou à cidade, – Amanda começou a avançar seus passos, evitado olhar Heather nos olhos. – Eu confesso que achei absurda a ideia que me surgiu na mente. Então eu tive que me certificar. Tive que investigar para ter certeza de que era você mesma.


– O-o que...?


– Quem diria... – ela suspirou, sorrindo. – Você deve saber. Éramos como as três mosqueteiras. Jodie, Emma e eu. Mas Emma sempre fora mais próxima a mim do que Jodie. Éramos melhores amigas. Ela era uma pessoa maravilhosa. – Amanda não hesitava em falar, seguindo seus passos ao redor de Heather. Um animal espreitando sua presa. – Doce. Gentil. Inteligente. Bela. A garota perfeita. Todas queriam ser como ela. Inclusive eu. – ela abriu outro sorriso. – Mas era impossível. Era impossível para qualquer uma ser como Emma. Ela estava no nível mais alto de todas as qualidades. Era quase como se ela fosse uma obra de arte. Sem falhas. – levantou seus olhos para finalmente encarar Heather. – As pessoas costumavam gostar dela. Os garotos queriam chamá-la para sair. E então... Oh, sim. Então ela conheceu Frank. – o sorriso desapareceu. – Frank jamais a teria feito feliz. Ele foi o maior erro da vida dela. E eu disse isso a ela. Eu sempre dizia. Ele não era para ela. Ninguém era. – Amanda fitava os olhos de Heather com seriedade. – Ninguém a não ser eu.


Heather franziu a testa, deixando toda a confusão que a invadia de dentro para fora transparecer. Amanda continuou a falar:


– Estar com Emma era algo incrível. Somente eu sabia valorizar cada segundo ao lado dela, cada palavra que ela dizia, cada movimento que ela fazia, cada segredo que ela me contava... Quando ela finalmente rompeu com Frank... Ah, se você soubesse como eu agradeci a Deus por isso! – sorriu mais uma vez. – Eu finalmente poderia passar mais tempo com ela. Estar ao lado dela o dia todo. A todo o momento. A atenção dela seria exclusivamente minha. Assim como a própria Emma. – ela prosseguia com suas palavras como uma torneira aberta, deixando escorrer toda a verdade oculta há tantos anos em seu interior. – Mas esse... Esse desgraçado apareceu na vida dela! – Amanda virou-se para Alex, dirigindo a ele um olhar repleto de rancor. – E fez com que ela se afastasse de mim. Fez com que ela me abandonasse para sempre. Tirou-a de mim como num passe de mágica. – ela balançou a cabeça negativamente. Lágrimas começaram a escorrer por suas bochechas, despencando no chão. – Eu a perdi... – levantou o rosto. – Eu a perdi. Ela não se separaria dele por mim. Não por mim. Não... – as lágrimas continuavam caindo. – As pessoas começaram a deixá-la de lado por causa dele. Todas as coisas ruins que aconteceram na vida dela foram por causa dele. Mas não foi ele quem a matou. – ela passou ambas as mãos pelo rosto, tentando parar suas lágrimas. – Eu já não conseguia mais ver... Vê-la ao lado dele... Com ele... E não comigo... Eu era a única que a amava de verdade. A única! – exclamou histericamente. – Mas ela não voltaria para mim. Não ficaria comigo. Ela não me amaria. Não como eu a amava. – as lágrimas tornaram a aparecer em seu rosto. – Eu não tive escolha, você entende? Eu não aceitaria... Não aceitaria vê-la feliz ao lado de outra... Outra pessoa. Não aceitaria. – Heather não esboçava reação alguma. Estava congelada. Os pés fincados na grama. Ouvia atentamente o que a garota dizia. – Era noite... Eu havia saído para beber com... – ela soltou um riso abafado e irônico. – Acredite se quiser. Frank Palmer. Ele mesmo. E, claro, alguns outros garotos do colégio... Estávamos andando de carro, música alta e muita bebida, e... Então eu a vi. Estava andando no meio do escuro. Usava um vestido verde. Era tarde. Muito tarde. – ela fez uma pausa para se lembrar. – Pedi para que parassem o carro. Ela estava assustada. Colocamo-la dentro do carro e seguimos. Seguimos até... – Amanda olhou para os lados e abriu os braços indicando os seus arredores. – Até aqui. Bem aqui.


Heather estremeceu. Ainda sentia-se incapaz de emitir qualquer tipo de reação. Seus olhos estavam vidrados nos de Amanda. Ela prosseguiu com sua narração:


– Era para ser divertido. Paramos o carro e a colocamos no chão. Frank me deu uma garrafa de cerveja e me pediu para me sentar, pois o show já estava para começar. Foi o que ele disse. E eu obedeci. – ela já não sorria mais. – E, bem... Não foi muito bonito. – Amanda respirou fundo e olhou para Heather com um olhar que ela não conseguia interpretar. – Era pra ser uma brincadeira, sabe? Eu só queria assustá-la, dar uma lição nela, fazer com que... Não sei... Com que ela achasse que Alex havia feito aquilo. Assim ela o deixaria e... – ela recomeçara a chorar. – E voltaria para mim. – Amanda agora soluçava sem parar. – Mas as coisas passaram dos limites. Eu... Eles não paravam, eles não paravam... Apenas... Apenas continuaram a fazer aquilo... Até que ela se foi... Ela não reagia mais. Estava... Estava morta... E, Deus! Eu não sabia o que fazer! – o rosto estava encharcado de lágrimas e ela mal podia falar, dominada pelos soluços. – Depois de... De um tempo eu percebi... Acho que foi melhor ter sido assim... Ela não seria minha de qualquer forma... E nem dele... – ela respirou fundo mais uma vez, contendo as lágrimas. – Mas você deve saber de todos os detalhes melhor do que eu. – olhou profundamente nos olhos confusos de Heather. – Não é mesmo... Emma?


Espantada, Heather não pôde controlar a forte e súbita onda de angústia que a dominara no momento em que ouvira aquilo. Suas pernas não paravam de tremer, condizendo com suas mãos que suavam friamente.


Sentiu que algo a invadia rapidamente, sufocando-a como uma mão ao redor de seu pescoço. Algo que lhe apertava com força, com brutalidade, impedindo-a de respirar.


–--


Após algumas ligações, Trevor Williams novamente apoderou-se do telefone que encontrara na casa de Heather. Sua chamada logo fora atendida.


– Por favor, o diretor Jones. – inquiriu Trevor nervosamente.


Ele tinha o livro de Heather em uma das mãos e o auscultador na outra. Uma voz feminina o pediu para que aguardasse na linha. Poucos minutos mais tarde outra voz surgiu na ligação.


– Williams, o que quer? Sabe que horas são?


– Sr. Jones, precisa me ouvir. É sobre uma das pacientes que fugiram na explosão da clínica.


– Ora, essa! – exclamou o sujeito, zangado. – Me poupe de suas investigações baratas.


– Por favor, o senhor tem que me escutar. – ele estava ao ponto de implorar.


– Pois diga.


Trevor suspirou, segurando o auscultador com mais força.


– Heather McLean. Lembra-se dela? Nunca conseguiram diagnosticar seu problema em quinze anos.


– Mas que tipo de merda você tem na cabeça para me ligar a essa hora da noite? E ainda por cima para falar sobre aquele caso perdido?


– Sr. Jones... – Trevor apertou o aparelho, tentando manter sua postura. – Heather sofre de um transtorno dissociativo de identidade.


– Como pode ter tanta certeza? – indagou o diretor do antigo hospital.


– Acabo de entrar em contato com a secretaria de segurança pública e habitação da cidade de Hartford e Middletown. – explicou o Dr. Williams. – Nunca houve ninguém com o nome de Heather McLean em ambas as cidades.


– E o que isto significa?


– A paciente que esteve em seu hospital por quinze anos... – ele respirou fundo. Seus batimentos cardíacos eram rápidos. Seu nervosismo era quase incontrolável. – Na verdade chama-se Emma Connors.


Trevor pôde ouvir Robert Jones se penitenciar do outro lado da linha por não ter lhe dado a devida atenção logo no início daquela ligação. Trevor Williams acrescentou:


– Heather é um alter ego. Ela não existe.


Robert Jones soltou sua respiração, incrédulo.


– Merda! – exclamou. – E onde ela está agora?


– Emma está atrás da pessoa que tentou matá-la. – Trevor respondeu. – Está atrás da verdade.


–--


– Não sei como fez para sobreviver, mas aqui está você. – Amanda Thornton falava agora em tom rude e áspero. – Quando a vi, não acreditei. Tive que ter certeza. Quando pedi para que Frank sequestrasse seu namoradinho... As brincadeiras que fizemos com você durante aquelas ligações... Foi quando eu tive certeza. No banheiro do colégio, na igreja... Eu armei a cilada perfeita e você se entregou impensadamente. Era você mesma.


– O q...


– Você queria descobrir o que aconteceu naquela noite, mas... Mas você se lembra, não é, Emma? Você se lembra.


– Não! – Heather disse em objeção.


– Lembra-se daquela noite. Sei que se lembra.


– Não! Não! Não! – ela colocou as mãos sobre a cabeça que começara a latejar mais forte do que nunca. Ela jamais sentira uma enxaqueca tão grande.


Era impossível controlar a dor. A sensação que a sufocava subitamente parecia estrangulá-la com violência. Ela sentiu que algo lhe atingia o estômago e então, fechou os olhos.


As imagens e as vozes que antes se mesclavam umas nas outras agora fluíam normalmente. Eram reproduzidas com nitidez. Clareza.


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» MÚSICA DE FUNDO «


Emma estava deitada na grama. No chão. No meio do nada. Havia um corpo sobre dela. Assim como havia mãos que se insinuavam entre suas coxas. Mãos que lhe apertavam, forçando-a a se manter imóvel.


Ela ouviu risos. Gargalhadas. Vozes embriagadas e debochadas. Tinha os olhos fechados, mas gritava como uma louca. Implorava por ajuda. Por socorro. Mas ninguém parecia lhe ouvir.


Sentiu que levantavam seu vestido, puxando suas roupas íntimas para baixo, forçando suas pernas a se afastarem.


– Não! – gritou ela. – Por favor, não! Não! – lágrimas frias escorriam incontrolavelmente por suas faces.


– Calada... Quietinha...


Ela reconhecera aquela voz, embora estivesse em tais circunstâncias. Era cruelmente familiar.


– Frank, não! Não! Por favor! Por favor! Pare! – implorava.


– Façam-na calar a boca! – a voz de Frank Palmer ordenou. Emma sentiu que uma mão era pressionada contra seus lábios, fazendo-a se calar. Bruscamente ele forçou-se para dentro dela. Emma soltou um grito que fora abafado pela mão que tapava sua boca. Lágrimas de dor e desespero escorriam por seus olhos.


E, então, ele parou, saindo de dentro dela aos risos. Aquilo durara minutos.


Todavia, Emma sentira aqueles mesmos movimentos rápidos e frenéticos dentro dela mais uma vez. E outra. Mais uma.


Quatro vezes no total. Quatro pessoas diferentes.


Todas elas proferindo palavras em uma voz sádica e debochada. Pareciam estar se divertindo, mas não tanto quanto Amanda.


Encostada á uma árvore com uma garrafa nas mãos, Amanda Thornton assistia àquela cena com naturalidade. Havia um sorriso em seu rosto. Era quase como se aquilo tudo causasse o seu mais profundo deleite.


Entretanto, o estrupo havia sido apenas uma preliminar. Um dos sujeitos retirou um isqueiro do bolso de sua jaqueta.


– Vamos ver a bruxinha pegar fogo. – disse em tom sugestivo.


Frank soltou uma gargalhada alta. Tomou a garrafa de cerveja das mãos de Amanda e o isqueiro de seu amigo, aproximando-se do corpo de Emma que lentamente se movimentava.


Ela sentia-se fraca. Machucada. Um líquido foi despejado sobre seus braços e pernas. Era gelado. Ela tremeu quando aquilo entrou em contato com sua pele. Frank deixou toda a bebida cair sobre ela e depois atirou a garrafa longe. Acendeu o isqueiro e aproximou-o do corpo dela.


Os braços dela logo se acenderam. O fogo iluminou todo o ambiente. E os gritos de terror que ela emitia eram como música para os ouvidos de Amanda. Uma aterrorizante melodia. Frank apressou-se em também atear fogo nas pernas da garota. Ela gritava e rolava na grama, pedindo ajuda. Ela rolou seu corpo pelo chão até o fogo cessar. Sua pele ardia. Queimava. Uma ardência insuportável.


Ela já não conseguia mais chorar. Sentia-se vazia. Desejava que tudo aquilo fosse um pesadelo, do qual queria acordar o mais rápido possível. Mas não podia. Era real. As dores eram reais, assim como os ferimentos espalhados por todo o seu corpo.


Um dos sujeitos aproximara-se dela, colocando-a em pé. Empurrou-a na direção de outro sujeito. Este jogou seu corpo contra o tronco de uma árvore. Ela bateu com a cabeça. Sangue esguichou de seu nariz.


Outro se aproximou dela, forçando-a a se levantar mais uma fez. Deferiu duas violentas bofetadas em seu rosto, fazendo com que ela fosse ao chão novamente.


Mais um deles tornou a levantá-la. Roçou seus lábios contra o dela, dando-lhe um beijo brutal. Ela começou a se debater, tentando se desvencilhar, mas não conseguia. Não tinha forças. Todos riam.


Frank Palmer a segurou nos braços, jogando-a contra outra árvore. Havia ferimentos por todo o seu rosto. Sangue escorria por todas as partes. Seu corpo estava fraco. Ferido. Destruído.


Eles tornaram a chocá-la contra as árvores e, depois, contra o chão. Diversas vezes. Rindo. Gargalhando. Até que ela já não conseguia mais reagir.


Sua alma começara a evaporar. Sua essência estava escapando, se esvaindo de seu corpo. Ela sentiu seus olhos inchados pesarem. Não conseguia mais mantê-los abertos. A dor não pararia, o sofrimento não acabaria se ela continuasse a reagir.


Decidiu-se, então.


Fechando seus olhos e deixando-se levar pelas trevas que a envolviam lentamente, Emma deixou-se cair no abismo da morte com os braços abertos.


Era um poço sem fundo. Uma viagem infinita. Escura. Melancolicamente acolhedora. Era tudo ao que ela podia se agarrar no momento. Sua única saída. Um raio soou nos céus. Alto e estrondoso.


As agressões pararam. Frank Palmer olhou para a garota no chão. Ela não se debatia mais. Ergueu-a pelos braços e fitou seu rosto machucado. Os olhos fechados. Os lábios cortados e inchados. Sangue banhando sua pele. Balançando a cabeça de um lado para o outro, ele declarou:


– Deve ter desmaiado.


Um dos outros garotos aproximou-se deles e agarrou um dos pulsos de Emma. Em seguida, levantou os olhos lançando para Frank um olhar de preocupação.


– Não tem pulsação.


Frank rapidamente deitou-a sobre a grama mais uma vez. Tomou seu pulso e concluiu que não havia mais nenhum batimento sequer. Gotas de chuva espessas e pesadas começaram a cair.


– Merda... – murmurou. Inclinou-se sobre ela, pousando ambas as suas mãos sobre o peito dela, fazendo pressão para baixo várias vezes seguidas. Depois tornou a tomar-lhe o pulso. Nada. Suas roupas já estavam todas molhadas devido à chuva forte. Relâmpagos iluminavam o ambiente com seus flashes inesperados. Frank, ajoelhado ao chão perto do corpo da garota, virou-se para seus amigos.


– Está morta.


– Está brincando! – Amanda colocou-se em pé e avançou para ele, incrédula e perplexa. – Não pode ser!


– Ela não reage, não respira. – Frank estava tão desesperado quanto ela. – Está morta.


– Merda! Merda! – os outros começaram a se apavorar, andando de um lado para o outro, murmurando palavras de angústia.


– Que diabos faremos agora? – um deles perguntou.


– Não era para acabar assim! Isso não devia ter acontecido! – disse o outro. – O que vamos fazer? Vão encontrá-la! Vão descobrir que...


– Cale essa maldita boca! – protestou Amanda. Estava furiosa e angustiada. – Preciso pensar.


– Não há o que pensar, tá legal? – o garoto que se encontrava em maior desespero não conseguia parar de falar. – Estamos ferrados. Completamenteferrados! A polícia vai encontrar o corpo! Nós vamos acab...


– Já mandei calar a boca! – Amanda fez um sinal para que Frank e os outros prestassem atenção no que ela dizia. – Sei o que fazer. Venha. Ajude-me.


Amanda agachou-se e segurou Emma por um braço, tentando levantar seu corpo. Frank segurou-a pelo outro, auxiliando Amanda. Mais dois deles seguraram-na pelas pernas.


O corpo estava coberto de feridas. Sua pele estava chamuscada. Seu rosto estava irreconhecível. Amanda conduziu o corpo até a beira do rio que ali se encontrava.


Os outros a ajudaram, ainda sem entender.


– Pronto? – ela indagou olhando para eles. Todos emitiram um sinal positivamente hesitante com a cabeça. Depositaram o corpo sobre a beirada do rio e começaram a empurrar. – Um... Dois...


Empurraram com toda a sua força até que o corpo foi projetado para dentro do rio, causando um splash melodioso ao tocar a água.


Amanda e Frank aproximaram-se da beira do Rio Connecticut e olharam para baixo.


– Fomos longe demais. Isso não tinha de acabar assim. – lamentou-se ele.


– Isto não deve sair daqui. – Amanda virou-se para todos eles. – O primeiro que ameaçar falar qualquer coisa a respeito do que aconteceu aqui... Morre.


Todos assentiram. Ela tornou a olhar para o rio. O corpo já não estava mais lá. Ela concluiu que ele afundara. Queima de evidências. Ninguém jamais saberia da verdade. Nunca.


Mal sabia ela que estava enganada.


» MÚSICA DE FUNDO «


Emma abriu seus olhos, mas nada conseguia ver. Algo a impedia de respirar. Algo invadia seu corpo. Era frio, incontrolável, forte. Ela fez um movimento com os braços ainda feridos e concluiu que tudo o que havia ao seu redor era água.


A mesma água que agora a invadia.


Era curioso. Ela não conseguia sentir dor debaixo d’água. Era como se a água a acolhesse e a livrasse de toda aquela agonia que, minutos antes, estivera destruindo-a aos poucos. Mas não podia permanecer ali. Ela buscava por ar. Oxigênio. Foi quando percebeu:


Não estou morta!


Moveu seus braços e pernas com movimentos desajeitados e rápidos, sentindo seu corpo flutuar, subindo. Seus pulmões estavam famintos por ar. Quando sua cabeça passou pela superfície, ela sentiu um forte choque térmico colidir contra seu corpo. Ela enxergava com muita dificuldade. Mal conseguia respirar. Procurava por ar freneticamente. Seus pulmões aos poucos eram preenchidos pelo oxigênio.


Ela começou a tossir e a jorrar água. Sua cabeça pesava de modo que uma forte enxaqueca tomara conta dela. Olhou ao redor. Havia água por toda parte. Ainda sentia-se demasiadamente fraca. Começou a bater seus braços e pernas, guiando pela água até encontrar terra firme.


Deixou-se cair sobre a lama na beira do rio, ainda jorrando água pela boca e narinas. A simples ação de respirar fazia com que seu corpo ardesse por dentro. Ela deitou-se sobre o chão úmido e sujo, tentando controlar sua respiração, fazer com que ela se normalizasse por completo.


Fechou os olhos e imediatamente sentiu um súbito medo a invadir. Tentou se colocar em pé e adentrou as árvores que se encontravam logo à sua frente, cambaleando pelo caminho.


Ela seguiu seu rumo desconhecido até não conseguir mais se manter acordada. Deixou seu corpo cair sobre o chão mais uma vez, cerrando seus olhos. Acordara na minha seguinte. Os fortes raios do sol penetravam seus olhos cruelmente. Ela foi obrigada a procurar por sombra debaixo das árvores. E lá ela ficou. Não apenas uma noite ou um dia, mas várias noites e vários dias.


Alimentava-se de todas as frutas que conseguia encontrar. Dormia no meio da terra e do mato. Lavava-se no rio. Porventura, enquanto procurava por frutas em uma tarde nublada, ela acabara encontrando uma árvore diferente.


Começou a descascar seu tronco com uma pedra. Um líquido de cor indefinida escorreu dela. Seu cheiro era suave. Emma recolheu um pouco daquilo e passou nos cabelos.


Fez o mesmo com o suco que retirava do limão, pois gostava do aroma. Com o passar dos dias, aquilo foi fazendo com que seus cabelos naturalmente escuros ficassem mais claros até se tornarem dourados. Mas ela não se importava. O cheiro de limão causava nela uma suave sensação de limpeza.


Não havia visto ninguém desde então. Os ferimentos espalhados por seu corpo a incomodavam. Coçavam. Sangravam. Ela passara a espalhar lama e folhas por todas as feridas, na esperança de que aquilo fosse aliviar sua agonia.


De fato, funcionara.


Aquilo causava nela um prazeroso alívio. Para sua surpresa, aquilo também ajudara na cicatrização de seus ferimentos. Em questão de dias eles já estavam fechados e, consequentemente, não havia qualquer rastro de cicatriz em sua pele.


Mas ainda haviam feridas em sua alma.


Quando aquele ambiente já não lhe parecia tão seguro quanto antes, Emma seguiu outro caminho. Um rumo para lugar nenhum. Este rumo, entretanto, fizera com que ela fosse parar no meio de River Road – uma estrada para fora de Middletown –.


O barulho dos carros a incomodava. Toda aquela movimentação a estava deixando assustada. Não era um lugar tranquilo e pacífico como onde passara os dias anteriores. Ela queria que todos aqueles sons e imagens parassem.


Soltou um grito horrivelmente selvagem, correndo para o meio da pista.


Um veículo vinha em alta velocidade na direção dela. Este freou bruscamente à sua frente, quase chocando contra seu corpo. Emma o encarava com fúria. Dois homens uniformizados desceram do carro. Era um carro de polícia.


– Está maluca?! – indignou-se um deles. O outro fitou com curiosidade a garota de cabelos dourados desalinhados e vestido cheio de rasgos e manchas de sujeira. – Queria nos matar?


– Ei, ei... – o segundo policial se aproximou dela com cautela. – Você está bem?


Não houve qualquer resposta.


– Quem é você?


Silêncio. Ela os fitava com um olhar apaticamente opaco. Não havia qualquer tipo de emoção em sua expressão.


O policial que havia se indignado abanou a cabeça e disse:


– Coloque-a no carro.


O outro obedeceu. Segurou-a por um braço, guiando-a para o automóvel. Abriu a porta de trás e empurrou-a para dentro. Os policiais instalaram-se nos bancos da frente e o carro arrancou.


Durante o percurso para a delegacia de Hartford, a garota não disse nenhuma palavra sequer. Um olhar vago em seu rosto. Ela não reagia. Levaram-na para a delegacia da cidade. O delegado a recebeu com má vontade.


Era um sujeito na casa dos quarenta anos, tinha cabelos grisalhos bem penteados e um olhar severo. Colocaram a garota para se sentar na cadeira em frente a ele. O delegado inquiriu de primeira:


– Quem é você?


Ela se manteve calada, mas a pergunta tornou a soar:


– Diga-me. Qual é o seu nome?


– O meu nome – ela levantou seus olhos castanhos para fitá-lo. – É Heather. Heather McLean.


– E o que houve com você, Heather?


Ela subitamente pareceu confusa.


– N-não me lembro... Não sei...


– Pode me passar algum contato? Poderemos chamar um familiar, um amigo para vir lhe buscar.


– Não tenho ninguém. – respondeu.


– Onde você mora?


– Eu... Eu não sei...


O delegado emitiu um suspiro de derrota.


– Tudo bem.


Naquele mesmo dia mandaram-na para uma clínica psiquiátrica da cidade. Entraram com seu pedido de internação na Jones & Johnson apresentando-a como Heather McLean.


Os médicos tentaram insistentemente tentar entender o que estava em sua mente. De onde ela tinha vindo. O que havia acontecido com ela. Mas nem mesmo a própria Heather lembrava-se de seu passado. Ela não tinha um passado. Seu passado pertencia à outra pessoa. Outra vida.


Heather sentiu a pressão contra seu estômago relaxar. Ela estava voltando à realidade. Voltando ao momento onde tudo – finalmente – estava começando a fazer sentido.


_________________________________________________


– Eu tenho te observado desde o dia que chegou a esta cidade. – sussurrou Amanda. Seu tom de voz era insanamente assustador. – Mas tive medo de me aproximar demais. Eu... Eu não queria a sua rejeição... Não sei por que voltou, Emma. – ela avançava para Heather em passos cautelosos. – Mas vou te mandar para o lugar de onde você não deveria ter saído. Ficaremos juntas. Juntas para sempre. No inferno.


Heather viu Amanda retirar do bolso traseiro de sua calça um revolver, em seguida, avançando rapidamente para ela. As duas caíram no chão, rolando pela grama. Heather tentava inutilmente afastá-la de si.


– Ficaremos juntas, Emma... Juntas... – Amanda ria e chorava ao mesmo tempo, segurando a arma na mão, rolando com Heather pelo chão.


– Amanda! Pare! – Alex gritava sentindo-se inútil perante aquela situação. Ainda estava preso à árvore. – Deixe-a em paz!


– Juntas para sempre... Juntas para sempre...


Heather esperneava e empurrava-a com as mãos, tentando se livrar dela com toda a sua força. Agindo por seu instinto, cuspiu-lhe no rosto. Amanda fechou os olhos. Heather tateou por debaixo do corpo dela até sentir a arma.


Puxou-a das mãos dela, tomando posse do revólver. Mas Amanda fora mais rápida, fazendo menção de reagir. Abriu os olhos e lançou para Heather um sorriso sádico.


Um tiro ecoou soando alto seguido de um trovão nas nuvens. Um raio caiu ali perto, fazendo todo o chão se estremecer. Alex arregalou seus olhos, assistindo à cena com espanto.


Heather e Amanda fitavam-se fixamente nos olhos. O sorriso de Amanda lentamente se desmanchou em seu rosto. Ela não deixava de olhar para Heather. Seus olhos mudaram de expressão. Havia surpresa e perplexidade neles agora.


Gotas de chuva começaram a cair, cobrindo seus corpos.


– Não... – ela murmurou. – Não, Emma... Não...


Heather respirava ofegantemente. Seu coração disparou e então, de repente, começou a perder o ritmo. Seus olhos estavam muito abertos. A chuva agora caía fortemente. Raios e trovões misturavam-se no céu.


– Emma... – lágrimas escorreram de ambos os olhos de Amanda. – Emma...


Heather sentiu a pressão do corpo de Amanda relaxar repentinamente. Empurrou-a para trás, vendo-a cair no chão. Colocou-se em pé com dificuldade. Havia sangue em suas mãos e em suas roupas. Olhou para a garota deitada na grama.


– Teríamos... Ficado... Juntas... – ela falava com imensa dificuldade. Ainda tinha a arma na mão. – Eu... A amava... Tanto... Emma...


Heather estava paralisada. O sangue de Amanda espalhava-se pelo chão, fundindo-se com a terra molhada. O corpo dela vibrava devido ao choque.


– Meu nome é Heather. – ela olhou uma última vez para Amanda. Estendeu o braço, apontando a arma na direção dela. Tinha seu rosto na mira.


Sem hesitar, deitou seu dedo sobre o gatilho. Um clarão iluminou o corpo de Amanda. Heather fechou os olhos e depois voltou a abri-los. A bala penetrara Amanda Thornton na testa, em cheio.


Seus olhos estavam abertos, mas seu corpo imóvel.


Permanentemente.


Heather sentiu como se as cortinas daquele aterrorizante espetáculo fossem se fechar a qualquer momento.


Quando viu automóveis da polícia cercando o local e Trevor Williams descendo de seu veículo cinza, correndo para ela, Heather teve certeza.


O pesadelo chegara ao fim.


–--


Ela encontrava-se sentada. Relaxada. Calma. Estava em hipnose profunda. Uma voz suave lhe falava lentamente:


– Seu trauma foi muito grande, Emma. Heather nasceu do seu sofrimento. Você a criou, fez com que ela tomasse conta de seu corpo e mente para se proteger de sua própria dor, de seu choque. Ela foi sua fortaleza por quinze anos. Mas agora este trauma já passou. Está tudo acabado. Vocês agora são uma só pessoa. – Trevor Williams mantinha-se sério e calmo. – Você é Emma Connors. Uma pessoa forte e obstinada.


Aquela era a última sessão dela. Há meses estivera em tratamento para se curar de seu trauma. Suas lembranças retornaram à sua mente na noite em que Amanda Thornton lhe revelara toda a verdade.


Mal sabia ela que o celular continuara ligado, gravando todas as palavras ditas por ela naquela noite.


Usando aquilo como uma forte evidência, o júri determinou Frank Palmer e mais quatro sujeitos – amigos que o próprio Frank havia entregado à polícia – culpados por todos os crimes cometidos na noite que mudara a vida de Emma para sempre. Também pelo homicídio de Frederick Hatcher.


Frank acabara confessando que Amanda havia pedido para que ele executasse o professor, que em uma manhã habitual ouvira a garota falando consigo mesma a respeito do que fizera a Emma. Ele sabia da verdade. Ou, pelo menos, parte dela. Era um perigo para Amanda.


Ela, Emma Connors, alegou legítima defesa, se livrando de qualquer acusação a respeito da morte de Amanda Thornton. Alex Montini fora designado para depois a favor de Emma. Sem hesitar, ele fez o que pôde para ajudar.


Encontrara-se com ela pela última vez na saída do tribunal. Ela estava acompanhada do Dr. Williams. Alex havia perguntado se ela teria um minuto para falar com ele. Emma pedira para que Trevor a aguardasse no carro. Estava frente à frente com Alex. Lembranças de um passado do qual ela costumava não se lembrar assombraram a mente de ambos naquele momento.


– Eu não sei como começar. – ele exibiu um sorriso nervoso. – Temos muito que conversar, não acha?


– Não tenho certeza, Alex. – ela respondeu educadamente. Seu tom de voz era o mesmo que usara anos atrás. Antes de tudo aquilo acontecer. Antes de terem destruído sua vida.


– Bem, eu só... Só quero pedir perdão.


– Não há o que perdoar.


– Aquela noite. – disse ele. – Quando eu a chamei de fraca. Eu não quis realmente dizer aquilo. Foi algo dito em um momento de frustração.


– Não se preocupe.


– Só quero que saiba que... Você provou a todas as pessoas que um dia chamaram-na de fraca que eles estavam todos enganados.


– Eu nunca quis provar nada a ninguém. – Emma olhou para ele com seriedade em seus olhos. – Sei muito bem do que sou capaz. Eu não sou fraca. Nunca precisei pisar em alguém para me sentir melhor. Sobrevivi a tudo aquilo sozinha.


Alex fitou-a com imensa admiração. Como ela havia se tornado forte! Ainda era Emma. Ainda era a garota doce e encantadora que um dia fizera parte de sua vida. Mas também era uma mulher decidida e independente. Não havia qualquer sinal de fraqueza nela.


– Desejo-lhe toda a sorte deste mundo.


– O mesmo para você, Alex. – ela fitou-o com ternura e virou-se, deixando o tribunal.


Aquele havia sido o primeiro passo para o recomeço. Para a renovação de sua vida.


Seu tratamento finalmente chegara ao fim. Trevor contou até três e ela abriu os olhos, acordando para a realidade.


– Sente-se bem?


– Ótima. – ela sorriu. – Acho que estou pronta.


Depois daquela última sessão, Trevor a levou para tomar um café na cidade. Estavam sentados a uma mesa. Ela olhou para ele, dizendo:


– Eu sempre me perguntei.


– O que? – ele bebericou de seu café e depois ergueu seus olhos para fitá-la.


– Quando foi que você descobriu?


Trevor emitiu um riso breve.


– Você alguma vez chegou a finalizar o livro que seu falecido marido lhe deu?


Ela fez que não com a cabeça. Ele prosseguiu:


– O Médico e o Monstro conta a história de Dr. Jekyll e Mr. Hyde. – começou a explicar. – Na tentativa de separar seu lado bom de seus impulsos sombrios, Dr. Jekyll descobre uma poção. Essa poção o transforma em outra pessoa. Uma criatura má, cruel. Mr. Hyde. Mas algo aconteceu. O médico começou a perder o controle e, ciente de que Hyde dominaria seu corpo de uma vez por todas, ele deixou uma carta explicando todo o mistério.


Emma o fitou com surpresa.


– Charles havia me dito que...


– Que isto faria sentido quando você descobrisse toda a verdade. – Trevor completou sua sentença. – Creio que ele descobriu o que estava acontecendo com você antes de ter falecido. Não quis lhe contar porque, talvez, você não fosse acreditar. Precisava descobrir tudo sozinha. Precisava aceitar a realidade e, assim, recuperar suas lembranças. Lembranças que sempre pertenceram a você.


– Alex disse-me que havia visto Em... Que havia me visto em seu quarto na noite em que a energia elétrica parou de funcionar na cidade.


– Eu acredito que muitas outras pessoas pensaram ter visto você, Emma. – Trevor pousou sua xícara sobre a mesa. – Estas visões foram nada mais nada menos do que frutos da imaginação deles. Talvez eles sentissem uma parcela de culpa por terem lhe maltratado daquele jeito. O peso desta culpa mexeu com a mente deles. Estavam atormentados pelo passado. – ele não deixava de olhar para ela. – Afinal, todos eles a machucaram de alguma forma.


Emma lembrava-se das vezes em que seu verdadeiro eu tomara conta de seu corpo. Da noite em que Frank Palmer tentara abusar dela em seu carro. Enquanto ele e Alex Montini se espancavam no chão, Emma tomara posse daquela mente desacordada. Retirou o canivete que levava consigo na bolsa, cravando seu próprio nome nos bancos de couro do veículo, deixando que Heather retornasse ao corpo em seguida.


Lembrava-se também de ter invadido o escritório de Amanda Thornton no meio da noite. De ter vasculhado as gavetas de sua mesa, deixando escrito em uma fotografia: hipócrita.


As lembranças vinham à sua mente com normalidade agora.


Retornando à realidade, ela exibiu um sorriso leve.


– Tem sido maravilhoso comigo.


– Sabe que sempre poderá contar comigo. – ele respondeu. – Eu sempre tentarei ajudá-la. Eu sempre tentei. Desde a primeira vez em que nos vimos. Quinze anos atrás.


Emma abaixou sua cabeça lembrando-se do que ele havia acabado de dizer.


– Na primeira vez em que eu a hipnotizei... Confesso que havia acreditado que aquilo era uma... Não sei, possessão espiritual. – comentou. – As aparências realmente enganam.


– Pois é.


– Posso saber quais são os seus planos agora que o tratamento acabou?


– Bem... – ela respirou fundo. – Estou deixando o país esta tarde.


Trevor arqueou as sobrancelhas.


– Vai embora?


– Creio que seja melhor.


– Claro, mas... Poderemos ao menos manter contato?


– Eu não sei, Trevor. – Emma soltou um suspiro. – Acho que quero recomeçar. Quero seguir um rumo diferente. Algo novo.


Ele fez um gesto positivo com a cabeça.


– Entendo.


Despediram-se com um aperto de mãos formal. Ela recusou-se a olhá-lo nos olhos. Deixou aquela cafeteria com o coração carregado de emoções e sentimentos que ela tencionava esquecer para poder seguir com sua vida. Seu futuro.


Usando roupas elegantes e – ao mesmo tempo – simples, Emma olhou para o céu. A manhã estava clara. O sol brilhava alto. Os sons dos automóveis e das pessoas eram melodia para seus ouvidos. Ajeitando seus cabelos dourados, Emma sorriu para si mesma e pensou:


A vida continua.


Não sabia o que aconteceria dali por diante, mas estava completamente certa de que estava pronta para qualquer coisa ou qualquer pessoa que atravessasse seu caminho. Não importava se os acontecimentos seguintes seriam bons ou ruins. A vida era imprevisível. Complicada. Bela. Divertida. Dura. Era um misto de adjetivos que ironicamente tornavam-na tal como era.


Uma dádiva.



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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 2



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  • ceeh Postado em 02/06/2014 - 21:48:29

    Sabe eu sinceramente adorei. A história é muito boa misturando tudo. Pensei até que o assassinato de Emma foi por Heather (nem sei escreve, repara não)e não entendi o porque de todos a adiarem daquele jeito. Eu mesma já me senti sozinha e muitas pessoas viraram as costas para mim mas eu nunca fiquei tão sozinha quanto Emma ficou. Ela criou uma segunda personalidade para se defender de tudo o que sofrera. Para não ser mais fraca. E como adorei tudo cada detalhe e como jogou com o leitor revelando alguns mistérios mas deixando outros ocultos. Gostaria muito de ler outra historias suas e finalmente li algo realmente bom. E você nem usou personagens famosos, sua historia é famosa e quem não leu só perdeu. De sua fã Ceeh.

  • ceeh Postado em 01/06/2014 - 14:19:15

    Aiin... Que web mais perfeita. Eu me senti como a própria personagem e você escreve bem demais. Por favor não abandone a história, eu já estou amando tudo nela principalmente os detalhes. Continue...


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